Vem de longe o meu fascínio pelas letras. A Senhora minha Mãe a par das suas lides de dona de casa tinha também diariamente o cabo de um sacho à sua espera para trabalhar no campo ao lado do meu pai. Por esse motivo tinha que me entregar aos cuidados de uma Mestra, a Senhora Vicência, de quem ainda hoje me lembro com carinho. Com menos de três anos fui então fazer companhia a um punhado de gaiatos e gaiatas da minha idade. Éramos entregues manhã cedo e recolhidos ao cair da tarde.
Hoje chamam a esses locais infantários e educadoras às senhoras que cuidam da rapaziada miúda.
Hoje chamam a esses locais infantários e educadoras às senhoras que cuidam da rapaziada miúda.
Para nos manter sossegados, entretidos e na linha, a bondosa Mestra mandava-nos sentar nuns tropeços de cortiça ou em banquinhos de madeira levados pelos nossos pais para esse efeito e punha-nos no colo uma ardósia (pedra) onde nos entretínhamos a fazer rabiscos com lápis também de pedra. Em pouco tempo os primeiros rabiscos davam a vez ao a-e-i-o-u e aos primeiros algarismos de tal forma que aos cinco anos já quase todos éramos capazes de compor algumas palavras e fazer pequenas contas. Quando aos seis anos entrei para a escola, levava sabida e muito bem sabida, a matéria da primeira classe. Por isso mesmo, a Dona Clarisse entendeu que eu devia ser logo integrado na turma da segunda classe. E assim fiz toda a escolaridade obrigatória sempre um ano à frente dos gaiatos do meu ano sem grande aparato.
Terminada a escolaridade obrigatória, no dia seguinte ao exame da 4ª classe em Marvão, comecei a guardar ovelhas. Na bolsa da merenda além do pão e do conduto levava sempre livros que me eram emprestados por algum amigo ou pela carrinha-biblioteca da Gulbenkian que vinha todos os meses à aldeia, recheada de sonhos para todos os gostos. Para mim aquele espaço repleto de estantes a abarrotar de livros era uma perfeita Lâmpada de Aladino. A Ilha Misteriosa, com centenas de páginas, as Vinte Mil Léguas Submarinas, toda a coleção das Aventuras dos Cinco da Enid Blyton e muitas, muitas outras dezenas, quiçá centenas de livros fui "devorando" desde então até hoje.
Tenho agora provavelmente mais livros em estantes na minha casa do que aqueles que vinham na tal carrinha da Gulbenkian quando era miúdo. Mas nem só a leitura se tornou de mim inseparável. Também nunca deixei de escrever. Horas a fio. Coisas minhas. Por vício. Por necessidade. Por gosto. E por isso mesmo faz todo o sentido este título de Meu vício da escrita...
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