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Cada Dezembro que regressa é, entre outras efemérides, um ano a menos no tempo de vida que nos está destinado, o qual, indiferente a todos os nossos projetos ou sonhos, passou, passa e continuará a passar, sem se deter um instante. E nós, muitas vezes mais indiferentes ainda do que ele, nunca projetamos ou sonhamos viver cada dia da nossa vida como se fosse o último, preferindo, quase sempre, adiar para depois. Assim chegamos ao depois, onde ficaremos a olhar para trás com imensa nostalgia quando percebermos tudo o que podíamos ter feito melhor e não fizemos.
- Ah se fosse agora eu já não fazia igual!
- Ah se eu soubesse o que sei hoje!
- Pois! Sopas depois do almoço...
Somos assim. Não sabemos desfrutar pacificamente quanto de bom nos rodeia. Não sabemos aproveitar o dom que nos é concedido de estarmos vivos. Preferimos complicar. E não me refiro só a mim, ou a vocês que me estais a ler, mas à humanidade inteira. Olhem o que temos vindo a fazer ao nosso planeta. Asfixiamos com gases tóxicos a sua atmosfera todos os dias, sem olhar a meios nem medir consequências. Vejam no que está a acontecer um pouco por toda a parte. Catástrofes nunca antes imaginadas. E diz-se que vai ser pior. Podíamos tê-lo evitado? Podíamos. Mas preferimos não fazer caso, porque nos habituamos à comodidade. Se para hoje há, para amanhã Deus dará.
E não somos só maus hóspedes para com a natureza. Somo-lo também uns para com os outros. Pensem quantas guerras em curso. E as devastações que provocam. Quantos milhares de mortos, estropiados, refugiados. Ah e tal, é lá longe, no outro lado do mundo, do mal o menos. Seria pior se fosse cá! Vemos todos os dias, em todos os noticiários. Coitados! Lamentamos. Mas se calhar até mudamos de canal porque "aquilo" incomoda a nossa sensibilidade, o nosso íntimo. No entanto, por lá, o inferno continua. Gente sem ter o que comer, onde dormir, sem segurança. Crianças que nascem, vivem e morrem naqueles caos. E por isso fogem. E por isso pedem auxílio.
Mas (quase) ninguém os quer à porta.
Não fazer ao outro, o que não queremos que nos seja feito a nós! Beatices, dizem alguns! São? Talvez! Mas a possível beatice em nada lhe subtrai importância, ou minimiza a justiça e verdade que esse ensinamento encerra. Fazer a alguém o que não gostamos que nos façam a nós, é da mais aberrante hipocrisia, da mais censurável injustiça. E as guerras são (quase) todas fruto da ganância humana. Da força bruta sobre os mais fracos. De interesses económicos que não olham a meios para conseguir os fins. Toda a gente sabe quem, quando, onde, como e porquê, está por detrás delas. Mas isso não interessa para nada porque o que realmente interessa é "alimentar" o fabrico de armas e mostrar o músculo militar dos donos do mundo.
Entretanto, no meio de tanta imundice e sofrimento que grassa pelo planeta, muito antes de chegar Dezembro, logo a seguir ao dia de Todos-os-Santos começam os anúncios, a publicidade, o enfadonho dlim-dlam-dlom dos sininhos pseudomusicais, os jingle-bells estereotipados, a catadupa de brinquedos e guloseimas natalícios por tudo quanto é superfície comercial. De tal modo que, quando a quadra festiva finalmente chega, estamos todos saturados e cheios de natal até aos cabelos. O verdadeiro Natal não é, nunca foi, a "coisa" aberrante em que este novo e desenfreado consumismo o transformou.
Para mim, para muita gente do meu tempo, a quadra natalícia por excelência começa apenas na Senhora da Conceição e termina no dia de Reis. Só depois do feriado do dia 8 se começa a "respirar" o Natal, a pensar no presépio muito mais que no pinheiro ou pai natal, porque esta quadra não celebra Lapónia nenhuma, muito menos um homem de barbas brancas vestido de vermelho. Celebra algo mais místico e digno de respeito. Celebra Aquele cujo nascimento sobre as palhas de uma humilde manjedoura em Belém e de quem já quase ninguém fala, ou ensina as crianças.
O espírito natalício que antes parecia tudo inundar de paz e concórdia, que reunia famílias inteiras a consoar, transformou-se numa completa aberração. Dezembro é atualmente o mês do bla bla bla. Oco, vazio, sem qualquer conteúdo místico, porque visa apenas incentivar o consumo e gerar lucros milionários.
José Coelho