quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Fiz o que melhor que fui capaz

Foto Pedro Coelho


Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais


Nascemos filhos. E esperamos ser filhos para sempre. Mimados, educados, amados. Que os nossos pais invistam doses cavalares de amor em todo o nosso caminho pela vida. Que quando a vida doer, haja um colo materno. Que quando a vida angustiar, encontremos neles um conselho sábio. E, quando isso nos falta, há sempre uma lacuna, um sentimento estranho de sermos exceção.

Mesmo adultos, esperamos reconhecer a nossa meninice nos olhos dos nossos pais. Desejamos, intimamente, atenções miúdas, como a comida favorita no dia do nosso aniversário ou uma camisola do nosso clube de futebol se estamos em casa deles.

Não estamos prontos para trocar de lugar nesta relação.

É difícil aceitar que os nossos pais envelhecem. Entender que as pequenas limitações que começam a apresentar não são preguiça nem desdém. Que não é porque se esqueceram de dar um recado que não se importam com a nossa urgência. Que pedem para repetirmos a mesma frase porque já não ouvem bem, porque às vezes, não está surdo o ouvido, mas distraído o cérebro. Demora até aceitarmos que não são já os mesmos super-heróis, que não podemos já dividir toda a nossa angústia e todos os nossos problemas porque para eles as proporções são ainda maiores e tudo se desregula: o ritmo cardíaco, a tensão, a taxa glicémica, o equilíbrio emocional.

Vamos ficando um pouco cerimoniosos por amor. Tentando poupá-los ao que é evitável. Então, sem querer, começamos a inverter os papéis de proteção. Passamos a tentar resguardar nossos pais dos abalos do mundo.

Dizemos que estamos bem, apesar da crise. Amenizamos o diagnóstico do pediatra para a infecção do neto parecer mais branda. Escondemos as incompreensões do casamento para parecer que construímos uma família eterna. Filtramos a angústia que pode ser passageira ao invés de dividir qualquer problema. Não precisam preocupar-se: estaremos bem no final do dia e no final das nossas vidas. Mas, enquanto mudamos esses pequenos detalhes na nossa relação, ficamos um pouco órfãos. Mantemos os olhos abertos nas noites insones sem podermos ir a correr chorando para a cama dos pais. Escondemos deles o medo de perder o emprego, o cônjuge ou a casa, para que não sofram sem necessidade e, aí, estamos sós nessa espera; não há colo, nem uma carícia para nos consolar.

Quanto mais eles perdem a memória, o vigor, a audição, mais sozinhos nos sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta interior por esperarmos deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, que não têm como impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de se sentirem cansados.

Então pode chegar o dia em que nossos pais se transformem, de facto, em nossos filhos. Que precisemos de os lembrar que precisam de comer, de tomar os remédios ou de pagar uma conta. Que seja necessário conduzi-los nas ruas ou dar-lhes as mãos para que não caiam nas escadas. Que tenhamos que prepará-los e colocá-los na cama. Talvez até alimentá-los, levando o talher à sua boca.

E eles serão filhos piores do que nós fomos, porque se lembrarão que são os seus pais. Reagirão às suas primeiras investidas porque sabem que no fundo, você acha que lhes deve obediência. Enfraquecerão os seus primeiros argumentos e tentarão provar que ainda podem ser independentes, mesmo quando esse momento tiver passado, porque é difícil imaginarem-se sem o controle total das suas próprias rotinas. Mas cederão paulatinamente, quando a força física ou mental se reduzir e puderem encontrar no seu amor por eles, o equilíbrio para todas as mudanças que os assustam.

Não será fácil para você. Não é a lógica da vida. Mesmo que você seja pai, ninguém o preparou para ser pai dos seus pais. E se você não o é, terá que aprender as nuances desse papel para proteger aqueles que ama.

Mas, se puder, sorria diante dos comentários senis ou cante enquanto estiverem comendo juntos. Ouça aquela história já contada tantas vezes como se fosse a primeira e faça perguntas como se tudo fosse inédito. E beije-os na testa com toda a ternura possível, como quando se coloca uma criança na cama, prometendo-lhe que, ao abrir os olhos na manhã seguinte, o mundo ainda estará lá, como antes, intocável, para ela brincar.

Porque se você chegou até aqui ao lado dos seus pais, com a porta aberta para interferir em suas vidas, foi porque tiveram um longo percurso de companheirismo. E propor-se a viver esse momento com toda a intensidade só demonstrará o quanto é grande a sua capacidade de amar e de retribuir o amor que a vida lhe ofereceu.

Ana Gosling

Tuna Sénior de Marvão - Natal 2022

(1) Vídeo António Gil
(2) Vídeo Município de Marvão

Para mais tarde recordar...

Meus poetas favoritos


Há em tudo que fazemos
Uma razão (?) singular:
É que não é o que queremos.
Faz-se porque nós vivemos,
E viver é não pensar.
Se alguém pensasse na vida,
Morria de pensamento.
Por isso a vida vivida
É essa coisa esquecida
Entre um momento e um momento.
Mas nada importa que o seja
Ou que até deixe de o ser:
Mal é que a moral nos reja,
Bom é que ninguém nos veja;
Entre isso fica viver.

Fernando Pessoa
15.09.1933

Foto José Coelho
- 28.12.2022

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Bom Natal...


 
... a toda a minha Família, particularmente a que está longe. A todas as minhas Amizades de perto e de longe, mas também para quem não for, nem uma coisa, nem a outra. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Pela Cultura e pela Comunidade


"Farda" da Tuna Sénior de Marvão,
à qual temos a honra de pertencer desde 2019.
Fotos José Coelho - 18.12.2022

domingo, 18 de dezembro de 2022

Tarde memorável de partilha e convívio

Obrigado Tunas Séniores de Castelo de Vide, Arronches e Portalegre
Foto Silvina Candeias, a quem agradeço a partilha

Bora lá, Tuna Sénior de Marvão

Foto José Coelho - 18.12.2022
Cartaz - Município de Marvão
Foto - Igrejas Abertas - Marvão

sábado, 17 de dezembro de 2022

Bom fim de semana


Prezo-me o suficiente para me afastar de tudo o que não me faz bem.
Foto José Coelho - 17. 12. 2022

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Memórias (e amizades) perenes


Comandante do Posto da GNR de Nisa de 1985 a 1992


Dois anos depois da minha permanência no comando do posto de Nisa, mercê de porfiados esforços e de muito trabalho colectivo de todos os que ali prestávamos serviço, conseguimos pacificar um pouco a Zona de Acção sob a nossa responsabilidade. Até à minha chegada a escala de serviço seguia sempre o mesmo ritmo, os mesmos horários, os mesmos giros, ainda que muitos deles não fossem já sequer viáveis. Até a vizinhança do Posto sabia mais ou menos a que horas normalmente saíam e regressavam as patrulhas. 

Por isso, em primeiro lugar e durante os primeiros meses, dediquei-me a conhecer pormenorizadamente a enorme área do Posto, desde os locais mais povoados até aos mais recônditos, para poder, in loco, aperceber-me onde seria mais necessária a nossa presença assídua e onde ela se poderia restringir apenas a uma ou outra passagem lá muito de vez em quando. Interessava-me sobremaneira conhecer as acessibilidades de e para a Beira Baixa, de e para as áreas dos outros postos confinantes com o de Nisa, estudando hipóteses de poder, a tempo e horas, “cortar” o caminho à gatunagem que por ali proliferava, porque dava para perceber que não era “prata da casa” e que vinham de outras bandas com viaturas adequadas às suas intenções, carregavam tranquilamente o que roubavam nesses transportes e esfumavam-se mais tranquilamente ainda pelos inúmeros caminhos e atalhos da zona, muitos dos quais não eram policiados há anos. 

Muitas vezes lhes apanhei o rasto, que, não raro também, coincidia com os rastos recolhidos em roubos anteriores, porém, chegados às estradas alcatroadas, era impossível determinar o rumo que a partir dali tinham tomado. É que Nisa tem acessos que podem levar em pouco tempo para Espanha, para a Beira Baixa, para Portalegre, Elvas ou Estremoz, ou para Abrantes e Ponte de Sor, com enormes extensões desses mesmos percursos cobertos por enormes, contínuas e cerradas manchas florestais que permitiam a deslocação camuflada de uma estrada a Norte, para outra a Sul, Este ou Oeste.

Depois de me parecer que já conhecia mais ou menos a área e os pontos sensíveis, avancei para uma total remodelação dos giros das patrulhas, optimizando os meios disponíveis, muito razoáveis já nessa altura, porquanto tinha ao dispor, para a policiar, pelo menos duas patrulhas a cavalo diárias, outras duas apeadas, uma ou duas motorizadas e ainda mais outra auto, sem contar com a minha permanente participação nesse esforço quer de dia, quer de noite, pois assim que terminava as minhas tarefas diárias no gabinete logo me fazia também ao policiamento da área em conjunto com o restante pessoal.

Ensinei-lhes tudo o que sabia, tudo o que me tinham ensinado a mim, mas, sobretudo, fiz-lhes sentir que podiam contar sempre comigo para os ajudar no que eles não soubessem, assumindo com eles e por eles toda e qualquer responsabilidade desde que as coisas seguissem os trâmites legais e desde que eles agissem em conformidade com as determinações dimanadas do Código Penal, do Código do Processo Penal e de todas as leis e regulamentos aplicáveis, tendo em conta também a regra de ouro que consistia no expresso dever de imediatamente fazer saber ao detido a razão da sua detenção, bem como os seus direitos e deveres, formalidade que era fundamental nunca deixar de cumprir.

Dizia-lhes sempre:

- Ninguém deve tomar iniciativas, seja sobre o que for se não estiver bem dentro do assunto. Na dúvida, não se faz. Mas se temos plena consciência de que aquilo que se apresenta perante nós é um ilícito, seja criminal ou meramente contra-ordenacional, ninguém deve recear usar da competência em que está investido, pedindo, se disso necessitar, a ajuda que julgar conveniente e necessária para a boa execução daquele serviço.

Esse foi sempre o meu método de trabalho. Ensinar, responsabilizar, incentivar, mas, acima de tudo, valorizar e promover a auto-estima individual de cada um daqueles excelentes militares, pessoas disponíveis, generosas e de bem, que um dia resolveram, como eu, abraçar a profissão de representantes da autoridade do Estado para fazerem cumprir as suas Leis, tantas vezes incompreendidos não só pelas populações a quem servem o melhor que são capazes, como ainda também pelos chefes que os comandam e os tratam com desnecessária aspereza, como se eles fossem máquinas infalíveis, em vez de os estimularem com os seus ensinamentos, com o seu exemplo diário, com a sua ajuda, até mesmo com a sua amizade e compreensão.

Com essa forma de agir, consegui reunir à minha volta uma equipa extraordinária de belíssimos profissionais motivados, operacionais, responsáveis e muitíssimo competentes. Juntámos sinergias e os resultados não tardaram em se fazerem anunciar. Reduziu-se significativamente  o número de roubos, recuperámos coisas roubadas e sossegámos as populações. As patrulhas apareciam inopinadamente e a qualquer hora do dia ou da noite nos locais mais impensáveis àquelas horas e deixou de haver as velhas rotinas, passando a  estar cobertas as vinte e quatro horas de cada dia por patrulhas sempre no exterior.

E tanto podia ser para ir policiar o Arneiro a 15 km de Nisa às três da manhã, como podíamos aparecer na Barca da Amieira para ver se o Rio Tejo levava muita água ao quarto para a meia noite. De igual modo, tanto podia ser apenas uma discreta patrulha apeada mas estrategicamente autotransportada em tempo oportuno até às redondezas dos locais a vigiar, como uma patrulha a cavalo, motorizada ou auto. Ainda dentro da mesma estratégia, tanto podiam ser dois ou três guardas, como podiam ser dois cabos com dois ou três guardas e eu próprio à frente deles. 

Nunca, jamais ou em tempo algum, mandei os meus militares para a rua para o frio do inverno ou para o calor do verão, de dia ou de noite, deixando-me ficar comodamente instalado no conforto do meu gabinete. 

Nunca! 

Recordo, a título de exemplo, o recado que a minha esposa certo dia me deu:

- Zé, já reparaste que esta semana ainda não jantaste nenhum dia com os teus filhos?

Tinha razão, sim!

Mas comandar fazendo uso de um constante exemplo, era responsabilidade que me era exigida a mim, mais do que a qualquer outro militar daquele Posto. E jamais me demiti dela. Jamais. Poderia referir nomes de alguns desses mais de trinta profissionais de mão cheia que comandei e mantêm por mim, até aos dias de hoje, passadas são mais de três décadas, a sua amizade, a sua consideração e o seu respeito, o que muito me sensibiliza, orgulha e agradeço, retribuindo na íntegra a mesmíssima amizade, consideração e respeito a todos e a cada um deles.

Valeu a pena!


José Coelho 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Porquê?


Perguntaram-me:
- Porque tiras tantas fotos?

Respondi:
- Porque em vez de registar a vida dos outros, prefiro registar a minha!

Foto Manel Coelho
- 11. 12. 2022

domingo, 11 de dezembro de 2022

Paz, harmonia, bla bla bla...

Foto da net


Cada Dezembro que regressa é, entre outras efemérides, um ano a menos no tempo de vida que nos está destinado, o qual, indiferente a todos os nossos projetos ou sonhos, passou, passa e continuará a passar, sem se deter um instante. E nós, muitas vezes mais indiferentes ainda do que ele, nunca projetamos ou sonhamos viver cada dia da nossa vida como se fosse o último, preferindo, quase sempre, adiar para depois. Assim chegamos ao depois, onde ficaremos a olhar para trás com imensa nostalgia quando percebermos tudo o que podíamos ter feito melhor e não fizemos. 

- Ah se fosse agora eu já não fazia igual! 

- Ah se eu soubesse o que sei hoje! 

- Pois! Sopas depois do almoço...

Somos assim. Não sabemos desfrutar pacificamente quanto de bom nos rodeia. Não sabemos aproveitar o dom que nos é concedido de estarmos vivos. Preferimos complicar. E não me refiro só a mim, ou a vocês que me estais a ler, mas à humanidade inteira. Olhem o que temos vindo a fazer ao nosso planeta. Asfixiamos com gases tóxicos a sua atmosfera todos os dias, sem olhar a meios nem medir consequências. Vejam no que está a acontecer um pouco por toda a parte. Catástrofes nunca antes imaginadas. E diz-se que vai ser pior. Podíamos tê-lo evitado? Podíamos. Mas preferimos não fazer caso, porque nos habituamos à comodidade. Se para hoje há, para amanhã Deus dará.

E não somos só maus hóspedes para com a natureza. Somo-lo também uns para com os outros. Pensem quantas guerras em curso. E as devastações que provocam. Quantos milhares de mortos, estropiados, refugiados. Ah e tal, é lá longe, no outro lado do mundo, do mal o menos. Seria pior se fosse cá! Vemos todos os dias, em todos os noticiários. Coitados! Lamentamos. Mas se calhar até mudamos de canal porque "aquilo" incomoda a nossa sensibilidade, o nosso íntimo. No entanto, por lá, o inferno continua. Gente sem ter o que comer, onde dormir, sem segurança. Crianças que nascem, vivem e morrem naqueles caos. E por isso fogem. E por isso pedem auxílio. 

Mas (quase) ninguém os quer à porta.

Não fazer ao outro, o que não queremos que nos seja feito a nós! Beatices, dizem alguns! São? Talvez! Mas a possível beatice em nada lhe subtrai importância, ou minimiza a justiça e verdade que esse ensinamento encerra. Fazer a alguém o que não gostamos que nos façam a nós, é da mais aberrante hipocrisia, da mais censurável injustiça. E as guerras são (quase) todas fruto da ganância humana. Da força bruta sobre os mais fracos. De interesses económicos que não olham a meios para conseguir os fins. Toda a gente sabe quem, quando, onde, como e porquê, está por detrás delas. Mas isso não interessa para nada porque o que realmente interessa é "alimentar" o fabrico de armas e mostrar o músculo militar dos donos do mundo.

Entretanto, no meio de tanta imundice e sofrimento que grassa pelo planeta, muito antes de chegar Dezembro, logo a seguir ao dia de Todos-os-Santos começam os anúncios, a publicidade, o enfadonho dlim-dlam-dlom dos sininhos pseudomusicais, os jingle-bells estereotipados, a catadupa de brinquedos e guloseimas natalícios por tudo quanto é superfície comercial. De tal modo que, quando a quadra festiva finalmente chega, estamos todos saturados e cheios de natal até aos cabelos. O verdadeiro Natal não é, nunca foi, a "coisa" aberrante em que este novo e desenfreado consumismo o transformou. 

Para mim, para muita gente do meu tempo, a quadra natalícia por excelência começa apenas na Senhora da Conceição e termina no dia de Reis. Só depois do feriado do dia 8 se começa a "respirar" o Natal, a pensar no presépio muito mais que no pinheiro ou pai natal, porque esta quadra não celebra Lapónia nenhuma, muito menos um homem de barbas brancas vestido de vermelho. Celebra algo mais místico e digno de respeito. Celebra Aquele cujo nascimento sobre as palhas de uma humilde manjedoura em Belém e de quem já quase ninguém fala, ou ensina as crianças. 

O espírito natalício que antes parecia tudo inundar de paz e concórdia, que reunia famílias inteiras a consoar, transformou-se numa completa aberração. Dezembro é atualmente o mês do bla bla bla. Oco, vazio, sem qualquer conteúdo místico, porque visa apenas incentivar o consumo e gerar lucros milionários.

José Coelho 

Parabéns, companheira de quase uma vida...


... tudo de bom para ti, hoje e sempre!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Um conto de Natal do meu Autor favorito

Fotomontagem - José Coelho

— Consoamos aqui os três — disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. — A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.”

“De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser – e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções são que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.

E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez reis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.

Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.

E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...

Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama!

Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.

Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.

Vá lá! Do mal, o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.

Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.

Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel.

Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.

Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! — desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o arcanho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.

Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava?

Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida?

A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.

E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira.

— Consoamos aqui os três — disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. — A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.”

 

Miguel Torga

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Paz, que tanta falta faz

Tempo de Natal 2022







Dia oito de Dezembro, Imaculada Conceição e antigo Dia de Todas as Mães. Toda a minha vida, neste dia, a tarde foi sempre dedicada à construção do presépio e a enfeitar a casa para a Festa do Natal.
E este ano não poderia ser excepção.
Quando os filhos eram pequenos, íamos os três para a tapada procurar o melhor musgo para juntos fazermos um presépio enorme por baixo do pinheiro de Natal com as toscas figurinhas de barro que comprei numa loja em Évora no dia 19 de Dezembro de 1969, depois de sair da Inspeção Militar no hoje extinto Regimento de Infantaria 16 e de ter ficado Apto para todo o serviço militar.
Os filhos "voaram" do ninho um deles levou consigo o tal presépio velhinho mas muito estimado, mas nós, os Cotas, mesmo sózinhos em casa, não deixamos de cumprir essa bonita tradição. Muito mais simples, muito mais discreta, mas com o mesmíssimo amor e carinho de sempre.
E o resultado final é o que as fotos documentam.
Boas Festas a todos, Família & Amizades.
Um abraço com muita estima para todos vós.
Texto e fotos José Coelho
- 08 Dezembro 2022 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Amor de (minha) Mãe...


O dia 8 de Dezembro de 1971 não foi apenas e só o feriado de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal. Nesse dia, naquele tempo, celebrava-se também o Dia da Mãe. De todas as Mães. Durante décadas assim foi. Exatamente por isso e por eu considerar esse dia o segundo mais importante depois do dia do seu aniversário, enviei à minha Florinda este postal por correio desde Elvas onde me encontrava no serviço militar, prestes a ser transferido para o Regimento de Cavalaria Nº 3 de Estremoz, onde iria dali a poucos dias integrar o Batalhão de Cavalaria 3871, com destino a Angola. 

O tempo passou. Década após década. Cinco. Meio século. O Dia da Mãe foi entretanto mudado para o segundo domingo de Maio de cada ano. A minha querida progenitora ficou velhinha, perdeu  a visão e cuidámos dela em nossa casa onde viveu até ao fim da sua vida. Foi nessa altura que encontrámos, entre os tesourinhos por ela guardados, algumas destas coisas. 

Entre muitas outras lá havia, estava também este postal, do qual eu já não me lembrava como é óbvio tantos anos depois. As estaladelas que apresenta, foram consequência do envio por carta de correio. Percebi isso pela forma como estava acondicionado e conservado junto com outras "relíquias" que lhe eram queridas e ela guardava com carinho.

Eu sabia que gostavas muito de mim, minha Mãe. No entanto, apesar de todas as minhas certezas, estes teus gestos, estas coisas, disseram-me mais sobre ti, do que um milhão de palavras. Obrigado Mãe, onde quer que estejas. Não imaginas, nem eu imaginei nunca, o tamanho da falta que o teu colo me fazia. Hoje, para mim, o dia 8 de Dezembro de cada ano, continua a não ser só o dia da Senhora da Conceição. Continua a ser também, sê-lo-à até ao fim da minha vida, o Teu Dia, Senhora Minha Mãe...

José Coelho

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Carta para o meu Pai

Ao tio António Coelho faltam os óculos. A mim, o bigode!
Fotomontagem José Coelho - 06.12.2022



Boa noite, velho amigo. Não penses que por me teres deixado há tantos anos me esqueço de ti. Pelo contrário. Quanto mais o tempo passa, mais sinto a tua falta e mais me pareço contigo. Quando corto a barba pela manhã, a imagem que o espelho me devolve é a tua cara escarrapachada. Já tenho comentado em voz alta: 

-  Zé, tás a ficar igualzinho ao tio António Coelho! 

Sou-te infinitamente grato por tudo o que contigo aprendi. Éramos unha com carne. Sempre fomos. Gaiato com apenas 13 anos que feliz fiquei quando me tiraste daquela lonjura do Monte dos Pavios do tio José Bonacho onde andava a guardar vacas e de onde só podia vir a casa de quinze em quinze dias, para me levares a trabalhar contigo para a pedreira da Lagem do Sapato. 

A seguir fomos para a Portagem a abrir o enorme buraco no leito do rio Sever onde construíram a grande piscina que lá existe. Os dois de madrugada de casa para o local do trabalho e no final do dia do local do trabalho para casa, a pé por caminhos e "atravessos". Mais tarde, rumámos a Campo Maior, sempre por conta do engenheiro Ventura do Porto da Espada de quem foste muitos anos subempreiteiro. 

Éramos inseparáveis, exceto numa coisa. Aos sábados, no regresso a casa, tu ias mais os nossos camaradas de trabalho que connosco andavam lá, beber o vosso copinho e eu nunca queria ir contigo porque não gostava de vinho nem de tabernas. Ficava por isso sentado no banco traseiro da camioneta sozinho até vocês voltarem depois de "molharem o bico", o que às vezes demorava uma ou duas horas.

Se calhar o vinho era como as sardinhas e tinha muitas espinhas que vos empatavam tanto tempo!

Também nunca esqueci a ajuda cúmplice com que enfrentaste a teimosa relutância da senhora minha mãe e tua companheira de vida, quando assim que completei dezassete anos quis ir voluntário para a tropa e ela não queria que eu fosse com medo que morresse lá prá guerra, mas tu, mais atento à minha necessidade de mudar de vida do que em dar razão aos mesmos receios que ela tinha, não hesitaste em acompanhar-me à Câmara de Marvão para "assinares" com o teu dedo indicador direito untado de tinta preta, a necessária autorização paterna em virtude de eu ser de menor idade.

São inexplicáveis as saudades que tenho de falar contigo e daquele carinho que sempre nos uniu. Hoje, como o tempo está chuvoso, sentei-me no sofá à lareira. Inesperadamente veio-me à lembrança aquele dia em que eu estava sentado exatamente no mesmo sítio a aquecer-me ao lume e tu, já bastante doentinho e a preparares-te para me deixares órfão, vieste em pijama do teu quarto sentar-te no outro sofá ao meu lado e puseste sobre o meu joelho a tua mão, para me dizeres, bastante lucidamente:

- Isto está mal, filho. Os remédios já não me fazem nada…

E continuaste:

- Venho pedir-te uma coisa, filho. Não deixes que me levem para o hospital para ir lá morrer sozinho no meio de estranhos em cima de alguma maca, num corredor. Deixem-me ficar aqui na nossa casa onde eu gostava de poder morrer na minha cama e ao pé de vocês.

Tu sabias, Pai. 

Sabias que o teu fim estava próximo. 

E eu também sabia. 

Todas as manhãs, antes de me ir embora para Portalegre, ia dar-te um beijinho, com receio que não resistisses e partisses antes de eu regressar à noite. Mas não. Esperaste por mim, dia após dia, todos aqueles que ainda te restavam, até à madrugada de 23 de Janeiro de 1994. 

Eu estive no sofá a vigiar o teu agonizar até às duas da manhã para a Mãe Florinda poder ir dormir e descansar um pouco, entre as nove da noite e as duas da manhã. Depois veio ela para o meu lugar para ir eu descansar, porque tinha de levantar-me às seis e meia como todos os outros dias para ir trabalhar. 

Ainda quase não tinha pousado a cabeça na almofada quando a Mãe Florinda tocou ao de leve na porta do quarto e chorosa me chamou:

- Zé, levanta-te filho, o pai já faleceu.

Que momento tão dramático da minha vida meu santo pai. 

Não consigo esquecer tamanha angústia passados todos estes anos. Fui ter contigo, cerrei-te as pálpebras e abracei-te num pranto impossível de conter. Nesse dia não só perdi o meu melhor e maior amigo, como também parte do meu coração que levaste contigo. Nunca mais consegui ser mesma a pessoa, porque não há nada nem ninguém que te substitua no meu coração. 

Por muito que ame os meus filhos e netas, teus netos e tuas bisnetas, o meu amor e gratidão por ti viverão comigo enquanto eu viver também. Hoje tinha de escrever-te esta carta, igual a muitas outras que já escrevi, mas depois apaguei. Esta não irei apagar. Não tenho de ter vergonha por sentir saudades tuas, meu velho e querido amigo. 

Voltaremos a encontrar-nos, assim o creio. 

Um beijo onde quer que estejas, do filho que nunca te esquece e continua a amar-te como se estivesses ainda aqui.

José Coelho

domingo, 4 de dezembro de 2022

Já não sou feliz aqui...



Não sou de muitas conversas. Saí com certeza ao meu pai que era assim homem de poucas falas. A nossa vida em família sempre foi, contudo, bastante tranquila, apesar das inúmeras dificuldades num tempo em que a pobreza era condição geral de quase todas as famílias rurais da aldeia. Por isso o dia-a-dia era sair de casa antes do nascer do sol para ir trabalhar e recolher já noite fechada para cear à luz do candeeiro a petróleo uma sopa de legumes da época feita em lume de chão.

Sempre fui, no entanto, dado às letras. Ler, fosse o que fosse, tornou-se cedo o meu entretém por excelência. No bornal da merenda andava sempre algum livro pequeno ou grande e as horas de repouso eram dedicadas à sua leitura. Nem imagino quantos livros já li, mas com toda a certeza, alguns milhares. Em casa tenho muitos, muitos mesmo. Neste momento estou a ler "A história de um canalha" de Júlia Navarro, escritora de quem sou fã e da qual tenho alguns romances.

Talvez por isso e apesar de não apreciar ajuntamentos com muita gente, festas, cafés e bares, nunca me senti sozinho. Há lá melhor companhia que um bom livro? A gente embrenha-se na leitura de tal forma que “entra” para dentro da narrativa e quase “vive” o que está a ler. Mais! Às vezes fica-se com pena por ter de interromper a leitura para ir jantar, tomar banho, dormir, sei lá, fazer outra coisa que obrigue à interrupção daquilo que tanto nos motiva.

Sem ser uma pessoa solitária aprecio bastante a solidão. Daquela que transmite paz e harmonia, como a que acontece ao passear pelos campos para sentir a brisa no rosto, ou sentado no cimo de um cancho a observar o horizonte para ouvir o canto da passarada. Também não é mau acomodar-se a gente à beira de uma fonte como a da Murta a ouvir o tranquilo murmúrio da água a correr, ou ainda caminhar tranquilo pela frescura das margens dos ribeiros da Cavalinha, das Águas, da Cabeçuda, ou até do rio Sever. 

Há tantos lugares de eleição por esta minha bonita freguesia!

Desde criança que os palmilho todos. Dantes sempre sozinho ou apenas acompanhado pelos meus cães, hoje já quase sempre com a esposa porque a idade não perdoa e não é de todo aconselhável embrenhar-se uma pessoa sozinha por esses ermos. É que dantes havia gente por toda a parte, mas hoje já não há ninguém. Impera o mato e o silêncio absoluto, quebrado apenas pela fuga inopinada de algum javali, raposa ou saca-rabos, quando deles nos aproximamos.

Amo profundamente a minha terra. De tal modo que aqui reconstruí a casa onde nasci e onde tencionava passar o resto dos meus dias. Hoje já não tenho tanto a certeza disso. Sempre que me ausento uns dias, o regresso é doloroso porque me invade uma inevitável tristeza regressar ao lugar que tanto amo mas que já não é, de todo, o lugar que já foi, o lugar que eu queria que fosse para sempre. O silêncio que outrora se "ouvia" só nos campos, invadiu a aldeia. 

E soa tão alto, que incomoda os ouvidos. 

E a alma.

Só não decidi ainda o que fazer. Resignar-me e esperar mais meia dúzia de anos até ingressar no lar onde irei com certeza terminar os meus dias? Ou revoltar-me e ir embora para viver essa meia dúzia de anos noutro lugar qualquer com outras condições, ainda que longe daqui? 

É difícil resolver. 

Sempre que a razão me sussurra ao ouvido "Sai daqui Zé, há mais mundo à tua espera", logo o coração se intromete a gritar e a contrapor "Onde queres tu ir, se este é que é o teu mundo, o teu lugar?"

E assim o tempo se vai passando, monótono, nostálgico, sem vida, sem cor e sem sabor.

Honestamente reconheço que já não sou feliz aqui. Nem os livros fazem, como faziam antes, companhia. E descobri ainda que não era só da paz que ia procurar no silêncio dos campos que eu necessitava. Também me fazia muita falta o bulício da aldeia, as luzes acesas nas janelas das casas, o som das vozes e conversas das pessoas lá dentro, os gritos da gaiatada a correrem pelas ruas, o cheiro dos jantares ao lume, o fumo a sair pelas chaminés, enfim, todos esses indícios da gente boa que cá viveu, amigos, conhecidos, vizinhos e família querida, que hoje aflitivamente rareiam.

José Coelho
Texto e foto