segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Coisas qu'escrevi

 Por do sol por detrás do Monte da Broca
Foto José Coelho

Desassossego

Saio, é tardinha, vou caminhando e vejo,
coberto de silvas e giestas, o montado
e a brisa morna do meu Norte Alentejo,
traz no seu ventre um leve balir de gado.

Subo a um cerro e sento-me no seu cume,
rodeado de paisagem e imponência,
estala o restolho como lenha a arder no lume,
e à minha volta só o abandono é evidência.

Eu inda cá moro, mas muitos já se foram,
Beirã amada esculpida no cancho agreste,
lembrada és sempre por quantos te adoram,
estranho feitiço que em nós sempre exerceste.

Espreita ao longe, de Castela a serrania,
por fundas margens serpenteia o Sever,
rumando à raia envelhece a férrea via,
progresso d'ontem que hoje deixou de ser.

Se o ribombar deste silêncio dói no ouvido,
o abandono e a solidão esmagam o peito,
o piar do velho mocho parece mais um gemido
e até o rouxinol, do seu trinar mudou o jeito.

Fontes secaram com os estios e maus cuidados,
matagais encheram as hortas, pomares e olivais,
e os alcatruzes das noras, jazendo enferrujados
miram-nos tristes por já não regarem mais.

Que progresso foi este que matou,
tudo o que na minha terra era vida?
Pouco nos trouxe, pouco nos fez, mas deixou,
o silêncio, o abandono e tanta ilusão destruída.

José Coelho – Outubro 2016