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Meados de Outubro e nem uma erva verde pelos campos. Os gados nos pastos lambem as hastes secas rentes à terra ressequida e árida perante o desespero dos seus donos que para os alimentar têm que se valer de caras rações e das palhas ou fenos que restam nos palheiros.
Não me lembro de nada assim nos já sessenta e (muitos) picos que levo de vencida. As duas ou três últimas décadas então têm sido profícuas em desatinos de toda a ordem. O mundo bonito e bom de que me consigo lembrar ainda, vai ficando cada vez mais lá para trás e pelos vistos está definitivamente perdido.
Em vez de um clima cálido e amoroso de chuvas outonais misturadas com temperaturas moderadas temos um outubro enxertado num verão que teima em ficar para queimar o que sobrou de julho, agosto e setembro. A azeitona, a castanha e os citrinos mirram nas árvores, amadurecem precocemente e caem sem qualquer préstimo.
No pinhal interior qual apocalipse antecipado continua o flagelo amaldiçoado dos fogos que tudo derretem incluindo vidas, espalhando, a centenas de quilómetros, um odor nauseabundo de matéria queimada e nuvens de fumo que cobrem quase Portugal inteiro. O sol em vez de ficar encoberto pelas nuvens outonais fica encoberto pelas nuvens desse maquiavélico elemento.
A vida nas aldeias de todo o interior, de norte a sul e sem qualquer excepção, está condenada a muito curto prazo. Já hoje não existem condições normais de sobrevivência em muitas delas para quem é velho e não tem carro para se deslocar, telefone ou internet para se comunicar com o resto do país onde vivem agora - que remédio - as camadas mais jovens, filhos e netos.
Como é possível deixar as coisas chegarem a este ponto, não sei. Cada vez mais Portugal é Lisboa, Porto e Coimbra e o resto é paisagem a que só se dá alguma atenção de 4 em 4 anos quando o voto desses habitualmente esquecidos faz falta para chegar aos poleiros do poder. Com todas as velhas artes profissionais extintas, valem os lares e centros de dia para gerarem algum emprego. Enquanto restarem alguns velhos, porque também esses se irão extinguir com o passar do tempo.
O défice, o rating, a dívida, o pib, a troika, bruxelas, as agências de notação financeira e muitos mais destes modernos palavrões são hoje o que importa ao país. A vida das pessoas é para ir remediando de qualquer maneira e depois logo se vê. Ah e tal, o banco X teve éne milhões de prejuízos! Mas os administradores continuam lá a ganhar o décuplo do que ganham os funcionários do balcão. Ah! Mas as reformas vão ter no mínimo 10 euros de aumento. Quais? As que são inferiores a... pouco mais de uma centena de euros.
Entretanto vem pelo correio (que por enquanto ainda é porta a porta) uma carta da seguradora da casa. Estimado cliente, bla bla bla, a partir de outubro deixaremos de enviar correspondência em papel pelo que qualquer documento a emitir será enviado apenas em suporte digital via e-mail. Bonito gesto, sim senhor. Precisas? Imprime na tua impressora, gasta do teu papel e do teu tinteiro porque a seguradora está vocacionada apenas para o lucro. Não tens internet nem impressora? Desenrrasca-te...
Socorro! Tirem-me deste filme...