O dia em que fiz vinte anos.
Almocei com os tios Francisca Coelho e Pedro Maniés (irmã e cunhado do meu pai)
na sua bonita vivenda nos subúrbios de Luanda e passei o serão na casa de fados
"O campino" em companhia do seu filho mais novo meu primo-irmão Augusto Coelho Maniés e sua
esposa a fadista Fernanda Varela que fazia parte do elenco de artistas que ali
atuavam todas as noites.
O ar pouco animado tão evidente
no meu semblante devia-se decerto ao facto de ter chegado apenas há setenta e duas horas a
Angola integrado num contingente militar de substituição de efetivos numa zona de guerra, e no dia seguinte
ir embarcar com os restantes camaradas de armas do BCav3871 para o enclave de
Cabinda com destino ao quartel do Belize nas profundezas do Maiombe.
Foi a primeira vez que entrei numa casa de fados.
Foi também a primeira vez na minha vida que provei gambas e bebi uísque. Não apreciei lá muito nem uma coisa nem a outra. Valeram-me as dicas dos primos para mergulhar as gambas num delicioso molho picante e acrescentar gelo com um gole de Coca-cola ao uísque, para melhorar sabores.
Sabia lá eu então na minha humilde condição de camponês alentejano que raio de
bichos e bebida eram aqueles!
Quem pudesse ter hoje a inocência que tinha então, naquele longínquo dia. Tios e primos já partiram todos para a eternidade, mas apesar de tantas coisas boas e menos boas por que passei, continuo ainda aqui.
Tive a ventura de voltar para casa são e salvo passados uns longos e sofridos vinte e sete meses, de conseguir erguer-me após cada tombo, de contornar cada obstáculo até os que, matreiramente, foram urdidos para me
prejudicar.
Deus é Pai, Justo, Amigo, Paciente e Protetor.
Por isso nunca me enfado de dar graças plenamente convicto de que foi a Sua misericordiosa ajuda que me fez vencedor.
Louvado seja.