Nada fazia mais feliz o ti Pexorra de alcunha e António Maria Coelho de seu nome e apelido. Mulher, filhas, filho, genros e nora, netas e netos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, sogros, até mesmo até alguns primos chegados ou afastados. Para todos havia um lugar no seu coração. Para todos havia sempre também um lugar na sua casa, à sua volta, à sua - nem sempre farta - mesa ou ao redor do lume na belíssima e espaçosa chaminé que tinha a nossa cozinha para os serões frios do inverno.
No verão era na varanda do quintal que tinham lugar as tertúlias familiares já que o calor convidava a procurar-se ali o fresquinho da noite. Não muito dado a grandes conversas, mimos ou sorrisos, era o senhor meu pai quase sempre portador de um semblante sério, sisudo, a dar assim para o mal encarado com’ó meu. Mas isso nunca o impediu de ter bom coração e de ser capaz de dar a camisa que trazia vestida a quem dela necessitasse mais do que ele.
Recordo particularmente, como se tivessem acontecido ontem muitos dos seus hábitos de líder da família. A infalível hora de se ir deitar, fosse noite de natal, fosse outra noite qualquer da semana e estivesse quem estivesse cá em casa. Nove horas dadas no sino da torre da igreja, verão ou inverno e lá ia ele pra cama com o seu “té amanhã”. Mas no hábito de sair da cama era também pontual mal rompia o dia. Certinho como um relógio.
Obviamente nós ficávamos a pé até às tantas porque quando nos juntávamos todos a euforia era tal que o sono tardava e a pressa de ir deitar era nenhuma. Tantas vezes o ti Pexorra, depois de ter dormido o seu primeiro sono da noite completamente indiferente ao reboliço que nós fazíamos na cozinha, aparecia descalço e em ceroulas a espreitar feliz, para nos dizer naquela sua pronúncia da "terra do bonaco" que nunca perdeu:
– “Atã mas vocês ind’aí 'tã filhes?”
Herdei dele, com certeza, esta apetência para reunir a família regularmente cá em casa. Quantos mais, melhor. Nada me dava mais alegria. Filhos, noras, netas, irmãs, cunhados, sobrinhos ou tios, algumas vezes também alguns bons amigos com as respetivas famílias, pese embora sejamos por estas bandas cada vez menos, quer a hoste familiar, quer a dos amigos, já que não vai sobrando ninguém.
Ainda assim continua a ser sempre uma satisfação quando na agenda de compromissos dos poucos que ainda por aqui restamos, fica marcado que “tal dia” - aos fins de semana ou feriados quase sempre - vai sair um arroz de pato, uma favada com chouriço, umas sopas de cachola com pernil assado no forno, umas migas com toucinho frito ou apenas uma sopa caseira de couves do quintal com soã à moda da nossa Mãe Florinda.
Normalmente estes “petiscos” mais não são do que um repescar de memórias e sabores que nos ajudam a viajar no tempo ao encontro daquele passado em que fomos tão felizes e não sabíamos. Com os filhos casados e cada um em sua casa longe de nós, restamos por aqui só eu e a minha companheira de uma já quase vida inteira, a morar no “cimo d’aldeia” e a irmã caçula Joaquina com o seu Zé a morarem “na parte de baixo da linha”.
Como a fadista Mariza diz numa canção “o tempo não para e a gente só repara quando ele já passou”. Eu reparo particularmente que as últimas décadas da minha vida não passaram. Voaram. Faz hoje trinta anos que te acompanhei à tua eterna morada Pai, mas no meu coração e pensamento, continuas sempre presente.
José Coelho
(Texto e Foto c/filtro do Avô António Coelho com a sua neta Carmem ao colo)