terça-feira, 7 de abril de 2020

Pandemia de vírus (e de egoísmos também)

Topo da Rua Fernando Namora - Beirã
Foto José Coelho

Sei hoje, melhor que nunca, no meio desta crise tremenda, quanto devo aos meus santos pais e avós. Tudo o que eles foram e me ensinaram na sua simplicidade, no seu dia a dia, na pureza imaculada dos seus corações que sempre lhes permitiu serem felizes com o que tinham sem invejarem quem tinha mais do que eles. Tudo o que neste preciso momento num mundo assolado por esta pandemia letal me está a ser tão útil, necessário e proveitoso.

Também eles passaram por maus bocados. Duas guerras que devastaram o mundo e espalharam miséria por toda a parte, a guerra civil logo aqui ao nosso lado a provocar refugiados, que, pela calada da noite para não serem vistos ou capturados, lhes batiam à porta a suplicar um pedaço de pão, que eles, pobres entre os mais pobres, sempre ajudaram, apesar do pouco que também tinham para si próprios. Também eles, no seu tempo, passaram por algo parecido com o que está a suceder-nos hoje, uma epidemia então chamada “gripe espanhola”.

E sobreviveram, assim como todos os seus valores e princípios.

Tão grave como a actual pandemia foi o egoísmo atroz que se apoderou subitamente de muita gente. Corridas aos supermercados a açambarcar tudo o que vinha à mão sem qualquer critério de prioridades, como se o problema fosse a falta de alimentos em vez dum vírus que contagia, infecta e mata a eito. Cinquenta bifanas, cinquenta costeletas, cinquenta pernas de frango, cinquenta latas de atum, cinquenta pacotes de leite, de arroz e massas, cinquenta rolos de papel higiénico, uma caixa inteira de frascos de álcool… e… setecentos euros na caixa registadora.

Para mim já tenho, os outros que se danem!

Gente sem o menor respeito pelo próximo, gente que só sabe olhar para o seu umbigo e se está a marimbar para as mais elementares regras de civismo e de vivência em comunidade. Pior que qualquer vírus é constatar que estamos rodeados de pessoas que não valem nada enquanto seres humanos, que se comportam pior que os javalis dos matos porque esses só a fome os faz serem predadores. Jamais havia imaginado quão rude, primitiva e sem carácter é alguma dessa gente. Dou graças porque fui ensinado desde o berço e aprendi a nunca proceder assim.

Ficámos em casa tranquilos, cientes de que não nos faltaria o suficiente para sobrevivermos sem passar fome e sem qualquer necessidade de armazenar produtos que poderiam fazer falta na mesa de outras pessoas. Pensar no próximo é um dever, uma obrigação, uma atitude de cidadania e de respeito para com todos. É nestes momentos que se percebe o melhor de algumas pessoas e também, infelizmente, o pior de muitas outras. Presunção e água benta cada um toma a que quer. A carapuça só serve a quem a enfiar, contudo, o maior aprendizado nesta grave situação é constatar-se que quanto mais humildes são as pessoas mais manifesta é a sua integridade de carácter e a generosidade no seu coração.

Como se não fosse já suficientemente mau o que vemos acontecer à nossa volta, assistimos ainda a outros actos de censurável egoísmo amplamente difundidos nos meios de comunicação social que denunciam alguns dos países mais ricos (e supostamente amigos) que “desviaram” do seu percurso alguns meios indispensáveis para salvar milhares de vidas noutros países mais pobres a braços com a falta desses meios entretanto sorrateiramente desviados. Nem a lei da selva é tão desumana e ultrajante. Enfim, é o que temos, é o salve-se quem puder, é o espelho de uma Humanidade à beira de perder (quase) todos os seus valores e mais elementares princípios...

José Coelho
07.04.2020