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A rolita que era tão bonita...
Adoro
animais. Sempre adorei. Talvez porque os meus pais sempre tiveram cães,
gatos, galinhas, enfim, a bicharada dita doméstica. Gosto tanto de todos eles
que não consigo sequer matar uma galinha ou um coelho manso para consumo de casa. Acabei com o galinheiro, o pombal e os coelhos porque me afeiçoava aos
bichos e depois era um problema para os abater. Tive que me deixar disso e
comprá-los no talho porque assim já não tenho que passar por esses sarilhos.
Vem
mesmo a propósito de mais uma das minhas historias de gaiato. Aconteceu nas
férias escolares que em criança ia às vezes passar com os meus primos em
Espanha. Ainda hoje, quando um desses meus primos, o Raimundo, vem das
Astúrias onde vive com a sua mulher e os seus três filhos visitar-me, se ri com gosto e fala naquela divertida peripécia.
Mas
é melhor começar pelo princípio, não?
Pois
bem...
Os
meus pais viveram três anos no Monte das Amendoeiras, uma Casa Agrícola junto
ao rio Sever, onde exploraram “de meias” com o lavrador e proprietário, uma
várzea de vários hectares, no plantio e colheita de pimentos morrones, mas não
só, ao quais eram destinados, alguns deles à indústria de conservas de Santo
António das Areias para produção de pickles ou de massa de pimentão, enquanto
os outros iam para a secagem em estufas a lenha chamadas de “secadeiros”, sendo
posteriormente moídos nas duas fábricas da Herdade do Pereiro e transformados
no famoso pimentão “Flor do Pereiro” de que muita gente por aqui ainda se
recordará.
As
Amendoeiras eram de um senhor que já faleceu e que cedia a moradia de todos
nós, o terreno, as plantas e os fertilizantes assim como a água do regadio, enquanto os meus pais e dois dos
meus tios, a Maria José (a tal que me deu colo quando me picou o lacrau) com o
marido Joaquim (irmão da minha mãe) e ainda o primo Raimundo espanhol
que fora contratado pelo meu pai, faziam tudo o resto. Lavravam, semeavam, plantavam,
regavam, sachavam, colhiam e carregavam toneladas e toneladas de pimentos que
iam sendo transportados diariamente na carroça do lavrador para as referidas indústrias da Firma Nunes Sequeira.
Eu
devia ter uns 8/9 anitos. Todos os dias tinha que calcorrear a pé os cerca de 7
quilómetros pela manhã para vir à escola na Beirã acompanhado pela minha irmã
Adelina, e à tarde, depois da escola, outros tantos no regresso às Amendoeiras.
Umas vezes debaixo de chuva, outras vezes debaixo de sol, mas não morri, e cá
estamos até hoje, eu e a minha mana mais velha, para vos podermos contar as nossas
aventuras.
Do outro lado do rio, era (e ainda é) a Espanha.
E na “Finca de las Gagas”, algo lonjita das Amendoeiras junto ao rio Alburrel,
vivia com a sua família o meu tio Joaquin Lorenzo, um dos irmãos do meu avô e que era cabreiro de um rebanho de “centenares” de cabras, como ele
dizia. Tinha quatro filhos. A mais velha a Maria, seguida do Raimundo, e mais
dois rapazotes um pouco mais velhos do que eu. O Joaquin e o Antonio com quem eu me dava muito bem e por isso ia
para lá passar as férias escolares sempre que me deixavam.
Lembro-me
como se fosse hoje daquele socho enorme coberto de piornos e xaras que fazia de
cozinha e de sala de jantar onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de
cabra, uma perfeita delícia. E do outro socho mais pequeno onde dormíamos. Felicidade
das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais
amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Uma cegonha
que se chamava Adriana. Um corvo que se chamava Vicente. Um mocho que se
chamava Carrilho. Não sei quantos gatos e cães. Rolas bravas. Cabras e cabritos.
Era um paraíso para mim, tudo aquilo.
E
foi quando me preparava para regressar a casa no fim de umas dessas férias que
o meu tio Joaquin - que Deus o tenha - por ver que eu tinha tanto afeto à bicharada, foi
buscar uma rolita nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:
- Toma! Lleva-la contigo e toma-te cuenta della...
Louco
de felicidade, agarrei a pobrezita e apertei-a contra o peito dando pulos de
alegria. Em seguida fui ter com o meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me
para me acompanhar no regresso a casa e mostrei-lhe o presente adorado exclamando
no meu portunhol de aprendiz:
- Mira, mira, la rolita que tu padre me dió, que bonita...
Qual
não foi o meu espanto quando a cabeça da rola tombou inerte. Estava morta. De
tanta alegria e felicidade que senti, apertei com tanto carinho e tanta força a pobre
ave que a sufoquei. Escusado seria dizer-vos que passei todo o caminho das Gagas até às
Amendoeiras a chorar desconsolado enquanto o Raimundo se ria a bandeiras
despregadas e repetia olhando-me divertidíssimo:
-
Oooohhh! Mira, mira, la rolita tan bonita…
E
ria, ria, como um desalmado. Ainda este ano em Agosto veio de novo visitar-me como faz regularmente todos os anos há muitos anos, e voltou a falar disso com
o riso do costume:
- Pobrecita la rolita Josémanué...
É caso para dizer, como diz o ditado:
Tanto
bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos!
Assim
aconteceu comigo...
José
Coelho in Histórias do Cota