Quando julgamos que sabemos tudo pelo muito que já vivemos e aprendemos, vem a vida e mostra que tem sempre muito mais para nos ensinar. Depois de tantos anos de trabalho e luta uma vida inteira porque iniciei aos onze a “servir” como assalariado justo ao mês por cento e cinquenta escudos no dia imediatamente a seguir ao Exame da 4ª classe do Ensino Primário, que, para a malta do pé descalço a que eu pertencia era o doutoramento para o resto da vida; depois de ainda mais sessenta anos de aprendizagem constante eivados de peripécias nem sempre de boa memória, pensava eu que nada mais iria perturbar o sossego do meu normal envelhecer.
Enganei-me.
Não vou enumerar dificuldades
obviamente porque são passado e o que conta é o hoje, com esperança no amanhã, e sei, sem sombra de dúvida, que sou um Cota prudente quanto baste para não ser
surpreendido pelas chatices que a falta de cuidado tantas vezes provoca. Levo
uma vida bastante tranquila, recatada e muito ao meu jeito, principalmente
dedicada à família, ao lar e às coisas que gosto de fazer. E tenho sido maioritariamente
feliz. Cuido da horta de inverno porque no verão só tenho água da rede pública,
e do resto, o ano inteiro. Tenho alguns compromissos no serviço à comunidade
fazendo parte dos órgãos sociais de uma instituição de apoio á terceira idade desde
2011, da CPCJ concelhia há três anos, do CEP desde 1999 e mais recentemente
também da Assembleia da “minha” Freguesia, com muito gosto e empenho.
Mas…
Tem de haver sempre um mas…
No dia 31 de outubro passado,
aprestei-me a ir apanhar dois baldes de azeitonas cordovis para adoçar em
salmoura que me haviam sido oferecidas pelo seu dono e amigo de toda a vida. E
lá fui, feliz e contente. O monte onde se situa o olival tem cães de guarda e
um deles não gosta nada de gente estranha. O dono tinha avisado e por isso
esperei que o fosse prender antes de me aproximar. Quando me pareceu que já
devia poder avançar e sem esperar que me dissessem “já podes vir” avancei. Erro
crasso. O animal ia à frente do dono preso a uma sólida corrente, mas
apercebendo-se da minha proximidade fintou-o e avançou para mim mas sem
conseguir alcançar-me ou tocar-me.
Instintivamente recuei no
inclinado acesso à propriedade alcatroado e cheio de areia solta onde me
escorregaram subitamente os dois pés ao mesmo tempo e caí desamparado de costas
com todo o meu peso e força. Senti um estalar sinistro e a dor foi tão intensa
que me faltou o ar. Porém, habituado a outras quedas menos aparatosas, mas ainda
mais dolorosas por terem sido causadas pela maldade humana, logo tentei
recompor-me, levantei-me, peguei nos dois baldes e fui mesmo enchê-los como
estava programado antes de voltar para casa. Só ao ver as azeitonas cheias de
sangue vi que a pele da palma das mãos e de um cotovelo tinha ficado agarrada
ao alcatrão, mas nem isso me demoveu porque, entretanto, a tal dor violenta
provocada pela queda tinha abrandado e pensei que seria passageira.
Acondicionei as azeitonas no
pote, fui tomar um duche, curei as feridas das mãos e cotovelo com ajuda da
minha enfermeira particular e fomos almoçar. Com o decorrer das horas e à
medida que ia arrefecendo o corpo, a tal dor apresentou-se de novo e foi
ficando cada vez mais intensa e agressiva. Nessa noite não preguei olho.
Adalgur, Brufen, nada acalmava aquilo. Tive de recorrer à médica de família que
de imediato me encaminhou para o SU da ULSNA em Portalegre por suspeita de
fratura lombar. Submetido imediatamente ao RX foi de facto detetada uma lesão
na vértebra L1, mas enviado para casa pelo Ortopedista de serviço na urgência
do hospital apenas com uma caixa de Randutil 90 para as dores. Foram noites
consecutivas sem conseguir mexer-me na cama e muito menos dormir. Sentia-me
mais confortável de pé do que deitado fosse de que maneira fosse. Mais
desanimado já do que é costume, recorri à Ortopedia do Hospital Lusíadas onde
de facto se cuida bem da nossa saúde e bem-estar.
O imediato RX a que fui submetido
seguido de uma ressonância magnética para melhor esclarecimento da lesão
revelou uma fratura grave da vértebra D12 com edema inflamatório e não da L1
diagnosticada em Portalegre. Profundamente surpreendido pelo comportamento do
colega, o Dr Ortopedista do Lusíadas disse que me deveria ter sido mandado
colocar imediatamente uma cinta para imobilizar a coluna e fazer novo RX oito
dias depois para esclarecer melhor a gravidade e localização da lesão porque se
a coisa se agrava o paciente sujeita-se a ir parar a uma cadeira de rodas.
E lá ando desde então.
Opero, não opero, diz o Dr que
com uns parafusos e/ou cimento ósseo isto ficava melhor, mas eu contraponho que
se não tiver obrigatoriamente de ser, prefiro ter algumas dores mas não se mexer mais, porque antevejo um vai e vem constante de e para o hospital, semanas e meses de
recuperação e fisioterapias. Desse modo e perante a minha manifesta oposição à
cirurgia o Dr diz que não me irei ver livre dele e lá tenho de voltar daqui a
mais umas três ou quatro semanas. Entretanto não devo pegar no carro porque a
condução prejudica a lesão e qualquer esforço maior só com a cinta colocada no
dorso. E claro que, com tudo isto, têm-se ido alguns anéis. Mas ficam os dedos!
Esta mais não foi do que outra dura
lição que a vida me quis ensinar. Temos de assumir com humildade que os anos
passam e desgastam as nossas capacidades, por isso devemos ter o dobro do
cuidado para não nos colocarmos a jeito destes percalços que interferem e de
que maneira com a nossa qualidade de vida e merecido bem-estar. Curiosamente,
utilizo para com todas as pessoas de quem gosto um termo muito meu que é, ao
despedir-me delas diariamente, recomendar-lhes:
- Cuidem-se!
Agora dir-me-ão vocês a mim que…
- Bem prega Frei Tomás! Olha para
o que ele diz, não olhes para o que ele faz…
Tenham um excelente fim de tarde,
Família & Amizades.
José Coelho