domingo, 30 de outubro de 2022

Família, lar, aconchego

Foto Maria Coelho


Está a lareira da Toca dos Coelhos já à espera dos sólidos madeiros de azinho que irão amenizar o ambiente e tornar acolhedores os nossos dias e serões do inverno, porque, urrando como animais enfurecidos, os ventos agrestes e gelados costumam atirar-se desalmadamente contra as altas paredes da casa parecendo querer derrubá-las a sibilarem como víboras por frestas invisíveis aos nossos olhos mas que eles conseguem sempre achar nas portas e janelas por mais bem calafetadas que sejam.
Neste último domingo de Outubro a aproximar-se do fim, como em todos os outros domingos do ano, seria cá em casa dia de almoço em família, pois quase desde que me conheço esse foi sempre o dia da nossa fraterna união.
Em tempos ainda não muito distantes a grande mesa da nossa sala de jantar ficava tão rodeada de gente que as suas oito cadeiras nunca eram suficientes e tínhamos de acrescentar os lugares para o dobro e às vezes mais.
Como era salutar e reconfortante esse valioso convívio com todos os entes queridos.
Ainda assim e mesmo sendo já muito menos os comensais, um domingo sem ter família cá em casa, nem parece domingo. Tento, a todo o custo, não deixar extinguir a velha tradição que herdei do Senhor meu Pai de tão grata memória, a quem nada dava mais felicidade e alegria do que ter à sua volta o filho e as filhas, a nora e os genros, as netas e os netos e demais família, ainda que as suas posses fossem modestas e o rancho não fosse, porque não podia mesmo ser, muito diferente do que era nos restantes dias da semana.
Importante, porém, muito mais do que qualquer iguaria que se pusesse nos pratos para se comer, era mesmo o facto de estarmos juntos, amigos e felizes. Tudo o resto, com toda a certeza, estava sempre bom e era mais do que o suficiente. Foi nessa escola de valores e tão benéfica simplicidade que aprendi a dar mais apreço ao amor fraterno do que a qualquer outro bem material.
Foi também em razão desse implícito exemplo paterno que formei no meu espírito a certeza da importância vital que a união familiar pode ter na moldagem do carácter dos nossos filhos e netos, assim como na transmissão aos mesmos desses imprescindíveis valores e princípios fundamentais.
Porque, naturalmente, quem aprende a amar e a respeitar os seus, aprende também sem dificuldade a amar e a respeitar os outros.
Sei que é uma batalha em vias de extinção porque no atual conceito da vida em sociedade e para conseguirem fazer face às inúmeras despesas do dia-a-dia, os pais têm de trabalhar os dois. E isso veio alterar por completo os velhos preceitos da vivência familiar.
As crianças que antes eram criadas apenas na intimidade e conforto do seio familiar pelos pais e quase sempre também com a preciosa ajuda dos avós, são atualmente entregues aos cuidados de instituições públicas que têm pessoal devidamente qualificado para as acolher e delas cuidar desde muito tenra idade, mas, a meu ver, pouco ou nada têm de comum com o ancestral colinho dos pais e avós.
Inevitavelmente os mesmos motivos que levam à separação prematura de filhos e pais estendem-se depois aos avós que não podem já também contar com qualquer apoio dos filhos no limiar das suas vidas e têm de terminar os seus dias em instituições - infelizmente nem sempre qualificadas - que deles tratam mas são também completamente diferentes do normal ambiente familiar.
É o que temos e há que aceitá-lo, concordemos ou não.
Ainda assim, enquanto eu puder, irei tentar manter aquilo que aprendi a esse respeito e tanto me enriqueceu com incontáveis momentos da mais genuína felicidade, rodeado quase sempre por todos aqueles que incondicionalmente amei mas já partiram, que amo porque ainda os tenho e vou continuar a amar até ao último dia da minha vida.
Tenham, se puderem um excelente resto de domingo.

30.10.2022