domingo, 8 de outubro de 2017

Carta para a minha Mãe...


Mãe…

Hoje seria o dia do teu aniversário se estivesses ainda connosco. Mas mesmo não estando já cá, o dia 8 de Outubro há-de ser para sempre o dia em que nasceste. Quantos anos farias? É irrelevante. No meu coração continua a ser lembrada a tua força anímica, a tua bondade e coragem, mas, sobretudo, aquele teu sorriso fácil como o da fotografia que propositadamente escolhi para compor este meu texto. Uma foto que foi feita pelo teu neto Pedro à mesa das refeições em nossa casa e que conseguiu captar na perfeição o teu semblante habitualmente descontraído e feliz. É assim que quero lembrar-te sempre.

Se não tem sido fácil esquecer-me do sofrimento por que te vi passar nos últimos meses da tua vida, tenho no entanto plena consciência que tudo quanto humanamente esteve ao nosso alcance e nos foi possível fizemos, para tentar ajudar-te e minimizar o teu desconforto. Sofri contigo como nem imaginas. Doía-me profundamente assistir impotente à tua agonia lenta, dolorosa e irreversível mas o teu coração tinha tanto de doce como de resistente e não se rendeu facilmente, como tu também nunca te rendeste às tempestades e rudezas da vida que não foram poucas.

A ti devo tudo o que sou. Na humildade do teu analfabetismo foste melhor professora do que muita gente letrada que conheço. Os livros de onde nos ensinavas eram unicamente os exemplos diários e permanentes que nos transmitias, repletos sempre de impecável conteúdo. Dona e senhora de grandes virtudes, o asseio e a arrumação eram a tua mais forte característica. Foste sempre de um brio excepcional como dona de casa, esposa e mãe. Trabalhaste continuamente durante toda a tua vida ajudando tudo e todos, por isso foste, inequivocamente, o pilar fundamental da nossa família. Eras também promotora e praticante da mais absoluta honradez e seriedade. Mereceste sempre, por tudo isso, a amizade o respeito e o carinho de toda a gente que te conhecia. 

Todos os dias me lembro de ti, Mãe. E sinto tanto a tua falta. A minha vida desabou por completo no dia 28 de Julho de 2014. Não por ter sido surpresa pois era um fim anunciado há tempo suficiente para estarmos preparados. Mas não é assim. Percebi nesse dia que nunca estamos e nunca estaremos preparados para perder quem nos trouxe ao mundo. E se de verdade me doeu muito a partida do meu pai e teu companheiro de quase toda a tua vida, porque me doeu terrivelmente sim, verdade é também que a tua partida me doeu infinitamente mais. Ele também perdeu a mãe dele e minha avó Adelina e por isso sei que, onde quer que esteja, o Pai António Coelho me entende.

Se antes ia regularmente ao cemitério, hoje que devia ir mais, vou menos. Ainda não consegui fazer o luto de ti por completo e fiquei demasiado perturbado as poucas vezes que lá fui. E tu sabes que eu até não sou de muitas pieguices. Mas fui sempre muito agarrado a ti, Mãe. E tu a mim também. Amava-mo-nos infinitamente um ao outro. O momento mais doloroso da minha vida ocorreu na casa mortuária algumas horas depois de teres partido. A família tinha ido não sei onde fazer não sei o quê e fiquei só eu, da família próxima, à tua cabeceira, embora a sala estivesse cheia de gente vizinha e tua amiga que quis estar ali a acompanhar-te.

De súbito um pranto incontivel e profundo brotou finalmente da minha alma meio estupidificada desde as três da tarde quando deste o teu ultimo suspiro agarrada à minha mão e à mão da mana Joaquina. Acho que só naquele momento me dei finalmente conta que te tinha perdido para sempre. E desatei a chorar perdido de dor e angústia durante muito tempo sem conseguir e sem querer conter-me. Só me lembro de a nossa vizinha Joaquina Brites se ter levantado da sua cadeira bastante comovida para me vir confortar dizendo-me muito baixinho “não chores já mais Zé Manuel, a tua Mãe deixou de sofrer e está agora em paz”.

Foi tão duro, Mãe.

Cá em casa o teu quarto mantem-se como era quando tu o habitavas. E os teus “santinhos” e as demais “coisinhas” que eram tuas, continuam na cómoda do quarto algumas, na estante do meu escritório outras. Até os caramelos de café que me trazias sempre continuam guardados num frasco de vidro aqui ao lado das tuas outras coisas porque ainda não consegui deitá-los fora pese embora três anos depois já não se devam poder comer. É, acho eu, uma forma de te sentir ainda perto de mim.

Um dia vou conseguir diluir mais este sentimento de profunda perda. Será talvez apenas uma questão de mais algum tempo. Mas até agora ainda não consegui. E hoje é o dia do teu aniversario natalício, Mãe. Onde quer que estejas e acredito que seja junto do meu pai, dos meus avós, dos meus tios e primos, obrigado pela Mãe maravilhosa que sempre soubeste ser. Como não posso cantar-te os parabéns, deixo no seu lugar e em tua memória um verso lindo que adoro mas não sei quem escreveu:

Se Deus atendesse um dia,
minha prece ingénua e doce,
quem fosse Mãe não morria,
por mais velhinha que fosse.

Voltaremos a ficar juntos Mãe e então será para sempre. Um beijo repleto do carinho imenso que punhas em cada um dos muitos que me deste durante toda a tua vida, felizmente para mim...