Por do sol no Vale de Ródão - Marvão - Foto José Coelho
(…)
“É o por do sol - já o disse
inúmeras vezes - o meu momento de eleição de cada dia. Fico enlevado com as
cores inimagináveis que por breves momentos iluminam as idílicas paisagens que
me viram nascer e considero tão únicas como maravilhosas. Estranhamente a
natureza fica em silencio absoluto nos instantes que antecedem o afundar do
astro-rei na linha do horizonte. Acontece só por uns fugazes minutos mas é deveras
surpreendente, mais ainda porque as suas cores são diferentes todos os dias.
Hoje até a minha companheira, sentados os dois na nossa varanda, surpreendida
com tamanho silêncio, comentou:
- Que sossego! Nem os passarinhos
se ouvem!
- É verdade! Respondi-lhe.
E
continuei:
- Até o cão da Dona Rosa que
parece andar zangado com o mundo inteiro a ladrar todo o dia e toda a
noite, se calou!
- Que estranho! Comentou, antes de se remeter também ao
silêncio.
A luz do sol tomara entretanto um brilho alaranjado. Os canchos e o montado lá ao longe pareciam
iluminados por luz artificial semelhante à dos holofotes que à noite iluminam
as muralhas de Marvão. E, lentamente, foi-se extinguindo até desaparecer por
completo detrás dos penedos da Senhora da Penha de Castelo de Vide. No momento seguinte a barra cinzento-escura da noite começou a
aproximar-se e a cobrir os mesmos calhaus e o montado que minutos antes estavam
iluminados. Sinceramente acredito que é este o momento de cada dia em que Deus
desce à terra. Por isso toda a Sua criação guarda respeitosamente tão profundo silêncio.
E é também nesses momentos de tão completa
harmonia que sou invadido por uma paz de espírito tão doce que é difícil de explicar. Tranquilidade íntima que instintivamente me faz fechar os olhos e dar graças
por ter nascido, por estar vivo, pela minha vida inteira, pelos pais e avós
maravilhosos que tive, pelas irmãs, filhos, netas, esposa e família em geral e
amigos que ainda tenho, pela reforma do meu trabalho que alcancei, pela pensão mensal que permite o pão nosso de cada dia, a casa que nos acolhe, a saúde possível,
enfim, um infinito rol de graças e de bendições com que fui e continuo a ser
agraciado pelo Criador em cada dia do meu viver.
É mais natural em mim rezar a
Deus e tudo agradecer nesses momentos, do que propriamente fazê-lo na igreja em monocórdico coro com a restante assembleia, se bem que, como é óbvio, respeito e
pratico o melhor que sei os preceitos da Casa onde o Senhor se faz
presente no Sacrário. Como todos quantos me conhecem sabem, sou-Lhe
dedicado quase também desde que sou gente, embora prefira mesmo dar graças e orar intimamente
a sós e no mais profundo silêncio desses breves instantes do dia que termina, quando tudo ao meu redor permanece na mais absoluta quietude.
Nunca repararam nisso? Então
experimentem! Subam a um outeiro num dia claro, escolham um local sossegado e aguardem pelo
por do sol. Até sentados na muralha de Marvão acontece esse fenómeno
intrigante. Até mesmo no vosso tranquilo quintal, como eu faço no meu. Quase me
atrevo a apostar que irão surpreender-se com a quietude e o silêncio que subitamente se faz ao vosso redor. São só uns breves instantes, apenas o
tempo que o sol demora a tocar a linha do horizonte e desaparecer por
completo atrás dela.
É algo tão sublime que quase nem nos atrevemos a respirar para que nem o "barulho" da nossa respiração possa perturbar a paz envolvente. Depois, quando nos encontrarmos por aí, contem-me
como foi, se quiserem. A Vida, a Natureza e o Mundo, são maravilhosos. Às vezes
nós é que não olhamos, ou olhamos mas não vemos. Eu acredito que são momentos subtilmente preparados
pelo Criador para que o sintamos próximo de nós todos os dias. Mas respeito, como é meu dever, quem não
acredita nas mesmas coisas que eu. Cada um sabe de si!
Tenham uma excelente semana...”
José Coelho
(in Segredos do sol poente
07.09.2015)