domingo, 30 de outubro de 2016

Coisas minhas... (das tais)

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A rolita que era tão bonita...


Adoro animais. Sempre adorei. Talvez porque os meus pais sempre tiveram cães, gatos, galinhas, enfim, a bicharada dita doméstica. Gosto tanto de todos eles que não consigo sequer matar uma galinha ou um coelho manso para consumo de casa. Acabei com o galinheiro, o pombal e os coelhos porque me afeiçoava aos bichos e depois era um problema para os abater. Tive que me deixar disso e comprá-los no talho porque assim já não tenho que passar por esses sarilhos.

Vem mesmo a propósito de mais uma das minhas historias de gaiato. Aconteceu nas férias escolares que em criança ia às vezes passar com os meus primos em Espanha. Ainda hoje, quando um desses meus primos, o Raimundo, vem das Astúrias onde vive com a sua mulher e os seus três filhos visitar-me, se ri com gosto e fala naquela divertida peripécia.

Mas é melhor começar pelo princípio, não?

Pois bem...

Os meus pais viveram três anos no Monte das Amendoeiras, uma Casa Agrícola junto ao rio Sever, onde exploraram “de meias” com o lavrador e proprietário, uma várzea de vários hectares, no plantio e colheita de pimentos morrones, mas não só, ao quais eram destinados, alguns deles à indústria de conservas de Santo António das Areias para produção de pickles ou de massa de pimentão, enquanto os outros iam para a secagem em estufas a lenha chamadas de “secadeiros”, sendo posteriormente moídos nas duas fábricas da Herdade do Pereiro e transformados no famoso pimentão “Flor do Pereiro” de que muita gente por aqui ainda se recordará.

As Amendoeiras eram de um senhor que já faleceu e que cedia a moradia de todos nós, o terreno, as plantas e os fertilizantes assim como a água do regadio, enquanto os meus pais e dois dos meus tios, a Maria José (a tal que me deu colo quando me picou o lacrau) com o marido Joaquim (irmão da minha mãe) e ainda o primo Raimundo espanhol que fora contratado pelo meu pai, faziam tudo o resto. Lavravam, semeavam, plantavam, regavam, sachavam, colhiam e carregavam toneladas e toneladas de pimentos que iam sendo transportados diariamente na carroça do lavrador para as referidas indústrias da Firma Nunes Sequeira.

Eu devia ter uns 8/9 anitos. Todos os dias tinha que calcorrear a pé os cerca de 7 quilómetros pela manhã para vir à escola na Beirã acompanhado pela minha irmã Adelina, e à tarde, depois da escola, outros tantos no regresso às Amendoeiras. Umas vezes debaixo de chuva, outras vezes debaixo de sol, mas não morri, e cá estamos até hoje, eu e a minha mana mais velha, para vos podermos contar as nossas aventuras.

Do outro lado do rio, era (e ainda é)  a Espanha. E na “Finca de las Gagas”, algo lonjita das Amendoeiras junto ao rio Alburrel, vivia com a sua família o meu tio Joaquin Lorenzo, um dos irmãos do meu avô e que era cabreiro de um rebanho de “centenares” de cabras, como ele dizia. Tinha quatro filhos. A mais velha a Maria, seguida do Raimundo, e mais dois rapazotes um pouco mais velhos do que eu. O Joaquin e o Antonio com quem eu me dava muito bem e por isso ia para lá passar as férias escolares sempre que me deixavam.

Lembro-me como se fosse hoje daquele socho enorme coberto de piornos e xaras que fazia de cozinha e de sala de jantar onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de cabra, uma perfeita delícia. E do outro socho mais pequeno onde dormíamos. Felicidade das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Uma cegonha que se chamava Adriana. Um corvo que se chamava Vicente. Um mocho que se chamava Carrilho. Não sei quantos gatos e cães. Rolas bravas. Cabras e cabritos. Era um paraíso para mim, tudo aquilo.

E foi quando me preparava para regressar a casa no fim de umas dessas férias que o meu tio Joaquin - que Deus o tenha - por ver que eu tinha tanto afeto à bicharada, foi buscar uma rolita nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:

 - Toma! Lleva-la contigo e toma-te cuenta della...

Louco de felicidade, agarrei a pobrezita e apertei-a contra o peito dando pulos de alegria. Em seguida fui ter com o meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me para me acompanhar no regresso a casa e mostrei-lhe o presente adorado exclamando no meu portunhol de aprendiz:

 - Mira, mira, la rolita que tu padre me dió, que bonita...

Qual não foi o meu espanto quando a cabeça da rola tombou inerte. Estava morta. De tanta alegria e felicidade que senti, apertei com tanto carinho e tanta força a pobre ave que a sufoquei. Escusado seria dizer-vos que passei todo o caminho das  Gagas até às Amendoeiras a chorar desconsolado enquanto o Raimundo se ria a bandeiras despregadas e repetia olhando-me divertidíssimo:

- Oooohhh! Mira, mira, la rolita tan bonita…

E ria, ria, como um desalmado. Ainda este ano em Agosto veio de novo visitar-me como faz regularmente todos os anos há muitos anos, e voltou a falar disso com o riso do costume: 

- Pobrecita la rolita Josémanué...

É caso para dizer, como diz o ditado:

Tanto bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos!

Assim aconteceu comigo...


José Coelho in Histórias do Cota

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Bom fim de semana...


E não se esqueçam de atrasar em 1 hora os vossos relógios
na noite do próximo sábado para domingo, 29/30Out...

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Coisas que mexem (muito) comigo...

Foto by José Coelho

"Origens

No dia 27 de Junho de 2004, em cerimónia pública, foram apresentados os símbolos heráldicos da freguesia da Beirã. Três elementos gráficos pretendem definir três momentos marcantes na vida desta jovem freguesia: uma anta, uma locomotiva e uma “fonte”.

Na verdade, se a formação desta freguesia conta apenas com sessenta anos de idade, e o aglomerado urbano nos finais do século XIX se resumia apenas a “quatro casinholas”, como nos diz A. Magalhães, já o seu território é o que apresenta maior concentração e diversidade de sítios arqueológicos de todo o concelho de Marvão. Quando um dia se promover uma carta arqueológica deste concelho rapidamente nos aperceberemos como a freguesia da Beirã aparecerá enxameada de arqueossítios de todas as épocas e períodos. A principal razão para esta continuada ocupação histórica e, sobretudo pré-histórica, prende-se com a envolvência do Rio Sever e dos múltiplos pequenos regatos seus subsidiários que drenam a paisagem multifacetada que constitui a freguesia da Beirã. Água em abundância, diversidade de solos e diferentes substratos geológicos criaram as condições necessárias para que desde épocas muito recuadas o homem procurasse estas paragens.

Nas cascalheiras, junto ao Sever, conhecem-se vestígios de vários acampamentos do Paleolítico, nas encostas suaves, sobretudo junto a estreitos vales férteis, as primeiras comunidades agro-pastorís, durante o Neolítico, aqui construíram os seus frágeis povoados e aqui tumularam os seus mortos em “eternas” antas.

Vinte e dois dólmenes conseguiram sobreviver mais de cinco mil anos nas terras desta pequena freguesia, indiciando um muito denso povoamento entre o 3.º e o 4.º milénio antes de Cristo. Com a descoberta e desenvolvimento da metalurgia o fulgor da freguesia da Beirã manteve-se, e até terá aumentado, atendendo ao número e dimensão dos vários locais com vestígios de ocupação atribuídos a esses tempos. Pelo menos dois destes povoados, Vidais e Corregedor, mantiveram ocupação até à chegada do domínio Romano.

Com a consolidação da cosmopolita cidade romana de Ammaia, as férteis terras da freguesia da Beirã foram exploradas até à exaustão para saciar as mesas dos abastados romanos que viviam do outro lado do concelho de Marvão. Várias “villae”, casas agrícolas romanas, foram, há dois mil anos, instaladas nas melhores terras da freguesia da Beirã. No Garreancho, no Vale do Cano, na Torre do Azinhal, nos Pombais, na Retorta e nas Amoreiras grandes casas agrícolas romanas foram construídas, para além de pequenos casais, igualmente agrícolas, dos quais há vestígios por toda a freguesia.

Com o fim do Império Romano e morte da Ammaia as terras da freguesia da Beirã assistem a uma nova reorganização económica e social. Pequenos aglomerados urbanos, assentes numa economia muito fechada começam a constituir-se para albergar as gentes que, anteriormente, dependiam da fausta Ammaia. Dos vários povoados desta época conhecidos nesta freguesia merecem destaque o do Monte Velho, o do Pereiro Velho, o da Broca e o do Vale do Cano. É, contudo, o do Monte Velho, porque é o único que foi parcialmente escavado na década de quarenta do século XX, que melhor se conhece. Recorde-se que foi neste habitat que se recolheu uma telha, hoje desaparecida, onde, em “latim bárbaro” se podia ler “aqui esteja a paz, aqui esteja Cristo”. Felizmente a sua transcrição foi preservada numa laje de granito que decora a fachada de uma das casas da Rua do Castelo, em Marvão. Estes habitats foram sobrevivendo durante o conturbado período da denominada “Reconquista Cristã” e nalguns, testemunhados por reconstruções múltiplas, a ocupação humana chegou até aos nossos tempos.

De entre os sítios com maior carga simbólica desta freguesia é, sem dúvida, o Penedo da Rainha. Formação granítica com singular recorte fálico, não passou despercebido aos homens do Neolítico e Calcolítico, atendendo às cerâmicas muito roladas que ainda ocorrem no pequeno abrigo que junto a ele se abre. Também em Novembro de 1518, à sombra deste imponente penedo terá descansado a terceira mulher do Rei D. Manuel I, a Rainha Dona Leonor de Áustria, irmã do Imperador Carlos V, donde lhe sobreveio o nome por que hoje é conhecido, Penedo da Rainha. Pena é que este imponente bloco granítico, cheio de história e tradição, merecedor de constar na representação heráldica da Beirã, se encontre tão esquecido e abandonado. Testemunho que foi de um dos episódios mais deslumbrantes, alguma vez ocorridos neste concelho, a paragem do séquito real que acompanhava a entrada da Rainha Dona Leonor em terras de Portugal, adormece negligenciado junto de uma das casas mais antigas da Beirã.

Um outro dos locais desta freguesia que, pelo menos desde o Neolítico, foi continuamente procurado é a denominada “Fonte da Maria Viegas”, também conhecida por Fadagosa onde, nos primeiros anos do século XX foi construído o luxuoso complexo termalístico, hoje, também ele, totalmente esquecido e abandonado.

Mas a história desta freguesia viria a ser marcada de forma indelével com a construção do denominado “Ramal Ferroviário de Cáceres” e a consequente instalação da Estação dos Caminhos-de-ferro. Enquanto em Portugal, mais uma vez, se discutia o melhor traçado para a ligação ferroviária a Espanha, os nossos vizinhos, pragmaticamente, assentavam os carris em direcção a Valência de Alcântara para escoamento do fosfato que nos finais do século XIX se explorava, em grande quantidade, nesta zona da Extremadura espanhola. Para o concelho de Marvão e especialmente para a Beirã o pragmatismo do governo liberal espanhol foi fundamental para o seu desenvolvimento. Com a colaboração do Eng. D. João da Câmara foi, então, gizado o traçado da linha, passando pela Beirã, apesar dos muitos protestos das gentes da rica freguesia de S. Salvador da Aramenha. Provavelmente, não fora o traçado pela Beirã e não teríamos hoje a notável peça teatral de os “Velhos” e as figuras do velho Patacas, da Emilinha e do mestre-escola Porfírio.

Cumpriram-se em Maio, deste ano, cento e vinte anos da abertura do Ramal de Cáceres à circulação normal de comboios. Podemos dizer que se cumpriu nesse passado mês mais um aniversário do nascimento da povoação da Beirã. Com a passagem de comboios, veio a estação, e com ela vieram a alfândega, os despachantes, a Guarda Fiscal, a PIDE, os ferroviários, o comércio, as habitações, o Clube, o Teatro e a Família Vivas. Ficará, seguramente para a história desta terra a fixação nesta aldeia do espanhol de Valência de Alcântara, Manuel Vivas Pacheco. Seu filho, Manuel Berenguel Vivas, figura polémica, manteve o ritmo empreendedor de seu pai e marcou de forma indelével a economia e a sociabilidade desta aldeia. A ele se ficou a dever a construção da Igreja de invocação de Nossa Senhora do Carmo, benzida a 16 de Julho de 1944 e para qual foram transladados os restos mortais de Manuel Vivas Pacheco e de sua mulher Carmen Berenguel L’Hospitaux. A invocação desta Igreja a Nossa Senhora do Carmo ficou a dever-se à forte devoção que Carmen L’Hospitaux dedicava ao seu culto. Sabemos, contudo, que anteriormente, na Beirã, pelo menos em 1916, teria existido uma outra capela na qual ocasionalmente era celebrada missa. A religiosidade da Família Vivas ficou, igualmente, bem marcada através do esforço e dedicação de Manuel B. Vivas na instalação da congregação religiosa que, ainda hoje, ocupa o Convento de Nossa Senhora da Estrela de Marvão e nas múltiplas capelas que mandou construir por todo o concelho, valendo-lhe o epíteto, enquanto Presidente da Câmara, de “O Capelista”, em contraponto a outros autarcas, que pela Câmara de Marvão passaram, cognominados, popularmente, de “ O Estradista” e “ O Fontista”.

Mas a História da Beirã, sobretudo durante a Segunda Grande Guerra, ficou marcada por episódios interessantíssimos relacionados, essencialmente, com o volfrâmio e com o controlo da exportação de produtos para a Alemanha Nazi, provenientes de um país que se dizia neutro. Mas estas histórias ficarão para outra altura…

Com a abolição das fronteiras os comboios já não param na Beirã, aqui passando a grande velocidade e, ao mesmo ritmo, esta aldeia viu partir a Alfândega, a Guarda Fiscal e os ferroviários. A Beirã está, lentamente, a definhar. Será que a sua longa história lhe poderá ser útil? Assim saibamos tirar partido de um vasto e riquíssimo património que esquecido adormece por entre “canchos” e “balceirões”.


Jorge de Oliveira"
in  http://www.cm-marvao.pt/pt/beira/origens


Notas: 

Este elucidativo e extraordinário texto do Exmº Professor Doutor Jorge Oliveira está já em parte desactualizado porquanto o Ramal de Cáceres foi definitivamente encerrado ao tráfego ferroviário em 15-8-2012, assim como as religiosas da Congregação das Filhas de Maria Mãe da Igreja partiram definitivamente da Santa Casa de Marvão, conforme notícias que se anexam:

1 - Ramal de Cáceres irá encerrar a 15 de agosto de 2012

A Refer vai encerrar o Ramal de Cáceres (Torre das Vargens / Marvão-Beirã) à exploração ferroviária a partir do próximo dia 15 de agosto, dando assim seguimento a uma das medidas previstas no PET – Plano Estratégico de Transportes. Segundo a gestora da infraestrutura ferroviária “em consequência, a partir desta data, o comboio internacional Lusitânia passará a circular, em itinerário alternativo, pela Linha da Beira Alta”. O comboio-hotel Lusitânia, que faz a ligação entre Lisboa e Madrid, era o único serviço ferroviário a circular no Ramal de Cáceres, uma vez que a CP suspendeu o serviço regional de passageiros em fevereiro de 2011. Este ramal, inaugurado em 1880, faz a ligação entre a estação de Torre das Vargens, na Linha do Leste, com a fronteira espanhola na estação de Marvão-Beirã, numa distância total de 81,5Km.
(Resta acrescentar que este encerramento teve como consequência imediata a quase desertificação da aldeia onde as casas desabitadas se contam já às dezenas em quase todas as ruas).

2 - Também as Religiosas da Santa Casa da Misericórdia de Marvão pertencentes à Congregação das Filhas de Maria Mãe da Igreja deixaram definitivamente aquela nobre instituição conforme pode ler-se em nota da Diocese de Portalegre/Castelo Branco, que se anexa:


Sessenta e oito anos depois de terem chegado a Marvão, as Irmãs Filhas de Maria Mãe da Igreja despediram-se da nossa Diocese de Portalegre-Castelo Branco. No dia 11 deste mês de Setembro, teve lugar uma festa homenagem de despedida na Santa Casa da Misericórdia de Marvão, com Eucaristia de Ação de Graças e almoço convívio, de âmbito familiar, com os utentes e os corpos administrativos e colaboradores atuais e passados. Estiveram presentes o Bispo Diocesano, D. Antonino Dias, o Presidente da Câmara de Marvão, alguns sacerdotes ligados à Santa Casa, a Madre Geral e o seu Conselho, que vieram de Espanha para se associarem a esta iniciativa. Na homilia, D. Antonino, convidou todos os presentes a dar graças a Deus pelo dom das Irmãs na nossa Diocese, centrou a atenção na Palavra de Deus proclamada e abordou também o problema das vocações à vida consagrada que deve ser uma preocupação de todos os cristãos com fé viva e atenta, rezando, propondo e provocando os jovens. No fim da Eucaristia foram benzidas, com a presença de todos, as novas instalações recuperadas dentro da Santa Casa e, no final, foi descerrada uma lápide no átrio da entrada, a fazer memória destes 68 anos em que as Irmãs se dedicaram a esta Casa. Durante o almoço, alguns dos presentes quiseram dar o seu testemunho sobre o louvável e dedicado trabalho das Irmãs ao longo de todos estes anos, sem deixarem de mencionar a capacidade de ultrapassar as dificuldades, a facilidade em resolver situações e a alegria com que viviam e se dedicavam a este serviço, 24 horas por dia, como consequência da sua forte fé e amor a Jesus Cristo no irmão. Como eram, por todos, consideradas família, não só dentro da Santa Casa mas também em Marvão, o ambiente era “pesado” pelo tom de despedida que o envolvia, mas ao mesmo tempo também era de alegria cristã e de solidariedade com as Irmãs que, na impossibilidade de continuarem por falta de vocações, partem com todos no coração e continuarão a trabalhar ao serviço do Reino de Deus, onde o Senhor agora as chama. O Provedor da Santa Casa, sensibilizado, agradeceu todo o trabalho desempenhado pelas Irmãs. A Madre Superiora falou do que lhe ia na alma, lembrou a caminhada das Irmãs nesta Diocese, a pena que lhes ia na alma por não poderem continuar e agradeceu a amizade do povo de Marvão e o acolhimento de toda a Diocese, pois também estiveram em Nisa e noutros lugares da Diocese. As Irmãs que estavam nesta Comunidade, depois de receberem algumas lembranças dos presentes, agradeceram, pela pessoa da Superiora, a Irmã Fátima, todo o carinho de que sempre foram alvo, partindo com a esperança de que tudo vai continuar a correr bem, pois o guia e modelo para agir é o Senhor Jesus Cristo presente em cada um e nesta Casa.
Obrigado, Irmãs. Que o Senhor vos ajude.

Nota final:

Somos pois uma parte de território português de uma beleza única e rara, com milénios de história comprovada por infindáveis vestígios arqueológicos, muitos deles com mais de cinco mil anos, e que, em apenas quarenta anos de novas políticas, entrou num processo que se adivinha irreversível de acelerada desertificação.


José Coelho,
o Beiranense  inconformado.

Nunca...


terça-feira, 25 de outubro de 2016

Coisas q'escrevi...

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A taberna da ti’Arora


Lembro-me dela, como se lá tivesse estado ontem. Era na rua da igreja como todos na Beirã sempre lhe chamámos, ou, então, por ser mais fino, Rua Vivas de sua graça. Situava-se muito perto da Estação de onde recebia o seu maior fluxo de fregueses. Ferroviários e passageiros dos comboios.

Era uma taberna pequenina com uma só divisão de 5 ou 6 metros quadrados e nela havia apenas uma mesa redonda de ferro onde os fregueses jogavam cartas; o truque, as copas ou a sueca. No vão da janela perfilavam-se duas pipas de vinho daquelas grandes e antigas em ripa de madeira, uma do branco, outra do tinto.

Tinha a toda a largura da divisão um enorme balcão, de parede a parede, em frente a uma estante de madeira cheia de prateleiras onde se alinhavam os copos – daqueles muito antigos que até a meio era só fundo – em vidro muito grosseiro, à mistura com garrafas de ginja, de anis, de abafado ou de aguardente, porque os vinhos branco e tinto eram depositados em jarros de vidro com tampas de plástico, vermelha a do tinto e verde a do branco, pousados permanentemente em cima do balcão, prontos a usar. Na parede do lado e por dentro do balcão tinha como grande modernice naquela época, uma pia de marmorite com torneira de água canalizada onde eram lavados os copos.

Atrás do balcão, sentado num banquito de madeira, era comum encontrar-se quase sempre como taberneiro ti Afonso, já que a ti’Arora, merceeira, estava sempre mais no outro lado, na divisão contígua onde tinham também uma pequena mercearia que comunicava com a taberna por uma porta interior.

Era dali, daquela mercearia, que vinha quase tudo o que comíamos em nossa casa. Arroz e açúcar avulso, massas, farinhas, banha caseira ao quilo, manteigas, azeite e vinagre também a granel, toucinho, morcelas, chouriço e farinheiras, sal ou bicarbonato, feijão, grão, sardinhas em lata ou atum.

A pronto pagamento ou fiado, porque o dinheiro nesse tempo escasseava em quase todas as bolsas. Mas nunca naquela loja se negou o avio necessário ao sustento de muitas famílias, a minha incluída, sem necessidade de fiadores e sempre com bons modos, confiando na certeza do completo ajuste de cada conta, logo que as jornas fossem recebidas pelos chefes das famílias devedoras.

E era naquela taberna que o meu pai se entretinha depois do sol-posto até à hora da janta, onde e com os seus amigos jogava cartas ou bebia o seu copito, algumas vezes até mais do que a conta.

Boa gente o ti Afonso e a ti’Arora. Quer um, quer o outro. Abriam as portas às 6 da manhã com a chegada à estação do comboio sardinheiro – assim chamado porque era nele que vinha o peixe do litoral para os peixeiros ambulantes como o ti Carlos e a ti Perpétua venderem de porta em porta pelas aldeias ou montes - e fechavam serão dentro, normalmente depois da chegada do comboio das oito da noite.

Era também a parteira da aldeia “quase diplomada” a ti A’rora. Toda a rapaziada que nasceu nas décadas de 40, 50 e 60 por estes arredores - salvo algumas normais exceções que sempre as houve - caía nas suas mãos mal deixavam o ventre materno. Por isso era “a comadre Arora de uma infinidade de mulheres – incluindo a minha mãe – pois era uso e costume assim ficarem a chamar-se, nesse tempo, as mulheres parturientes com aquelas que faziam de parteiras, na hora de trazerem os filhos ao mundo.

Estava a ti'Arora ainda também habilitada a dar injeções a quem precisava de as levar, com grande perícia e sabedoria. Não havia posto de saúde permanente na Beirã. Vinha cá o falecido Dr. Machado uma vez por semana, esse extraordinário homem que era tudo em um porque exercia medicina geral, parteiro às vezes em partos mais complicados, e era ainda também dentista, entre outras “especialidades”. Dava consultas numa dependência da antiga sociedade recreativa preparada para esse efeito mas os tratamentos por ele prescritos eram feitos em casa de cada um e por isso lá se tinha que ir à ti Arora muitas vezes para ela dar as injeções receitadas pelo senhor doutor.

Todas estas “qualificações” que tinha eram, suponho eu, em grande parte devidas ao facto de ser uma das poucas pessoas do seu tempo e do seu extrato social que sabia ler e escrever, pois isso, parecendo que não, era uma mais-valia que lhe dava acesso a alguma formação, para além, evidentemente, do carisma, bondade e jeito muito seus, para desempenhar todas as funções descritas e que a constituíam num precioso auxílio em toda a aldeia e arredores para quem delas necessitava.

Não tenho dúvidas em afirmar que, quer pelo comércio por eles exercido, quer pela forma inexcedível como eram assim prestáveis para toda a gente, este casal e a sua casa comercial merecem fazer parte da memória coletiva da nossa Beirã pese embora ainda ninguém se tivesse dado ao trabalho de enaltecer o seu contributo.

Aqui fica então, humildemente e com muito respeito pela sua memória, esta modesta homenagem aos dois.


José Coelho in Histórias do Cota

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Escolha premeditada e falta de carácter...

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Coisas que leio...

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A árvore dos amigos


Existem pessoas nas nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples facto de terem cruzado o nosso caminho.

Algumas percorrem-na ao nosso lado vendo muitas luas passarem, mas outras apenas as vemos entre um passo e outro.  A todas elas chamamos de amigos.

Há muitos tipos de amigos. Talvez cada folha de uma árvore caracterize cada um deles. Os primeiros que nascem dos brotos é o amigo pai e a amiga mãe. Mostram o que é ter vida.

Depois vem o amigo irmão com quem dividimos o nosso espaço para que ele floresça como nós e passamos a conhecer toda a família a quem respeitamos e desejamos o bem.

Mas o destino apresenta-nos outros amigos, aqueles que não sabíamos que iriam cruzar o nosso caminho. Muitos desses são designados amigos do peito, do coração. São sinceros, são verdadeiros. Sabem quando não estamos bem, sabem o que nos faz felizes.

Às vezes, um desses amigos do peito estremece no nosso coração e então é chamado de amigo namorado. Esse dá brilho aos nossos olhos, música aos nossos lábios, pulos aos nossos pés.

Mas também há aqueles amigos por um tempo, talvez umas férias ou mesmo um dia ou uma hora. Esses costumam colocar muitos sorrisos na nossa face durante o tempo em que os temos por perto.

Falando em perto, não podemos esquecer-nos também dos amigos distantes, aqueles que ficam mais pelas pontas dos ramos mas que quando o vento sopra aparecem novamente entre uma folha e outra.

O tempo passa, o verão vai-se, o outono aproxima-se e perdemos algumas dessas nossas folhas. Algumas voltam a nascer num outro verão, outras permanecem por muitas estações.
Contudo, as que nos deixam mais felizes, são aquelas folhas que caíram mas continuam por perto para alimentarem as nossas raízes com as lembranças de momentos maravilhosos vividos enquanto cruzaram o nosso caminho.

Desejo a todos os que são folhas da minha árvore, Paz, Amor, Saúde, Sucesso, Prosperidade. Hoje e Sempre.

Porque…

Cada pessoa que passa pela nossa vida é única e deixa sempre connosco um pouco de si, levando também com ela um pouco de nós. E há os que levam muito, mas não há os que não deixam nada.

Essa é a maior responsabilidade da nossa vida. 
A prova evidente de que duas almas nunca se encontram por acaso...


Autor desconhecido

domingo, 23 de outubro de 2016

sábado, 22 de outubro de 2016

Mais... Coisas minhas.


 


Não foi um lacrau, foi um bicho...


Ainda não andava na escola, teria por isso menos de 6 anos. Consigo no entanto reconstituir perfeitamente a cena, recordar o local, o que aconteceu, e até a minha tia a trazer-me ao colo para casa. Por conseguinte, não devia ser nem muito grande ainda, nem muito pesado, pois a distância era considerável e o caminho pedregoso.

Aconteceu na tapada da Lagem Alta hoje coberta de giestas e de mato mal se vislumbrando já o chão, mas, naquele tempo, não havia pedaço de terra que não fosse cultivado por estas bandas. Por isso, aquela tapada, como todas as outras confinantes, tinha sido semeada. Nas zonas mais altas e mais quentes, de milho de massaroca para debulhar na eira. E dos dois lados da barroca, onde a terra era mais fresca, de feijão frade para venda e consumo no resto do ano.

A minha mãe, a tia Marizé Meia e a ti Ana Seco (que Deus já chamou) afadigavam-se, de sacho na mão, na monda do viçoso milho, enquanto eu, descalço, – porque as sapatilhas só se calçavam nos domingos – brincava um pouco mais acima, fora da zona semeada e pulando de uma pedra para baixo. Subia, pulava, voltava a subir e voltava a pular. De onde estava, a minha mãe ia avisando prudentemente:

- Não andes a pular nas pedras que é capaz de haver para aí “alacraus”…

Mas eu – como sempre – ignorei os avisos de quem sabia o que estava a dizer e continuei alegremente no meu pula-que-pula. Tanto pulei que, às páginas tantas… Zás… Uma aguda ferroada no dedo gordo de um pé.

Até vi estrelas…

E...

Agora nós! Comecei aos berros como um desalmado:

- Mãããeee... Ó mããããeee…

Não sei o que me assustava mais. Se aquela forte dor no dedo ou se aquela impressão esquisita de formigueiro a subir pela perna acima...

As três mulheres largaram imediatamente os sachos e correram para mim a ver o que me tinha acontecido ao mesmo tempo que exclamavam:

- Ah cabrão que já te ferrou algum “alacrau”…

Sabia lá eu o que era um alacrau ou o seu tamanho e por isso respondia-lhes aflito berrando cada vez mais alto:

- Nããããooo! Nã’foi um alacrau! Foi um bicho…

A primeira coisa que a minha mãe fez foi esgaravatar com um pau de giesta a terra toda sob a base do pedregulho e não tardou a encontrar o energúmeno que me havia ferrado o dedo. Pudera! Eu estivera a destruir-lhe minuciosamente a toca com os meus pulos e ele zangou-se! E calhou tão bem que até estava descalço, com uns apetitosos dedos mesmo à mão de semear para o furioso artrópode se vingar. Nunca mais ferrou ninguém, porque foi esmagado de seguida pelo pé da minha mãe que não sei com quem estava mais zangada. Se comigo por nunca fazer caso dos avisos dela, se com o lacrau por me ter picado.

Entretanto a ti Ana Galinhas foi-se ao cesto da merenda e à falta de outro remédio para acalmar as minhas dores assim como o inchaço no dedo, cortou uma fina fatia de toucinho cru e envolveu com ela a zona picada, atando-a em seguida com um trapo para a "mézinha" ali se manter sem cair.

De nada resultou, coitada, mas valeu a intenção! Quem já foi picado por um bichinho daqueles sabe que se seguem algumas horas de uma dor intensa e latejante com a sensação de formigueiro em redor da zona ferrada. Foi por isso um resto de dia a chorar sentado à sombra de um sobreiro e tão quieto quanto as dores  o permitiam. Como é que um bicharoco tão pequeno produz um veneno tão assanhado e que tanto dói? 

Naquele dia não havia mais nada a fazer porque a minha mãe não podia dar-se ao luxo de perder a jorna de um dia de trabalho por causa da minha estouvadice. Coitada da tia Maria José Meia que ao sol posto, quando largou por fim o sacho com que todo o santo dia sachou, ainda teve que me trazer ao colo até casa conforme me prometera várias vezes:

- Cala-te já, filho! Olha, se não chorares mais, logo levo-te ao colo para casa…

E trouxe mesmo. Já velhinha, comenta às vezes, sorrindo com a lembrança: 

- E o tal alacrau que não era um bicho? 

Sempre foi terra de muitos lacraus, a nossa. Basta levantar uma pedra aqui ou ali e lá está um ou dois deles, de ferrão em riste na ponta da cauda. Mal as noites começam a refrescar no final do verão, princípios do outono, é ouvi-los em coro no seu monótono cricar, logo que escurece: - Cri-cri! - Cri-cri! Suponho, porque não volta a ouvir-se nunca mais em todo o ano, que será a época de acasalamento e aquele seu cricar mais não será que um milenar ritual nupcial para atrair as fêmeas.

Sorrio melancolicamente algumas vezes ao ouvi-los, não pelas saudades da ferroada que levei mas porque me fazem lembrar o tempo indelével da minha feliz meninice. 

Muito mais feliz, tenho a certeza, do que a velhice que já vem chegando...


José Coelho in Histórias do Cota

* Excerto

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Bom fim de semana...

Estação da Beirã - Anos 50 - Autor desconhecido

Pode ser...

Foto by Pedro Coelho - 2015.10.10

Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,

Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.



Albert Einstein

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O pior que o outono traz...


... É este cheiro nauseabundo que invade a aldeia e parece entranhar-se até dentro das nossas casas, mal caem as primeiras chuvas. 

Lixos a arder...

Se já não há hortas, se já somos por cá tão poucos, por que raio temos que suportar a porcaria deste cheiro durante semanas, todos os anos?

Arre, porra qu'é demais!

domingo, 9 de outubro de 2016

Coisas que escrevo... (noutros sítios)

Foto by Pedro Coelho

O dia 8 de Outubro de 1926 foi aquele em que nasceste, Mãe. Terias cumprido hoje 90 anos se estivesses ainda conosco. Não pude vir aqui em todo o dia mas não podia ir dormir esta noite sem vir dar-te o meu beijinho de parabéns

Encontrei esta foto do dia 8-10-2011, aquele em que festejámos contigo o teu 85º aniversário numa almoçarada com quase toda a família mais próxima por empenho e vontade teus.

A nossa Luz não pode estar presente por motivos de força maior mas esteve com toda a certeza, do mesmo modo, no coração de quantos pudemos comparecer.

O dia em que nasceste, Mãe, será sempre para mim um dia inesquecível. Que Deus te guarde junto dele e se puderes continua a olhar por todos nós que continuamos a amar-te.

Voltarmos a encontrar-nos um dia, Mãe...

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Bom feriado, pessoal...

Imagem copiada do Facebook

Coisas que escrevo...



Coincidências. Ou talvez não…


Naquele fim de manhã encontrava-me numa das salas de espera do hospital de Portalegre a acompanhar a minha mulher que tinha partido um joelho há algumas semanas e nesse dia iam retirar-lhe o gesso. Sentia-me triste, acabrunhado, receoso, desanimado, infeliz, um pouco desiludido até, em virtude do acidente doméstico que a aleijara gravemente e eu achava que ela não merecia ter sofrido. Bem se diz que quanto melhores são as pessoas, menos sorte têm. Uma rótula esmigalhada era provavelmente uma sentença de invalidez permanente numa ainda jovem esposa, companheira, fada de um lar com três homens a desarrumá-lo, uma vida inteira pela frente.

Cogitava de mim para mim intranquilo e algo revoltado, questionando mais uma vez os desígnios do Altíssimo que nem sempre parecem ser tão justos ou entendíveis como os apregoam quando subitamente alguém escancarou  a enorme porta de vidro que dava para a rua afim de entrar com uma maca em que transportava um doente. No mesmo instante a corrente de ar produzida pela abertura da porta fez voar em várias direções alguns papeis pousados numa prateleira e aos quais aparentemente ninguém ligava importância. Um deles veio cair quase junto dos meus pés. Apanhei-o mecanicamente mais por reflexo do que por curiosidade mas logo me chamou a atenção um desenho a preto e branco do rosto de Jesus Cristo por me parecer que “aquilo” estava completamente fora de contexto naquele sítio.

Olhei por isso mesmo com mais atenção para a folha e comecei  a ler o “recado” escrito por baixo do desenho.

Dizia assim:

“Quando te levantaste hoje pela manhã, Eu já tinha preparado o sol para aquecer o teu dia e o alimento para a tua refeição. Sim, Eu preparei tudo isso; vigiei o teu sono, a tua família, a tua casa. Esperei pelo teu “bom dia” mas esqueceste-te! Bem… Parecias ter tanta pressa! Eu perdoei!...

O sol apareceu, as flores deram o seu perfume, a brisa da manhã acompanhou-te e tu nem pensaste que fui Eu que preparei tudo isso para ti. Os teus familiares sorriram-te, os teus colegas cumprimentaram-te, trabalhaste, estudaste, viajaste, realizaste negócios, alcançaste vitórias, mas não percebeste que Eu estava a cooperar contigo e mais teria feito de Me tivesses pedido. E corres tanto… Eu perdoei!...

Leste bastante, ouviste e viste muita coisa, mas não tiveste tempo para ler e ouvir a Minha Palavra: Quis falar contigo mas não paraste para me atender. Quis aconselhar-te mas nem pensaste nessa possibilidade… Se Me ouvisses, tudo seria melhor na tua vida. Mais uma vez te esqueceste de Mim… Esqueceste-te que Eu desejo a tua participação no Meu reino, com a tua vida, o teu tempo, os teus talentos! Findou o teu dia e voltaste para casa!

Mandei a lua e as estrelas tornarem a noite mais bonita para te lembrar o amor que tenho por ti! Certamente agora vais dizer-Me “obrigado” e “boa noite”! Pschiu… Estás a ouvir? Que pena… Já adormeceste! Boa noite! Dorme bem! Eu fico a velar por ti. Mas quando por fim quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura, ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda… Chamo-Me Amor e sou o Remédio para todos os males que te atormentam o espírito... Eu sou Jesus“

Acabei de ler o sugestivo "recado" já completamente invadido por um sentimento etéreo, estranho, impossível de descrever! Senti algo muito forte, uma serenidade subtil que me comoveu ao ponto de ficar com os olhos completamente aguados. Sentia-me também em simultâneo profundamente sensibilizado e incrédulo pela oportunidade daquele texto, agradecendo do fundo do coração como ele se tivesse sido escrito propositadamente para mim. Mostrei-o a seguir à minha lesionada companheira e posso garantir-vos que os dois nos sentimos naquele momento reconfortados como não nos sentíamos talvez desde o dia em que ela caíra nas escadas lá de casa e fizera em três a rótula de um dos joelhos.

Guardo comigo ainda hoje a folha de papel que o vento nos trouxe e posso mostrá-la a quem a quiser ver e ler.

Diz o povo na sua imensa sabedoria que “presunção e água benta cada um toma a que quer”. Garanto-vos que nós acreditámos sinceramente que foi uma forma transcendente de conforto divino naquele que estava a ser um momento bastante problemático para os dois. Tenho lido e acredito que os desígnios de Deus são insondáveis e se revelam sempre das formas mais subtis bastando estarmos atentos para os sentirmos e compreendermos no mais íntimo do nosso ser. Naquela hora, no âmago de uma tristeza imensa, senti, em toda a acepção da palavra, ter sido tocado por algo imaterial porém muito explícito, tendo em conta a subtileza de como aconteceu.

E quanto bem me fez, bendito Deus. Inexplicável, mesmo.

Ponderada hoje toda a situação a frio e passado já bastante tempo é justo reconhecer humildemente que nada houve que nos pudesse ter feito duvidar fosse do que fosse, mas que, pelo contrário, muito houve e haverá ainda para agradecer até ao fim das nossas vidas. Tendo sido transportada de imediato para o hospital, teve a Manuela a sorte – teria sido apenas a sorte? – de ser atendida e a seguir operada por um dos melhores ortopedistas do país – omito propositadamente o seu nome por respeito e consideração a todos os demais – que casualmente ali prestava serviço e naquele dia estava de atendimento ao banco de urgências, o qual, com toda a perícia e competência que lhe dão enorme e justa fama, conseguiu unir com grampos e fios metálicos os três fragmentos de osso e reconstruir tão completa como eficazmente a rótula estilhaçada. De tal forma o fez que não ficou qualquer sequela pós-operatória para além da enorme e indisfarçável cicatriz.

Tudo não passou de meras coincidências, dirão alguns.
Talvez sim, ou talvez não, digo eu.
Nem sempre à luz dos factos coincide a luz da fé.
Cada um que fique pois, como é justo, com aquilo em que acredita.

José Coelho in Histórias do Cota