segunda-feira, 13 de abril de 2020

Coisas qu'escrevi...

Por do sol no Vale de Ródão - Marvão - Foto José Coelho

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“É o por do sol - já o disse inúmeras vezes - o meu momento de eleição de cada dia. Fico enlevado com as cores inimagináveis que por breves momentos iluminam as idílicas paisagens que me viram nascer e considero tão únicas como maravilhosas. Estranhamente a natureza fica em silencio absoluto nos instantes que antecedem o afundar do astro-rei na linha do horizonte. Acontece só por uns fugazes minutos mas é deveras surpreendente, mais ainda porque as suas cores são diferentes todos os dias. Hoje até a minha companheira, sentados os dois na nossa varanda, surpreendida com tamanho silêncio, comentou:

- Que sossego! Nem os passarinhos se ouvem!

- É verdade! Respondi-lhe. 

E continuei:

- Até o cão da Dona Rosa que parece andar zangado com o mundo inteiro a ladrar todo o dia e toda a noite, se calou!

- Que estranho!  Comentou, antes de se remeter também ao silêncio.

A luz do sol tomara entretanto um brilho alaranjado. Os canchos e o montado lá ao longe pareciam iluminados por luz artificial semelhante à dos holofotes que à noite iluminam as muralhas de Marvão. E, lentamente, foi-se extinguindo até desaparecer por completo detrás dos penedos da Senhora da Penha de Castelo de Vide. No momento seguinte a barra cinzento-escura da noite começou a aproximar-se e a cobrir os mesmos calhaus e o montado que minutos antes estavam iluminados. Sinceramente acredito que é este o momento de cada dia em que Deus desce à terra. Por isso toda a Sua criação guarda respeitosamente tão profundo silêncio.

E é também nesses momentos de tão completa harmonia que sou invadido por uma paz de espírito tão doce que é difícil de explicar. Tranquilidade íntima que instintivamente me faz fechar os olhos e dar graças por ter nascido, por estar vivo, pela minha vida inteira, pelos pais e avós maravilhosos que tive, pelas irmãs, filhos, netas, esposa e família em geral e amigos que ainda tenho, pela reforma do meu trabalho que alcancei, pela pensão mensal que permite o pão nosso de cada dia, a casa que nos acolhe, a saúde possível, enfim, um infinito rol de graças e de bendições com que fui e continuo a ser agraciado pelo Criador em cada dia do meu viver.

É mais natural em mim rezar a Deus e tudo agradecer nesses momentos, do que propriamente fazê-lo na igreja em monocórdico coro com a restante assembleia, se bem que, como é óbvio, respeito e pratico o melhor que sei os preceitos da Casa onde o Senhor se faz presente no Sacrário. Como todos quantos me conhecem sabem, sou-Lhe dedicado quase também desde que sou gente, embora prefira mesmo dar graças e orar intimamente a sós e no mais profundo silêncio desses breves instantes do dia que termina, quando tudo ao meu redor permanece na mais absoluta quietude.

Nunca repararam nisso? Então experimentem! Subam a um outeiro num dia claro, escolham um local sossegado e aguardem pelo por do sol. Até sentados na muralha de Marvão acontece esse fenómeno intrigante. Até mesmo no vosso tranquilo quintal, como eu faço no meu. Quase me atrevo a apostar que irão surpreender-se com a quietude e o silêncio que subitamente se faz ao vosso redor. São só uns breves instantes, apenas o tempo que o sol demora a tocar a linha do horizonte e desaparecer por completo atrás dela.

É algo tão sublime que quase nem nos atrevemos a respirar para que nem o "barulho" da nossa respiração possa perturbar a paz envolvente. Depois, quando nos encontrarmos por aí, contem-me como foi, se quiserem. A Vida, a Natureza e o Mundo, são maravilhosos. Às vezes nós é que não olhamos, ou olhamos mas não vemos. Eu acredito que são momentos subtilmente preparados pelo Criador para que o sintamos próximo de nós todos os dias. Mas respeito, como é meu dever, quem não acredita nas mesmas coisas que eu. Cada um sabe de si!

Tenham uma excelente semana...”

José Coelho
(in Segredos do sol poente 07.09.2015)