Quem me conhece minimamente sabe que eu não uso de mentiras e que sou frontal, porque digo sempre o que tenho a dizer cara a cara seja o que for e a quem for, além de que não faço também prática do detestável costume de dar palmadinhas nas costas de qualquer pessoa para fingir amizade e a seguir, quando ela se vai embora, ficar a cortar-lhe na casaca, como tanta gente faz e me tem feito a mim.
Hoje vou escrever sobre algo que há muito era previsível mas sempre acreditámos demoraria ainda algum tempo a acontecer. Porém, como os caminhos do Senhor são insondáveis, não demorou em chegar a nova realidade em toda a sua força.
E a primeira consequência foram os sinos da igreja da nossa bonita Beirã que há 80 anos consecutivos tocavam sempre por cerca das onze horas de cada domingo a convocarem os fiéis calarem-se provavelmente para sempre e não voltarem a ouvir-se no Dia do Senhor a anunciarem a missa, muito menos com a ininterrupta regularidade com que se ouviam desde que a igreja foi inaugurada em 16 de Julho de 1943.
Ouvimos apenas, no dia a dia, o dolente repicar que nos diz que mais uma alma Beiranense vai a caminho do céu, ou o bater das horas do relógio que substituiu o velho e avariado mecanismo original na torre da igreja quando foi instalado o computorizado e moderno mecanismo que desde então coordena automaticamente os toques, naquela que foi uma das últimas e excelentes iniciativas do querido e saudoso padre Luís Ribeiro.
Mudam-se os tempos, mudam-se as circunstâncias. Tivemos por isso de aceitar com humildade o possível, mesmo que entristeça. Como dizem os evangelhos há mais de dois mil anos “a vinha é grande e os trabalhadores são poucos”. Poderemos acrescentar hoje que esses trabalhadores do Senhor são muito para lá de poucos e já se contam quase pelos dedos.
Mas a vinha continua grande.
Foram as circunstâncias que obrigaram a redesenhar o mapa dos acontecimentos e tentando manter vivas as comunidades cristãs dentro dos curtíssimos limites do possível, a habitual missa de domingo na paróquia de Nossa Senhora do Carmo da Beirã teve de passar para a subcategoria de missa vespertina a ser celebrada desde então todos os sábados às seis da tarde.
Foi o melhor que se conseguiu, temos de aceitar e dar graças a Deus por haver conseguido providenciar um novo Pastor para guiar dentro dos seus outros inúmeros afazeres o cada vez mais reduzido rebanho cristão desta paróquia da Beirã.
Esse Pastor é o Reverendo Padre Marcelino Marques. Conhecemo-nos em Nisa. Ele a iniciar o seu ministério sacerdotal, eu comandante do posto daquela bonita vila. Curiosamente tivemos algum protagonismo pessoal, cada um a tentar cumprir as suas funções, ou, como o povo diz, cada um a querer puxar a brasa à sua sardinha. Demo-nos cordialmente, resolvemos o que havia para resolver e cada um seguiu o seu percurso de vida.
Pese embora a minha saúde ultimamente não tenha ajudado, continuo a colaborar com ele em tudo o que posso e sei, conforme colaborei com o Rev. Padre Emílio desde 1992, depois a seguir com os Rev.ºs Padres Luís e Tarcísio que em janeiro de 1999 me pediram para fazer a contabilidade da paróquia, tendo sido mandatado oficialmente só em 2003 para o Conselho Económico Paroquial pelo senhor D. Antonino, Bispo de Portalegre e Castelo Branco e sucessivamente renomeado até hoje, 25 anos depois.
Tenho guardados em suporte informático mas também em papel todos os processos que justificam escrupulosamente cada cêntimo de receita, cada cêntimo de despesa, semanais, mensais e anuais. A contabilidade da igreja, das obras de restauro e conservação realizadas, dos donativos, da instalação do relógio e automatização dos sinos, da colocação das luzes LED, das despesas com vencimentos dos sacerdotes e todas as outras.
Ao pormenor, limpinhas, fáceis de entender. Tudo pronto a entregar a quem de direito. E mais. Este cargo no CEP da Paróquia da Beirã está, como sempre esteve, disponível todos os dias e a todas as horas, ao completo dispor de quem me escolheu e nomeou, prontíssimo a entregar a quem se ofereça para me substituir. É só chegar-se à frente porque quem o quiser será muito bem-vindo.
Mas disponha-se também a ser criticado e censurado quando não estiver por perto para poder defender-se. Palavras de reconhecimento ou agradecimento nunca as ouvirá. Indiferente a tudo isso tenho cumprido as minhas obrigações com lealdade, dedicação e empenho.
Nunca cobrei um cêntimo sequer por nada do que fiz. Ofereço desde 1999 gratuitamente os meus serviços e tempo, o meu computador, tinteiros e resmas de papel da impressora, o combustível do automóvel nas deslocações ao banco e às reuniões a Portalegre, a São Tiago, a Mem Soares, a Nisa, a Castelo de Vide, a Marvão e a muitas outras localidades onde os párocos me solicitavam que fosse. Quase sempre sozinho, ou, quando muito, acompanhado apenas e só pela minha esposa.
É mais que verdade que ninguém na sua terra consegue ser profeta. Muitas vezes me senti triste e desmotivado. Muitas vezes também me apeteceu mandar tudo às malvas e até ir embora daqui. Mas a excelente ajuda e a sempre reiterada confiança dos párocos, excelentes guias espirituais e amigos, aliada à minha forte convicção de Missão e Serviço à Comunidade, conseguiram superar sempre a vontade de desistir.
Ajuda-me muito, ao chegar a casa desmotivado, ligar o computador para procurar e reler um poema que foi encontrado na parede de um dos dormitórios para crianças judias no campo de extermínio nazi de Auschwitz:
“Amanhã fico triste… Amanhã! Hoje não… Hoje fico alegre! E todos os dias, por mais amargos que sejam, eu direi sempre: Amanhã fico triste, hoje não”.
José Coelho - Histórias do Cota (Excerto)