Foto by José Coelho
Estava a ver que iam chegar primeiro as chuvadas d'outono do que a lenha para alimentar a lareira no próximo inverno. Não é que estivesse muito muito aflito porque sobraram talvez mais de duas toneladas do inverno passado que se encontram devidamente guardadas debaixo de telha e que vão com certeza ser suficientes até lá para tantos de Janeiro ou Fevereiro de 2016. Mas, normalmente, logo nos finais da primavera, princípios do verão, é costume tê-la toda arrumada no seu lugar, o que este ano excepcionalmente não aconteceu. É verdade que ainda estamos no verão mas ele já está de pantanas e eu cá sou com'à formiguita. Gosto de encher o celeiro no verão de tudo aquilo que irá fazer falta no tempo frio e de maior escassez. Batatas, cebolas, alhos, conservas de legumes, compotas, vinho, azeite e, claro, a lenha.
Foi mesmo à tabela! Poucas horas depois de os sólidos madeiros de carvalho serem todos empilhados nos telheiros construídos para esse fim específico, quer na minha, quer na Toca 2 da Escusa, começou a chover. E que noite de chuva santo Deus. Parecia que andava o diabo à solta. Mal anoiteceu, veio, não sei de onde, um ambiente revolto, invernoso, com o vento a assobiar zangado pelas frestas das venezianas das janelas e a sacudir furiosamente os sobreiros da tapada mais as árvores de fruto do nosso quintal e as dos quintais vizinhos. Hoje pela manhã era um rodo de ramos e folhas diversas, figos secos, laranjas, limões e azeitonas espalhados um pouco por todo o quintal como lhes se tivessem andado a varejar as mães, que, coitadas, apresentavam todas elas um ar desgrenhado e com ramos rasgados aqui e ali, sinais evidentes da agitação da noite.
Fez-me lembrar Agosto de 1976, aquele em que começou a chover no dia 13, a véspera do nosso casamento. Estávamos na esplanada do Restaurante Sever da Portagem a festejar a despedida de solteiros, eu, a minha noiva e mais um punhado de amigos e familiares convidados (naquele tempo essa despedida era mesmo só no último dia de solteiros) mas tivemos que vir todos embora por causa da chuva que começou a cair a meio do serão. Falámos sobre essa casualidade com a D. Julieta Garraio, proprietária já naquela data de tão excelente espaço, e que, curiosamente, continua a sê-lo ainda, passados todos estes anos, no jantar comemorativo do nosso 39º aniversário matrimonial, há pouco mais de um mês. Naquele ano (1976) nunca mais parou de chover a partir daquela data. Fomos em lua de mel para Madrid (casa dos cunhados) depois Aveiro (Hotel Afonso V), Matosinhos (casa dos compadres) e São Bento da Porta Aberta a caminho das Termas do Gerês, sempre debaixo de um tempo húmido, desagradável, incerto. Os picos das serras do Parque Nacional da Peneda todos cobertos de neblinas em pleno Agosto, a estrada com centenas de curvas e toda encharcada pela chuva miudinha desde Matosinhos até lá.
Obviamente, nunca mais me esqueci de nenhum daqueles pormenores. Nem sequer de quanto custou a nossa lua de mel que durou uns felicíssimos quinze dias, muito bem passados e ainda melhor viajados. Trinta contos. Cento e cinquenta euros! As coisas que a gente fazia com um pequeno punhado de escudos no bolso, naquele tempo que parece já tão longínquo. Nunca fomos de grandezas mas soubemos aproveitar a nossa vida e dentro da maior simplicidade temos sido minimamente felizes. Não gosto de ser velho do restelo mas desconfio que não nos esperam já muitos dias felizes daqui em diante, dada a conjuntura atual de tudo aquilo que nos rodeia, quer no nosso país, quer nos outros países desta Europa que se fundiu numa pretensa união de vários estados e que cada vez se revela menos unida, menos solidária e menos auspiciosa. Os interesses do capital que financia esses estados sobrepuseram-se aos interesses das pessoas e tira-se, se preciso for, o pão da mesa das famílias, o teto de cima das suas cabeças, se tanto for necessário para que o capital não sofra perdas nem danos.
O mundo está, qual vulcão prestes a entrar de novo em atividade, numa ebulição que me parece extremamente perigosa. Basta estarmos atentos ao que se passa e é profusamente noticiado. Guerras, terrorismo, extremismos assassinos, gente que foge do inferno da guerra e do medo mas que ninguém parece muito disposto a ajudar, enfim, um caos que se generaliza e aproxima de todos nós muito mais do que parece e seria desejável. A ameaça terrorista, o medo de infiltrações perigosas, a segurança interna de cada país, tudo isso e muito mais torna as pessoas cautelosas, desconfiadas, temerosas. E o espírito de solidariedade, a mais elementar caridade humana para com quem necessita de segurança e paz, fragiliza-se, estremece, evapora-se...
Ena pá!
Eu estava a falar da lenha para o inverno. Da minha e da do meu Manel... Falta a do Pedro, mas essa não vai de cá. Compra-se por lá. Os meus dois rapazes aprenderam comigo a gostarem de passar serões à lareira. Assim. De lume vivo, de lenha seca do campo. A netinha Mariana ainda é muito bébézinha mas a netinha Francisca já apanhou também "o vício". Fica extasiada a olhar para as chamas, estende as mãozinhas e emite um engraçado e consolado aaaahhhh quando sente o agradável calorzinho. Também já aprendeu com o pai dela. Como eu aprendi com o meu. E o meu pai com o avô Faustino, pai dele. Como eles adoravam sentar-se connosco à volta do lume onde sobre a trempe fervia quase sempre a ceia, numa bela sertã espanhola. Mas não era só o avô Faustino. O avô Zé Lourenço era outro devoto do lume no chão com lenha do campo. Tantos feixinhos que o ajudei a fazer e a transportar às costas para que nunca lhes faltasse. A ele e à avó Amélia que em toda a sua longa vida (93 anos) nunca cozinhou em qualquer fogão. A saborosa comidinha dela era sempre confeccionada em lume de lenha. De inverno e de verão. Tenho tantas saudades de tudo e de todos!
Porra! Não vou ficar triste agora. Venha mas é de lá o frio, que a lenha já cá canta...
Obviamente, nunca mais me esqueci de nenhum daqueles pormenores. Nem sequer de quanto custou a nossa lua de mel que durou uns felicíssimos quinze dias, muito bem passados e ainda melhor viajados. Trinta contos. Cento e cinquenta euros! As coisas que a gente fazia com um pequeno punhado de escudos no bolso, naquele tempo que parece já tão longínquo. Nunca fomos de grandezas mas soubemos aproveitar a nossa vida e dentro da maior simplicidade temos sido minimamente felizes. Não gosto de ser velho do restelo mas desconfio que não nos esperam já muitos dias felizes daqui em diante, dada a conjuntura atual de tudo aquilo que nos rodeia, quer no nosso país, quer nos outros países desta Europa que se fundiu numa pretensa união de vários estados e que cada vez se revela menos unida, menos solidária e menos auspiciosa. Os interesses do capital que financia esses estados sobrepuseram-se aos interesses das pessoas e tira-se, se preciso for, o pão da mesa das famílias, o teto de cima das suas cabeças, se tanto for necessário para que o capital não sofra perdas nem danos.
O mundo está, qual vulcão prestes a entrar de novo em atividade, numa ebulição que me parece extremamente perigosa. Basta estarmos atentos ao que se passa e é profusamente noticiado. Guerras, terrorismo, extremismos assassinos, gente que foge do inferno da guerra e do medo mas que ninguém parece muito disposto a ajudar, enfim, um caos que se generaliza e aproxima de todos nós muito mais do que parece e seria desejável. A ameaça terrorista, o medo de infiltrações perigosas, a segurança interna de cada país, tudo isso e muito mais torna as pessoas cautelosas, desconfiadas, temerosas. E o espírito de solidariedade, a mais elementar caridade humana para com quem necessita de segurança e paz, fragiliza-se, estremece, evapora-se...
Ena pá!
Eu estava a falar da lenha para o inverno. Da minha e da do meu Manel... Falta a do Pedro, mas essa não vai de cá. Compra-se por lá. Os meus dois rapazes aprenderam comigo a gostarem de passar serões à lareira. Assim. De lume vivo, de lenha seca do campo. A netinha Mariana ainda é muito bébézinha mas a netinha Francisca já apanhou também "o vício". Fica extasiada a olhar para as chamas, estende as mãozinhas e emite um engraçado e consolado aaaahhhh quando sente o agradável calorzinho. Também já aprendeu com o pai dela. Como eu aprendi com o meu. E o meu pai com o avô Faustino, pai dele. Como eles adoravam sentar-se connosco à volta do lume onde sobre a trempe fervia quase sempre a ceia, numa bela sertã espanhola. Mas não era só o avô Faustino. O avô Zé Lourenço era outro devoto do lume no chão com lenha do campo. Tantos feixinhos que o ajudei a fazer e a transportar às costas para que nunca lhes faltasse. A ele e à avó Amélia que em toda a sua longa vida (93 anos) nunca cozinhou em qualquer fogão. A saborosa comidinha dela era sempre confeccionada em lume de lenha. De inverno e de verão. Tenho tantas saudades de tudo e de todos!
Porra! Não vou ficar triste agora. Venha mas é de lá o frio, que a lenha já cá canta...