Topo da Rua Fernando Namora - Beirã
Foto José Coelho
Sei
hoje, melhor que nunca, no meio desta crise tremenda, quanto devo aos meus
santos pais e avós. Tudo o que eles foram e me ensinaram na sua simplicidade, no
seu dia a dia, na pureza imaculada dos seus corações que sempre lhes permitiu
serem felizes com o que tinham sem invejarem quem tinha mais do que eles. Tudo
o que neste preciso momento num mundo assolado por esta pandemia letal me está
a ser tão útil, necessário e proveitoso.
Também
eles passaram por maus bocados. Duas guerras que devastaram o mundo e
espalharam miséria por toda a parte, a guerra civil logo aqui ao nosso lado a
provocar refugiados, que, pela calada da noite para não serem vistos ou
capturados, lhes batiam à porta a suplicar um pedaço de pão, que eles,
pobres entre os mais pobres, sempre ajudaram, apesar do pouco que também tinham para si próprios.
Também eles, no seu tempo, passaram por algo parecido com o que está a suceder-nos
hoje, uma epidemia então chamada “gripe espanhola”.
E
sobreviveram, assim como todos os seus valores e princípios.
Tão grave como a actual pandemia foi o egoísmo atroz que se apoderou subitamente de muita
gente. Corridas aos supermercados a açambarcar tudo o que vinha à mão sem qualquer
critério de prioridades, como se o problema fosse a falta de alimentos em vez dum
vírus que contagia, infecta e mata a eito. Cinquenta bifanas, cinquenta costeletas,
cinquenta pernas de frango, cinquenta latas de atum, cinquenta pacotes de leite,
de arroz e massas, cinquenta rolos de papel higiénico, uma caixa inteira de
frascos de álcool… e… setecentos euros na caixa registadora.
Para
mim já tenho, os outros que se danem!
Gente
sem o menor respeito pelo próximo, gente que só sabe olhar para o seu umbigo e se
está a marimbar para as mais elementares regras de civismo e de vivência em
comunidade. Pior que qualquer vírus é constatar que estamos rodeados de pessoas
que não valem nada enquanto seres humanos, que se comportam pior que os javalis
dos matos porque esses só a fome os faz serem predadores. Jamais havia imaginado quão
rude, primitiva e sem carácter é alguma dessa gente. Dou graças porque fui
ensinado desde o berço e aprendi a nunca proceder assim.
Ficámos em casa tranquilos, cientes de que não nos faltaria o suficiente para
sobrevivermos sem passar fome e sem qualquer necessidade de armazenar produtos que
poderiam fazer falta na mesa de outras pessoas. Pensar no próximo é um
dever, uma obrigação, uma atitude de cidadania e de respeito para com todos. É
nestes momentos que se percebe o melhor de algumas pessoas e também, infelizmente,
o pior de muitas outras. Presunção e água benta cada um toma a que quer. A carapuça só serve a quem a enfiar, contudo, o maior aprendizado nesta grave situação
é constatar-se que quanto mais humildes são as pessoas mais manifesta é a sua integridade
de carácter e a generosidade no seu coração.
Como
se não fosse já suficientemente mau o que vemos acontecer à nossa volta,
assistimos ainda a outros actos de censurável egoísmo amplamente difundidos nos
meios de comunicação social que denunciam alguns dos países mais ricos (e supostamente
amigos) que “desviaram” do seu percurso alguns meios indispensáveis para salvar milhares
de vidas noutros países mais pobres a braços com a falta desses meios entretanto sorrateiramente
desviados. Nem a lei da selva é tão desumana e ultrajante. Enfim, é o que
temos, é o salve-se quem puder, é o espelho de uma Humanidade à beira de
perder (quase) todos os seus valores e mais elementares princípios...
José Coelho
07.04.2020