terça-feira, 26 de abril de 2022

Memórias (no silêncio da tarde)

Monte do Maxial - Foto José Coelho

Viver numa aldeia como a minha raiana Beirã tem muitas limitações e inconvenientes, mas tem também algumas vantagens como por exemplo podermos colher e degustar frutos de época sem qualquer perigo de contaminação por químicos. Quando muito, haverá a possibilidade desses frutos conterem algum "marisco" hospedeiro que também precisa alimentar-se e tem direito à vida. E como dizia o meu avô Zé Lourenço "mal do bicho que vai para a barriga de outro".

Caminho frequentemente pelos campos em redor e sei exatamente onde ficam as hortas nas quais continuam ainda a lutar valentemente pela sua sobrevivência algumas das já bastante velhinhas árvores de fruto plantadas pelas mãos de gente boa que conheci e recordo com saudade.

Uma dessas pessoas foi o senhor meu pai, exímio hortelão que tudo o que plantava na terra crescia e se multiplicava sempre. As parreiras e oliveiras do nosso quintal foram plantadas por ele e a figueira pingo de mel foi obra do avô Faustino Coelho, seu pai, que a plantou onde ainda continua, tinha eu 16 anos.

Na horta do Cancho de Ruivo há pereiras e macieiras, parreiras moscatel e figueiras de várias raças que são mais velhas "ca mim". Aproveitando a frescura que lhes proporciona a velha fonte e o enorme tanque de granito – obra dos famosos canteiros de Gáfete que construíram também a lindíssima capela mortuária do nosso cemitério – continuam a sobreviver e a dar frutos ano após ano, mesmo parcialmente “abafadas” pelas silvas.

Nas vargens do ribeiro da Cavalinha desde a Beirã até ao Rio Sever já não se vislumbra sequer a terra de muitas dessas antigas e férteis hortas porque foram invadidas pelo mato, mas em alguns locais ainda se enxergam videiras já semibravas, pereiras, figueiras de várias raças, nogueiras, macieiras e romãzeiras.

Junto às “casetas” onde habitavam as famílias dos “assentadores” que meticulosa e diariamente tinham a seu cargo a manutenção do Ramal de Cáceres, como por exemplo a do Maxial que já nem telhado tem, mas a poucos metros de distância onde faziam a horta que os alimentava o ano inteiro, continuam teimosamente de pé algumas figueiras, cerejeiras, marmeleiros e pereiras. 

Mais admirável ainda é que consigam resistir às décadas de abandono, as flores plantadas pelas mãos daquelas donas de casa, esposas e mães d'outrora, pois até essas continuam a vencer o tempo e a florir ano após ano sem se deixarem morrer.

Nas ruínas da “caseta” do Maxial que referi num dos parágrafos anteriores, podem ver-se imensas roseiras de várias castas cobertas de botões e rosas, sendo uma delas a de Alexandria, que, diz quem sabe, dará a mais perfumada de todas as rosas, perpetuada numa quadra de cariz popular que reza assim:

A rosa para ser rosa/ tem de ser de Alexandria/ a mulher para ser formosa/ tem de chamar-se Maria.

No pico da primavera é admirável tão bucólico quadro a exibir em simultâneo as tristes ruínas da desventrada casa num contraste oposto à vida e beleza de todas aquelas roseiras floridas em seu redor e a exalarem o seu inigualável perfume. Ano após ano, década após década, indiferentes ao abandono a que estão condenadas. 

Mas não é só no Maxial que se desenrola este milagre da vida.

No antigo canteiro da casa da minha avó Amélia junto à passagem de nível da Cavalinha as roseiras e as açucenas que ela plantou há mais de 40 anos também continuam a renascer, a crescer e a florir em cada primavera. Vou lá visitá-las sempre e acaricio-as como se contivessem nelas as santas mãos que as plantaram e que eu amava tanto. A minha surpresa não tem fim por constatar como é possível os seus tubérculos não morrerem debaixo dos tórridos verões e no meio do matagal que cerca a casa. 

Sei que é uma fantasia nascida da minha inevitável saudade, mas aquelas flores simbolizam para o meu imaginário, a querida visita da avó Amélia ao seu jardim todos os anos. Tão perfumada e alva flor, também denominada de bordão de S. José, ali foi plantada pelas suas zelosas mãos. Foi ela quem as plantou e delas cuidou durante a sua vida. Não é por acaso que sou tão apegado àquele lugar. 

Mas...

Neste “escrito” em que apenas queria “ajuizar” as limitações, mas também as vantagens, de se viver longe da “civilização”, quase sem me dar conta acabei por me deixar envolver pelo melancólico silêncio da tarde.

Desculpem!

José Coelho

segunda-feira, 25 de abril de 2022

25 de Abril sempre



Trova do Vento que Passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre 

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Abril mete a mãe no covil

Foto José Coelho



A semana que está prestes a terminar amanheceu chuvosa, ventosa e fria, a aconselhar lareira acesa, manta e sofá. Se possível e para maior conforto ainda, uma boa leitura na companhia de um chá ou um belo cacau quente. Na Toca já não acendemos a lareira há mais de um mês, mas temos outras formas de nos sentirmos confortáveis.

Em boa verdade lembro-me de muitos mais abris com estas tarequices metereológicas por ser o mês do São Marcos – dia 25 – que antigamente era a maior romaria do concelho de Marvão. Até dizíamos por aqui em jeito de provérbio:  

- Vem aí o S. Marcos e ele gosta tanto d’água!

Grandes molhas apanhávamos à ida ou no regresso uma vez que o percurso era normalmente feito a pé, morassem os romeiros na Atalaia ou no Pereiro, no Matinho ou nas Amendoeiras, não havia chuva que fizesse ficar alguém em casa. Qual quê. Uma molha no S. Marcos era tão normal como a própria festa.

Foi também por esta altura do ano de 1964 que fui parar ao Monte dos Pavios para ser ajudante do pastor ti João Barrancos, um malagou da Póva na Casa Agrícola do ti Zé Bonacho nos confins do Cabeço de Seis – o nome correto é Cabeço do Seixo mas como é mais fácil pronunciar “seis” do que “seixo” toda a gente troca o nome.

Malagou da Póva é uma alcunha que é dada desde tempos remotos aos naturais de Póvoa e Meadas e não visa nunca ofender ninguém, muito pelo contrário. Tenho alguns bons e velhos amigos naquela simpática aldeia que se apelidam a si mesmos de malagous com grande e honrado bairrismo.

Mas dizia eu que foi por esta altura fria e chuvosa do ano que fui parar àquelas "limpas" quando era ainda um zagal novito e nunca mais esqueci as molhas e os frios que apanhei na primeira vez que saí de debaixo das saias da minha mãe por ter sido contratado justo ao mês pelo referido lavrador que era rendeiro da Dona Alice naquele fim de mundo onde trabalhavam todo o ano uma dúzia de ganhões, desde os guardadores dos gados  como eu, aos outros que lavravam, semeavam ou ceifavam, consoante a época.

Foi também no mês de Abril de 1987 que sendo eu já graduado da minha profissão e a dar instrução aos novos candidatos em Portalegre, a formatura diária das 14 horas não pôde realizar-se por estar a nevar copiosamente àquela hora. A parada do quartel e os telhados da cidade ficaram todos branquinhos em questão de poucos minutos. 

Quer isto dizer que, apesar de já não estarmos no inverno, o tempo incerto de chuva e frio em Abril não é de todo grande novidade. Animem-se pois, agasalhem-se, tentem encontrar a melhor forma de se sentirem confortáveis serenos e felizes, e, se não for pedir  já demasiado, tenham um excelente fim de semana prolongado…

José Coelho

Hoje é dia de festa...

Parabéns e muitas felicidades filhote!

terça-feira, 19 de abril de 2022

Vergonha na (puta da) cara

19.04.2022

Sei que o tempo não volta. Oh como sei. Outra coisa eu não soubesse! E sim, corre agora em velocidade de cruzeiro quando eu queria que ele avançasse um pouco mais despacito. Longe vai o tempo em que ele me parecia uma eternidade. Porque nunca mais era sábado para ir outra vez para o baile na Sociedade Recreativa, ou domingo para ir namorar. As semanas já tinham sete dias, mas parecia terem catorze. Os dias também já tinham vinte e quatro horas, mas parecia terem trinta e seis. E os meses, esses, tinham para aí oitenta dias. Ainda assim as pessoas eram invariavelmente felizes e bem-humoradas. Quase sempre. E eu também.

Do Natal até à Páscoa demorava uma eternidade. Os Invernos duravam uns longos seis meses, de Outubro a Março quase sempre a chover e frios de rachar. Os Verões tinham apenas três: Junho, Julho e Agosto. Os outros três, Abril, Maio e Setembro, eram de tempo ameno sem ser inverno nem verão, sem estar frio, mas também sem estar demasiado calor. E toda a gente percebia os sinais dos astros. Das estrelas, do sol, da lua. Aos cinco ou seis anos já eu conhecia a estrela boieira ou da manhã, aquela que há milénios indica que o dia está prestes a romper a escuridão da noite, pois muitas vezes a aurora nos surpreendia, já de mão dada, a mim e à minha mãe, a caminho das tapadas para onde ela ia sachar milho e feijão preto, de sol a sol.

O astro avermelhado ao fim do dia no verão anunciava que o seguinte seria ainda mais quente. E no inverno a mesma cor rosada no céu poente dava como certo um dia seguinte também gélido. A lua e os seus quartos, guardavam alguns segredos. O minguante era o das sementeiras, o crescente o de fazer crescer e amadurecer os frutos, mas também de fazer crescer a sorte ou as dificuldades em que as pessoas se encontrassem naquele quarto de lua. Por sua vez a lua cheia tão romântica no verão para os namorados, era temida no inverno por causa dos lobisomens cujo uivar se confundia com o do vento.

O tempo! Ah! O tempo...

Às vezes nem parece o mesmo de quando nasci. Está tudo tão diferente! Para pior, acho eu. Naquela época não havia casa, casebre ou socha que não contivesse uma família lá dentro. Fosse uma pessoa para onde fosse, da Beirã ao Cabeço de Seixo, da Beirã à Atalaia, da Beirã às Amendoeiras, da Beirã à Retorta, por todos os lugares dos quatro pontos cardeais havia gente a morar, a trabalhar, a viver. Por toda a parte se ouviam vozes de gente a conversar, pastores a assobiar aos gados, searas a ondular nas tapadas, pomares e abundantes hortas a bordejarem os ribeiros e regatos. Chamava-se tudo isso... Vida. E tudo deixou de existir. Bastaram cinquenta anos. Tudo isso foi varrido destas paragens como se um vento ruim por aqui tivesse passado e com ele levado tudo.

E não sei se não foi mesmo.

Esse vento ruim, para mim, tem um nome fino e sonante. Apelidam-no de progresso. Eu não acho que ele nos tivesse trazido algo assim tão bom. Senão vejamos. Que progresso extingue tudo aquilo em que toca, desertifica freguesias, concelhos, regiões inteiras? Que progresso mata os usos e costumes de um povo maioritariamente rural de norte a sul, a sua agricultura, o seu comércio e serviços, obrigando ao êxodo em massa dessas populações para os grandes centros urbanos abandonando as suas raízes? Que progresso sobrecarrega o povo de impostos, taxas e sobretaxas para satisfazer os mercados, cujos responsáveis visam apenas o lucro e a ganância de outros, promovendo a corrupção e o compadrio numa total ausência de decoro? E como se isso não fosse por si só já suficientemente censurável, ter ainda como consequência direta a asfixia e morte de quase todos os pequenos negócios que serviam e facilitavam a vida às populações das vilas e aldeias que teimaram cá ficar e delas não quiseram arredar pé?

Que progresso extingue em vez de modernizar e tornar rentáveis, ramais ferroviários inteiros de norte a sul, com tudo o que deles dependia – postos de trabalho, economias locais e mobilidade das populações – desrespeitando sem contemplações esse património construído à custa do erário público que serviu o país durante décadas? Que progresso permite que se cometam tantos atropelos aos direitos mais elementares das pessoas, sucessivamente decididos nos gabinetes climatizados da capital por decisores políticos sem a mínima sensibilidade social, cada um mais hostil que o anterior? Progresso é só planear autoestradas, pontes e outras obras faraónicas? E nós provincianos refilamos, mas continuamos a metê-los nos seus confortáveis gabinetes, a cada quatro anos. 

Não sei se é triste sina nossa, ingenuidade ou conformismo, mas sei que passados cinquenta anos de democráticas decisões, mais de metade do nosso país está vazio e sem quaisquer perspetivas de futuro, mormente o "meu" Distrito de Portalegre que é campeão nacional da indiferença política coletiva, da desertificação e do envelhecimento populacional, onde nasci, cresci, trabalhei a vida toda e vivo ainda.

O tempo não volta!

Mas às vezes penso que muitas coisas o tempo repete. Por exemplo, no "tempo da outra senhora" dizia-se que a política vigente era a "dos três éfes". Fátima Futebol e Festas. Curiosamente, no tempo da "senhora atual", esse espírito mantém-se. Basta olhar as multidões que continuam a afluir à Cova da Iria, as paixões assoberbadas e sempre ao rubro no Futebol, e, como não, o quanto a malta continua a gostar de Festas. Sejam romarias, feiras medievais, ou campanhas eleitorais. 

Assumo sem qualquer hesitação que também vou a Fátima, ao Futebol já não tanto e às Festas menos ainda, mas do que gosto mesmo e pratico diariamente desde que meus pais e avós me os ensinaram, ensinei depois aos filhos e ensino agora às netas, são os valores e princípios fundamentais que ninguém deveria deixar de praticar nunca. O respeito, a dignidade no trato, a honestidade nas palavras e nas atitudes, a honradez nos compromissos, e, acima de todos eles, uma irrepreensível integridade de carácter.

Resumindo o sentir da minha gente do campo maioritariamente analfabeta, vou descrever o que inúmeras vezes ouvi das suas honradas bocas: Pode uma pessoa não ter mais nada na vida, mas há uma coisa que nunca, jamais ou em tempo algum, pode perder...  

-  A vergonha na (puta da) cara.

É infelizmente vulgar uma total ausência de valores e princípios em muitas pessoas à nossa volta, com particular gravidade em figuras públicas que deveriam ser exemplo para todos nós, mas que, pelo contrário, são com demasiada frequência, a nossa coletiva humilhação. Por isso me revejo muito mais naquele tempo em que fui moço apesar das tremendas dificuldades, do que no atual, com todas as facilidades existentes. 

Disse.

José Coelho

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Foi uma Páscoa tranquila e feliz

Sábado de Aleluia na terra do meu Pai

A nossa Bombeira-cadete a desfilar pela primeira vez

Avós e neta na Missa de Domingo de Páscoa em Castelo de Vide
Fotos Manel Coelho

domingo, 10 de abril de 2022

Coisas que leio


A última viagem

Era tarde da noite quando o taxista recebeu a chamada. Dirigiu-se para a rua e número indicados. Situava-se num prédio simples, com apenas uma luz acesa no andar térreo.

Pensou em buzinar e aguardar, mas pensou também que para alguém chamar um táxi tão tarde da noite poderia estar com alguma dificuldade. Por isso saiu do carro, foi até à porta e tocou a campainha. Ouviu o som de algo a ser arrastado e uma voz débil dizer:

- Vou já. Um momento, por favor.

Uma senhora idosa, pequena, franzina, com um vestido estampado, abriu a porta. Equilibrava-se com uma bengala e na outra mão trazia uma pequena mala. Ao olhar para dentro, o taxista percebeu que os móveis tinham sido todos cobertos com lençóis.

- Pode ajudar-me com a mala? Pediu a senhora.

Ele pegou a mala e ajudou a passageira a entrar no táxi. Ela forneceu um endereço e pediu:

- Poderemos ir pelo centro da cidade?

- Podemos sim, mas o caminho que a senhora sugere é mais longo, observou o taxista.

- Não tem importância, afirmou ela, resoluta. Não tenho pressa. Desejo olhar a cidade pela última vez. Vou para um lar porque não tenho mais família e o médico disse-me que morrerei em breve. 

O taxista que começara a iniciar a partida, desligou subtilmente o taxímetro. Olhou para trás, fixou a senhora nos olhos e perguntou:

- Onde é que a senhora gostaria de ir?

E levou-a até um prédio na área central da cidade onde ela indicou o edifício onde fora ascensorista quando era ainda moça.

Depois foram a um bairro onde ela recém-casada morou com o seu marido. Apontou, mais adiante, o clube onde dançou com o seu amor muitas vezes.

De vez em quando pedia para ele ir mais devagar ou que parasse em frente a algum edifício. Parecia olhar na escuridão, no vazio. Suspirava e olhava. Assim as horas passaram até que a senhora manifestou cansaço:

- Por favor, agora estou pronta. Vamos para o lar.

Era uma casa cercada de arvoredo e, apesar do horário tardio, a senhora foi recebida de forma cordial por duas assistentes. Logo depois, já numa cadeira de rodas, despediu-se do taxista.

- Quanto lhe devo?

- Nada, disse o taxista. Foi uma cortesia minha.

- Você tem que ganhar a vida, meu rapaz!

- Há outros passageiros, respondeu ele.

E, sensibilizado, inclinou-se e envolveu a senhora num abraço afetuoso. Ela retribuiu com um beijo e palavras de gratidão:

- Você deu a esta velhinha um enorme presente. Deus o abençoe!

Naquela madrugada o taxista resolveu não trabalhar mais. Ficou a cismar: E se ele, como muitos colegas faziam, apenas tivesse tocado a buzina duas ou três vezes e ido embora? E se tivesse recusado a corrida, pelo adiantado da hora? E se tivesse querido fechar o seu turno quando se fizeram horas de ir para casa? Deu-se então conta da nobreza que fora ter sido gentil para com a solitária senhora. Dois dias depois, retornou à casa de repouso. Desejava saber como estava a sua passageira.

Ela tinha morrido, na noite anterior.

Muitas vezes pensamos que grandes momentos só podem ser motivados por grandes feitos. Contudo, existem coisas mínimas que podem representar muito para uma pessoa. O importante é estarmos atentos e não perdermos a oportunidade de fazer alguém feliz, mesmo que seja com um simples passeio pela cidade.

Pense nisso! E esteja atento para as coisas mínimas, para os gestos insignificantes que podem representar um pouco de felicidade para alguém.

Desconheço o autor

Amizade, consideração e respeito mútuos

Foto José Coelho

Quando passados mais de trinta anos um dos melhores homens que tive a honra de comandar em Nisa nas décadas de 80/90 faz 300 km para vir visitar-nos com a sua esposa, só posso sentir que cumpri bem o meu dever e o quanto valeu a pena. Fiquei grato e muito sensibilizado, Senhor Guarda de Cavalaria, João Silva. Bom regresso à sua Beira onde também fui tão bem tratado pelas suas gentes quando por lá andei na minha profissão de mineiro. Bem hajam e voltem sempre.

sábado, 9 de abril de 2022

Bom fim de semana

Foto Pedro Coelho

Tudo na vida é uma questão de tempo. Por mais difícil que seja um dia a dor passa, a saudade acalma, a decepção ensina e a vida continua.

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Estados d'alma

Não sou dado a depressões pese embora muitas vezes a minha fisionomia possa fazer parecer o contrário. Tal não corresponde à realidade. Mas não corresponde mesmo! Quando muito andarei melancólico e não consigo – nem quero – disfarçar.

Nada na minha vida foi fácil de alcançar ao longo do caminho que já levo percorrido, mas sem dúvida os últimos cinco ou seis anos foram os piores. Motivos? Nem vale a pena enunciá-los. Já passaram e a vida continua. Tem mesmo de continuar.

Não é, porém, liminarmente fácil interiorizar tudo o que nos trouxe dor ou amargura e seguir cantando. É preciso tempo, paz, sossego, introspeção. A pessoa necessita ficar a sós consigo mesma para tentar desatar os nós que inevitavelmente se vão formando no seu íntimo.

Por isso mesmo é um caminho que tem de percorrer-se a sós. Obviamente também houve, entre um tombo e outro, alguns intervalos felizes mas que não apagaram as feridas da alma. A cura, se a houver, só o passar do tempo trará. Vou por isso vivendo um dia de cada vez sem pressa e sem grandes projetos, sonhos ou ambições.

Li algures que "uma pessoa morre quando deixa de sonhar, de acreditar e de lutar". Mas lemos tantas coisas sonantes e que nós, quando tudo está bem connosco, achamos ser verdade...

O pior é quando inesperadamente a vida nos trai, pega em nós e nos atira contra a parede sem que percebamos porquê, que mal fizemos para sermos assim tratados. O nosso mundo e tudo aquilo em que acreditávamos desaba sobre nós, esmaga-nos, sufoca-nos, deixa-nos sem chão.

Ficamos tão atordoados que levamos meses com a cabeça zonza sem perceber muito bem o que, ou por que, aconteceu. Que terá sucedido, perguntar-se-ão vocês. Muitas coisas, respondo eu. Vindas das mais inimagináveis origens. Mas como já disse, não quero falar delas. Quanto mais mexemos nas feridas mais elas doem.

E sempre fui assim um pouco dado à melancolia. Desde que me conheço. Desde quando eu e as minhas irmãs não podíamos ter prendinhas no sapato no Natal. Desde que os meus amigos iam para os petiscos aos domingos e eu não podia ir com eles. Desde que... e que...

Mas deixemos tudo isso para lá. São coisas minhas. Ou melhor dizendo, são estados d'alma meus. A Vida foi, muitas vezes, demasiadas vezes convenhamos, una gran y real hija de puta para mí...

José Coelho

terça-feira, 5 de abril de 2022

Que simples pode ser a vida

Ninho de melro no limoeiro da Toca - Foto José Coelho

Provavelmente porque nasci no seio da humildade e da pobreza habituei-me a não dar grande importância ao dinheiro e a ser feliz apenas com o possível. A minha mãe coitada nunca tinha a certeza do que iria ser a comida no dia seguinte sendo sua única certeza o pouco que teria para escolher. Sopa com produtos da horta mais um bocadinho de pão com conduto que muitas vezes se resumia a uma omelete ou a um punhado de azeitonas pois o toucinho e os enchidos tinham de se guardar para as merendas do dia seguinte. 

Muita gente deve achar que é mentira que se pudesse ser feliz assim sem quase nada. Mas éramos. Muito felizes mesmo. Nesta casa a única coisa que havia em abundância era a alegria e a boa disposição de manhã à noite. A minha mãe cantarolava facilmente quer a migar as nabiças do jantar, quer a lavar a roupa no tanque ou mesmo quando sentada ao sol no quintal a remendar algumas roupas surradas pelo uso. Um rádio Grundig a pilhas fazia as delícias dos nossos serões com aquele programa diário de discos pedidos da Radio Badajoz cujas músicas no acordeon da Maria Albertina ou outra remexida qualquer davam imediatamente azo a sessões de baile na nossa cozinha felizes e despreocupados como nunca mais soubemos ser, apesar de a vida de todos nós ter evoluído para bastante melhor.

Ou, pelo menos, é isso que nós pensamos. Só não sei muito bem, não tenho hoje assim tanta certeza se "isto d’agora" é realmente melhor do que era "d’antes"...

Já velhinha e totalmente invisual, muitas vezes ouvi a tia Florinda trautear ainda as modas dela comodamente sentadinha no sofá. E quando ouvia alguma música sua conhecida na televisão logo os seus pezinhos começavam a bater ritmadamente no chão ao compasso dos acordes. E eu ficava em silêncio deliciado a observá-la. Coisas tão simples que quase passavam despercebidas na altura, mas que a saudade vai buscar hoje para me dizer que sim, que apesar de ter sido toda a vida pobre, que apesar de "o Senhor lhe ter levado os olhos" como ela dizia, ainda assim, a minha mãe foi uma criatura feliz. Tranquilamente feliz.

Acho que herdei algum desse estado de espírito dela e estou-lhe muito grato por isso. Sou completamente desapegado ao dinheiro e outros bens materiais que para muita gente que conheço são quase imprescindíveis. Visto qualquer trapinho desde que goste sem me preocupar minimamente se é de marca ou da moda. Tanto sou capaz de comprar numa tenda do mercado como numa loja chique, desde que aquilo que quero se encontre num ou na outra. Não troco um jantar em casa com a família por um no restaurante e aprecio muito mais umas migas com sardinhas fritas do que uma mariscada. Em resumo, nasci no meio da simplicidade, sempre fui feliz no meio dela e é assim que gosto de viver. Como nasci e fui criado. E se depender só de mim, assim queria um dia morrer, se Deus quiser também.

A vida já é tão complicada e imprevisível, para que havemos de a complicar ainda mais dificultando o que pode ser fácil? É verdade que não tenho andado bem ultimamente. Sim, é verdade. Por motivos diversos e problemas sucessivos que me têm roubado algum chão. Sei que vou conseguir ultrapassar esta fase menos boa, mas necessito de tempo. Entretanto, pacificamente ocupado pelo quintal, vou prestando atenção ao casal de pintassilgos que namoram num ramo. Provavelmente já escolheram algures o galho discreto onde irão fazer o ninho para acolherem a sua nova prole. Todos os anos, desde que aqui moro fazem ninho na nossa latada ou nas roseiras, ou mesmo nas forcas mais altas das oliveiras.

No meio dos espinafres um grilo canta que se desunha. Ah valente! Assim mesmo é que é. Canta, amigo, canta, porque tal como os humanos tens uma vida breve. Só que eles fazem de conta que não sabem isso e vivem como se não fossem morrer nunca. Vive tua vidinha um dia de cada vez a cantar e se possível sem te ralares muito, vizinho!

As rolas com certeza devem já andar também a fazer ninho no sobreiro do quintal ao lado do nosso e vêm frequentemente pousar no meio das hortaliças à cata de alguma larva. E de caminho aproveitam a viagem para se dessedentarem na água fresca do balde que coloco todos os dias ao lado do forno a lenha para a nossa rafeira Alentejana Suri beber sempre que lhe apetece. 

Decididamente a vida por aqui continua como sempre foi, muito simples e pacata. A paz cerca-nos por todos os lados. Basta olharmos e ficarmos atentos ao que nos rodeia, que não é pouco...

 José Coelho

domingo, 3 de abril de 2022

Coisas que leio

Selfie José Coelho - 03.04.2022

A origem de muitas das nossas decepções é pensarmos que os outros farão por nós aquilo que nós somos capazes de fazer por eles. Esperamos sempre a mesma sinceridade, o mesmo respeito e a mesma reciprocidade, mas isso nem sempre acontece. Os valores que definem os nossos corações não são os mesmos que definem o coração dos outros.

Uma maneira simples de encontrar a felicidade pode residir no acto de minimizarmos as nossas expectativas. Quanto menos esperarmos, mais poderemos receber ou encontrar. É certamente um argumento um tanto controverso, no entanto, não deixa de ter a sua lógica.

“Não esperes nada de ninguém porque desse modo o teu coração irá armazenar menos decepções.”

Todos sabemos que no que diz respeito às nossas relações, é impossível não ter expectativas. Esperamos que os outros tenham certos comportamentos porque desejamos ser respeitados, compreendidos e valorizados. Agora isso não impede que, por vezes, estas previsões falhem. Quem espera muito dos outros, geralmente acaba ferido.

Ninguém erra por tentar ver sempre o lado bom das outras pessoas. Temos o direito de vê-lo, encontrá-lo e até mesmo promovê-lo, mas com alguma cautela. Porque a decepção é irmã das expectativas elevadas, por isso é mais apropriado não se deslumbrar antes do tempo.

As aparências não costumam enganar-nos mas o que muitas vezes falha são as nossas próprias expectativas acerca dos outros.

Podemos esperar muito dos demais, no entanto, o certo é esperar sempre mais de nós mesmos.

Para o ajudar a deixar de esperar muito das pessoas ao seu redor, lembre-se do seguinte:

Ninguém é perfeito. Nem sequer nós mesmos. Se fôssemos agradar às expectativas que os outros têm sobre nós, viveríamos stressados e infelizes. Por vezes é impossível, porque ninguém é um exemplo de perfeição ou virtude absoluta. Basta respeitarmo-nos uns aos outros e exercer a reciprocidade da forma mais humilde possível.

Aceite que nem sempre temos que obter algo em troca. Às vezes o melhor é aceitar que os outros são como são e que nem sempre vão fazer por nós aquilo que nós fizemos por eles.

E, claro, existem sempre também aquelas pessoas que simplesmente não valem a pena. Que não nos respeitam nem merecem ter-nos na sua vida. Nesses casos é necessário desapegarmo-nos delas, por mais difícil que possa ser.

Para concluir:

Quanto menos esperarmos, menos surpresas teremos. Dessa forma seremos um pouco mais livres e a nossa felicidade será menos dependente do comportamento dos outros.

Somos todos falíveis porque somos todos seres imperfeitos a tentar viver num mundo onde as decepções são inevitáveis, mas no qual habitam também o amor sincero e as amizades duradouras.

Valeria Sabater