quarta-feira, 26 de março de 2025

Memórias que nunca esqueço

10 de Março de 1972

O dia em que fiz vinte anos. Almocei com os tios Francisca Coelho e Pedro Maniés (irmã e cunhado do meu pai) na sua bonita vivenda nos subúrbios de Luanda e passei o serão na casa de fados "O campino" em companhia do seu filho mais novo meu primo-irmão Augusto Coelho Maniés e sua esposa a fadista Fernanda Varela que fazia parte do elenco de artistas que ali atuavam todas as noites.

O ar pouco animado tão evidente no meu semblante devia-se decerto ao facto de ter chegado apenas há setenta e duas horas a Angola integrado num contingente militar de substituição de efetivos numa zona de guerra, e no dia seguinte ir embarcar com os restantes camaradas de armas do BCav3871 para o enclave de Cabinda com destino ao quartel do Belize nas profundezas do Maiombe.

Foi a primeira vez que entrei numa casa de fados. 

Foi também a primeira vez na minha vida que provei gambas e bebi uísque. Não apreciei lá muito nem uma coisa nem a outra. Valeram-me as dicas dos primos para mergulhar as gambas num delicioso molho picante e acrescentar gelo com um gole de Coca-cola ao uísque, para melhorar sabores. 

Sabia lá eu então na minha humilde condição de camponês alentejano que raio de bichos e bebida eram aqueles!

Quem pudesse ter hoje a inocência que tinha então, naquele longínquo dia. Tios e primos já partiram todos para a eternidade, mas apesar de tantas coisas boas e menos boas por que passei, continuo ainda aqui. 

Tive a ventura de voltar para casa são e salvo passados uns longos e sofridos vinte e sete meses, de conseguir erguer-me após cada tombo, de contornar cada obstáculo até os que, matreiramente, foram urdidos para me prejudicar.

Deus é Pai, Justo, Amigo, Paciente e Protetor. 

Por isso nunca me enfado de dar graças plenamente convicto de que foi a Sua misericordiosa ajuda que me fez vencedor. 

Louvado seja.

 José Coelho