Imagens e texto copiados do Facebook
Uma criança é o mundo
inteiro
(por: Juan Cruz en El Pais)
03 - Quinta-feira - Set
2015
A morte de uma criança
é uma afronta, um grito da vida contra a morte. Uma criança morta na praia, no
lugar em que acontece esse idílio do mar com a terra e que aí não espalha
felicidade, mas o terrível som de uma notícia de que chove como o pranto no
coração. Uma criança morta na praia, em busca de refúgio no mundo, fugindo da
guerra, fugindo do som cruel das armas e também da fome.
Essa imagem da criança
síria morta numa praia turca, a desolação que apresenta o gesto do guarda que
foi salvá-lo, a luz, a praia, essa costa que parece um símbolo da própria
passagem descalça da criança por um mundo que já não vai recebê-lo nunca, nem
ele nem muitos. É um poema comovente, um réquiem como aquele que entoava José
Hierro: é uma criança como milhões de crianças, um ser humano que já ri,
pergunta e persegue sombras como se fossem brinquedos.
A machadada cruel dos
nossos tempos faz dela o retrato com o qual a consciência do mundo há de
conviver como expressão dessa afronta. O guarda fez o gesto desesperado; mas
antes do guarda foi o mundo que não soube salvá-la; o guarda foi o herói dos
olhos tristes, fez tudo o que podia. O mundo não soube salvá-la. Seu único
destino, o de seus pais, o de seus passos, era sobreviver; seu horizonte não
era sequer viver, ter profissão, amores e despedidas: seu destino, esse que
agora jaz sem vida no mundo, era o de desenhar na areia a casa, o barco, e já
não há nem casa nem barco nem nada. Não há nada. O mundo levou-lhe tudo: nem
este nem aquele, nem este país nem este outro: o responsável por esta terrível
expressão dos nossos tempos é o mundo inteiro, porque a criança é também o
mundo inteiro. Suas mãos são os desenhos que deixa, seu corpo de três ou quatro
anos é o que resta da árvore que ela teria imaginado que era a vida, e antes da
hora soube que o mundo não sabe salvar as crianças, porque também desconhece
como se salvar. Aí jaz, nessa praia, o mundo inteiro.