quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Provérbio


 Pelo S. Brás, a cegonha verás. 
Se não a vires, o inverno vem atrás.
Foto Kim Zé (primo)

Sem olhar a quem

Vinte e seis anos


Desde 1958 que o Senhor do Sacrário e Sua Mãe me observam a cirandar por ali a seus pés. Tinha seis anos quando o já falecido reverendo padre Caetano me escolheu para o acolitar nesta igreja, embora naquele tempo os gaiatos fôssemos às dúzias na aldeia. Não sei porque reparou o ilustre clérigo na minha então insignificante figura, tendo em conta a farta possibilidade de escolha entre tão diferenciada oferta, muitos dos quais mais bem vestidos, calçados e luzidios do que eu, que andava de pés descalços e mais que humildes vestimentas.

Por tal motivo, a "promoção" a sacristão da paróquia foi por mim considerada uma coisa extraordinária. O sacristão que ia substituir e já começava a ser moço, queria deixar essas funções para se dedicar ao namorico com as moças da idade dele. Era o António "sapateiro" como a gente lhe chamava. Foi encarregado pelo pároco de me ensinar as regras e procedimentos no altar, desde acolitar a eucaristia com o sacerdote ainda de costas voltadas para os fiéis na nave do templo sempre repleta de gente, bem como as respostas em latim às suas locuções "et cum spiritu tuo" quando ele pronunciava o "dominus vobiscum" e muitas outras lenga-lengas das quais eu não percebia patavina mas aprendi a decorar na ponta da língua.

Importante também foi aprender os diversos toques dos sinos. Rara a missa, funerais, casamentos e batizados, procissões.
Tudo isso aprendi sem dificuldades de maior. De tal modo que ainda hoje me recordo de muitas partes da missa em latim, e até do Tantum Ergo Sacramentum na adoração do Santíssimo, bem como devo ser também o último tocador de sinos profissional nesta paróquia e arredores. Fui sacristão quatro anos seguidos até terminar a escolaridade obrigatória em 1962, ano em que fiz o exame da 4ª classe e o meu pai me arranjou logo no dia a seguir um patrão para começar a trabalhar.
Assim deixei de poder ir à missa e muito menos acolitá-la mas sempre que podia ia lá fazer uma visitinha porque sempre "senti" que "aqueles" dois me ajudavam bastante. E essa proteção foi mais visível e evidente quando fui à guerra e regressei a casa sem um arranhão, ao contrário de outros camaradas que comigo foram e não regressaram nem sãos, nem salvos.
Mas não só.
Todo o meu percurso de vida tem sido um espelho da bondade do Altíssimo e de Nossa Senhora do Carmo para comigo. Assim o creio e afirmo sem tiques de beatice, apenas e só pela mais inequívoca e determinante convicção. Eu é que sei os apertos por que passei, as aflições que me atormentaram e a forma como consegui ultrapassar ou vencer cada uma delas.
É muito fácil as pessoas opinarem sobre aquilo que não sabem, denegrirem o seu semelhante e darem palpites. Mas como diz o povo, "quem vive no convento é que sabe o que tem lá dentro". O resto são tretas, muitas vezes mal intencionadas, vindas de gente ruim. Por tudo isso e por muito mais assim que regressei e estabeleci residência definitiva na minha Beirã imediatamente regressei com carácter permanente aos meus desempenhos na igreja e paróquia, onde quer que eles sejam necessários e estejam dentro das minhas capacidades.
E assim passaram já... 26 anos!
Faço-o pelo sentimento do dever, gratidão e amor às minhas raízes cristãs, mas sobretudo por espírito de missão.
Somos hoje muito poucos os paroquianos que cruzamos a porta da igreja para nos aproximarmos do Santíssimo Sacramento que há 82 anos se tornou o mais ilustre habitante desta aldeia. Sei e tenho plena consciência que não andará muito longe o dia em que o Bispo da Diocese irá decidir dessacralizar a igreja da Beirã que ficará a ser, a partir daí, apenas mais uma capela sem a presença do Santíssimo, como há já por aí tantas. E vai doer-me muito se ainda cá estiver, como me dói de cada vez que mais uma casa fica vazia sem os vizinhos queridos, para se transformar num alojamento local a encher as ruas com turistas.
Para mim, uma igreja sem o Santíssimo Sacramento no Sacrário, passa a ser como um corpo sem coração, mesmo que esteja a abarrotar de gente.
Não sou apenas e como escrevi mais atrás o único tocador de sinos encartado destes arredores, como sou também o único salmista que se prepara em casa durante a semana para subir à Mesa da Palavra a entoar os Salmos que solenizam cada Eucaristia. Sei que não sou tenor nem o que faço é para exibir dotes que não possuo, mas faço-o por amor a Deus e à minha igreja para que, enquanto for possível, a nossa missa semanal continue a ter um mínimo de dignidade e também para ajudar à reflexão e paz interior para cada participante na sua aproximação a Cristo.
Até quando? Até que Deus queira.
Só a Ele cabe decidir.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Your address (republicação)


Esta calculadora velhinha, insignificante e toda oxidada já pelos anos de uso, tem uma história que me ocorre contar-vos. Começou na Estação Ferroviária de Santa Apolónia em Lisboa dentro do Comboio Hotel Lusitânia Expresso com destino a Madrid, perto das 23 horas de uma sexta-feira início de um fim de semana em 1984, quando eu frequentava o 6º Curso de Formação de Sargentos no Centro de Instrução da Guarda Nacional Republicana na Calçada da Ajuda.
Normalmente eu viajava no então chamado "comboio das oito" que saía de Santa Apolónia às cinco e meia da tarde e chegava a Castelo de Vide, onde então morava, por volta das oito da noite. Porém, em virtude de um camarada do curso se encontrar internado no Hospital Militar de Doenças Infecto Contagiosas da Ajuda (HMDIC) com uma hepatite e vendo-o mais desesperado pelo receio de perder o curso por motivo de faltas, do que pela gravidade da doença, decidi ir falar com o Diretor do Curso Capitão Aloísio, perante o qual me comprometi a elaborar um resumo escrito de todas as matéria dadas em cada dia de ausência do doente que iria pessoalmente levar-lhe em mão, podendo dessa forma dar-lhe a possibilidade de "acompanhar" à distância o seguimento do curso e ir estudando as matérias no hospital para ser submetido às respetivas provas de avaliação quando tivesse alta.
Curiosamente e porque nada acontece por acaso, o meu camarada furriel estava internado no mesmo reservado das doenças infeto contagiosas do hospital em que se encontrava um senhor oficial do Regimento de Cavalaria, que, para que não restasse qualquer dúvida, em conversas regulares com o seu camarada capitão Aloísio e nosso diretor de curso, lhe confirmava a minha perseverança e pontualidade diária de ali comparecer e ficar o tempo que fosse necessário a explicar ao camarada doente tudo o que haviam sido as aulas de cada dia.
Percebendo perfeitamente porque é que nenhum outro camarada do curso ia visitar o camarada doente, sabia também que o contágio daquela doença não se processa pela proximidade com os infetados mas sim pelo contacto físico com algum deles, sem se estar devidamente protegido. Se assim não fosse, nunca me seria permitido entrar como entrava à vontade no Hospital e aceder ao quarto dos dois doentes que ali permaneciam em tratamento.
Assim sucedeu que durante mais de um mês tive de optar por viajar aos fins de semana no Lusitânia que saía de Santa Apolónia às 23 horas e chegava a Castelo de Vide por volta da uma da manhã, porque isso me dava tempo de sobra para entregar os apontamentos, explicar alguma coisa que tivesse de ser explicada, jantar algo por ali em algum bar da estação e apanhar o Lusitânia sem correrias.
Que tem tudo isto a ver com uma calculadora, perguntar-se-ão vocês. Pois! Quem me lê regularmente sabe que quando conto alguma das minhas histórias de vida, gosto de começar pelo princípio. E viajar num comboio internacional a sair às tantas da noite e por sinal bem mais caro que os normais, não é vulgar.
Por isso quis explicar-vos o porquê.
Acabara naquela noite de me acomodar numa das confortáveis cabines perto da porta de acesso, quando me apercebi de um casal de idosos cada um com seu malão de viagem quase maior do que eles, a tentarem subir para a carruagem e aprestei-me a ajudá-los. Primeiro a aceitar cada um dos malões que acomodei na rede sobre os assentos, depois a acomodá-los a eles próprios nas poltronas opostas à minha.
Comunicar foi o mais complicado. Porém, entre português e inglês, à mistura com muita mímica, lá nos conseguimos entender. Eram americanos, ele tinha-se aposentado recentemente e estavam a dar uma volta pela Europa. Iam para Madrid. Ele fora militar e ela era sua esposa. Viviam na Flórida. Estavam maravilhados com Portugal e com a hospitalidade dos portugueses. E eu era mais uma prova disso, riam divertidos. Como pude, apresentei-me também. Militar como o senhor e ia para Castelo de Vide onde tinha casa, "wife" e "two childrens" (eheheh as figuras que a gente faz).
Foram três divertidas horas de viagem em que não nos calámos um minuto sequer. A dado momento o revisor veio picar os bilhetes e eu puxei do meu artesanal porta-moedas redondo de cabedal daqueles que se rodam para fazer coincidir a boca interior com a exterior para retirar o meu bilhete que ali tinha guardado. O americano olhou espantado para o porta-moedas e pediu para o ver na sua mão. Rodou, abriu, fechou, extasiado como se aquilo fosse uma coisa rara!
E proferiu vários "nice" "nice"...
Disse-lhe que aquilo era artesanato, se bem me lembro acho que o comprei em Reguengos de Monsaraz, e vendo-o tão fascinado com ele, despejei as moedas e o bilhete do comboio para o bolso e ofereci-lho. "Wow, now, now, now... Exclamava. Mas eu fiz questão e ele aceitou encantado. E imediatamente me estendeu um papel e uma caneta e pediu "your address". Percebi que me estava a solicitar o meu endereço. Escrevi-o como ele insistiu. Entretanto o Lusitânia acercou-se a Castelo de Vide e saí, não sem efusivas manifestações de satisfação do simpático casal de viajantes com inúmeros "tank you".
Nunca mais pensei neles porque eram apenas mais dois entre milhares de outros viajantes que comigo partilharam as viagens de comboio durante três longos anos de cursos de promoção. Um ano para Cabo e dois para sargento. Até que um dia, meses mais tarde, recebi um aviso dos correios para ir levantar uma encomenda com procedência da Califórnia - USA. E fui. E era esta calculadora Casio, pioneira das calculadoras a energia solar, acompanhada por uma extensa carta que ainda guardo, a qual não sabia ler mas que um camarada licenciado fez o favor de me traduzir.
Agradeciam uma vez mais a minha ajuda, o porta moedas nice e enviavam essa calculadora como presente, convidamdo-nos a irmos - eu e a minha família - visitá-los na sua Califórnia...
(Texto e foto)

Obrigado, filho


Orgulho de pais pela imensa generosidade, valores e princípios que possuis, praticas e assim são oficialmente reconhecidos por quem de direito, querido filho. Parabéns e obrigado por todas as vidas que tens ajudado a salvar.

com Maria Coelho
23. 01. 2025

Trinta e um anos de saudade


 Descansa em paz querido e saudoso Pai. Nunca te esquecerei.

** António Maria Coelho **
* 05.11.1910 - 23.01.1994 *

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Boa semana


Tive aqueles pais que não conheciam luxo, mas entendiam muito bem sobre valores.
Aqueles que nunca me deram tudo o que eu queria, mas sempre me deram o que eu precisava.
Tive aqueles que se levantavam antes do amanhecer, com as mãos cheias de trabalho e o coração cheio de amor.
Aqueles que, mesmo cansados, sempre tinham tempo para me ensinar o que era certo.
Tive aqueles pais que não me deixaram riquezas materiais, mas sim o tesouro da humildade, do respeito e do esforço.
Hoje entendo que nunca me faltou nada, porque eles me ensinaram a lutar por tudo.
Obrigada, mãe e pai, por me darem o melhor: o vosso exemplo..

Petiscos

Lombinhos grelhados com migas de brócolos
Foto José Coelho

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Herança que agradeço e quero honrar




Porque nasci no seio da humildade habituei-me a não dar grande importância ao dinheiro e a ser feliz com o que posso ter. A minha mãe nunca tinha a certeza do que iria ser o almoço no dia seguinte sendo a sua única certeza o pouco que teria para escolher. Uma sopa com produtos da horta e pão com algum conduto que muitas vezes se resumia a uma omelete, a um punhado de azeitonas ou toucinho frito porque os enchidos tinham de guardar-se para as merendas do dia seguinte. 

Muita gente achará que é treta e se possa ser feliz assim sem quase nada. Mas éramos mesmo. Nesta casa a única coisa que havia em abundância era a alegria e a boa disposição de manhã à noite. A minha mãe cantarolava facilmente fosse a migar as nabiças do jantar, fosse a lavar a roupa no tanque da aldeia ou mesmo sentada ao sol no quintal a remendar as nossas roupas mais surradas pelo uso. 

Um rádio Grundig a pilhas fazia as delícias dos nossos serões com aquele programa diário de discos pedidos da Radio Badajoz cujas músicas no acordeon da Maria Albertina davam imediatamente azo a sessões de baile na nossa cozinha, felizes e despreocupados como agora não sabemos ser, apesar de a vida ter evoluído para bastante melhor.

Ou, pelo menos, é isso que nós pensamos. Só não sei muito bem, não tenho hoje assim tanta certeza se "ist'agora" é realmente melhor do que era "d’antes"...

Já velhinha e completamente invisual, muitas vezes ouvia a tia Florinda trautear as modas dela comodamente sentadinha no sofá. E quando alguma música sua conhecida passava na televisão logo os seus pezinhos começavam a bater ritmadamente no chão ao compasso dos acordes. E eu ficava em silêncio, deliciado, a observá-la. 

Coisas tão simples que quase passavam despercebidas na altura mas que a saudade vai buscar hoje para me dizer que sim, que apesar de toda a sua vida humilde e de "o Senhor lhe ter levado os seus olhos" como ela dizia, a minha mãe foi uma criatura feliz. 

Tranquila, conformada com a sua sorte e feliz.

Herdei dela algum desse estado de espírito e estou-lhe muito grato por isso. Sou completamente desapegado do dinheiro e outros bens materiais que para muita gente que conheço são imprescindíveis. Visto qualquer trapinho que goste e sem me preocupar minimamente se é de marca ou da moda. 

Tanto sou capaz de comprar numa tenda do mercado como numa loja chique, desde que aquilo que quero se encontre numa ou noutra. Não troco um jantar em casa com a família por outro no restaurante ou com amigos e aprecio muito mais umas migas com sardinhas fritas do que qualquer mariscada. Em resumo, nasci e cresci no meio dessa simplicidade, sempre fui feliz no meio dela, por isso é assim que gosto de viver.

Vivemos tempos tão complicados e imprevisíveis, para que havemos de complicar e dificultar ainda mais o que já não é fácil?

Empoleiradas nas chaminés cá de casa, as rolas turcas cantam também como cantava a minha mãe, seja verão ou inverno. Ah valentes! Assim é que é. Continuem a ser alegres amigas, porque a vossa vida, tal como a nossa, é muito breve. Só que nós, os humanos, fazemos de conta que não sabemos isso e vivemos como se não fossemos morrer nunca, porque ansiamos mais ser ricos, do que felizes.

Felizmente - o diabo seja surdo e mudo - por aqui e por enquanto, a vida continua como sempre foi cercada de tranquilidade. Basta a gente olhar e ficar atento ao que nos rodeia que não é pouco...

José Coelho

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Alicerce da confiança

Há coisas que o dinheiro não compra


Ter um lugar para ir, é lar. Ter alguém para amar, é família. Ter os dois, é benção.

Cuidar, Ajudar, Proteger


O que faz um amor durar? Não é o dinheiro, porque ele às vezes é pouco. Não é o luxo, porque ele nem sempre existe. Não é o corpo, porque ele muda. Não é a beleza, porque essa ilude. Então o que é? Acho que a resposta é o companheirismo, a compreensão e a dedicação. Se duas pessoas se dedicarem uma à outra, com responsabilidade e ternura, o sentimento fortalece-se. Podem haver mil problemas para resolver, mas a união supera qualquer contrariedade. Se um cuida da Luz do outro, a chama permanece acesa. Cuidar, deve ser um propósito Ajudar, é outro. Proteger, também é recomendado. Embora cada um saiba por onde deseja ir, esses são os ingredientes para fazer duas pessoas ser unidas e felizes.

D/A

domingo, 12 de janeiro de 2025

O lugar onde nasci


No Portugal profundo, a vida ensina-nos que as coisas mais preciosas são aquelas que não têm preço. É o cheiro do pão cozido em forno de lenha, o fumo a subir no ar fresco das manhãs, enquanto os campos se vestem de orvalho. É o som das enxadas que marcam o compasso da terra, das águas claras a correr nos regatos, ou das badaladas do sino da aldeia que ecoam como um chamamento antigo.

As coisas mais simples guardam uma força silenciosa. Elas lembram-nos que, no coração de um mundo que corre depressa, o que importa está ali, na quietude do momento. É o calor da sopa servida em tigelas de barro, o cheiro das ervas secas no fumeiro, ou o céu estrelado que, em noites de silêncio absoluto, parece sussurrar segredos do passado. Não é o que acumulamos, mas o que sentimos – o toque da terra nas mãos, o olhar terno de quem nos conhece desde sempre, o conforto de pertencer.
A simplicidade aqui tem uma magia única. Está na fé das procissões que atravessam caminhos de pó, no fado que ecoa pelas janelas abertas nas noites quentes de verão, ou nas mãos calejadas que plantam e colhem com o mesmo amor de gerações. É o riso que brota sem pressa à sombra de uma oliveira, o som da concertina que se junta ao bater dos pés numa dança espontânea.
No Portugal profundo, a vida não pede pressa. Pede que se desacelere, que se olhe para os muros de pedra que sustentam o tempo, para as aldeias que guardam memórias como relíquias preciosas. Pede que se aprecie o cheiro da terra depois da chuva, o voo das andorinhas que anunciam a primavera, o abraço caloroso de quem oferece mais do que tem.
No fim, o que define a vida aqui não são as grandes conquistas, mas os pequenos gestos que enchem a alma – o sorriso do pastor enquanto guarda o seu rebanho, a flor que insiste em nascer na fissura de um muro, a partilha de uma fatia de pão e de um copo de vinho à mesa. É a essência do que somos, simples e profunda, como a terra que nos sustenta e nunca nos abandona.
Desconheço o autor

Melhor lugar do mundo


O melhor lugar do mundo às vezes é o cantinho de um ombro. Um lado do sofá. Um abraço amado. Um momento de silêncio. Um olhar que nos entende. Os pés descalços, em casa. O coração da gente. O melhor lugar do mundo é onde a vida respira tranquila.

(Ana Jácomo)

Foto José Coelho
com Maria Coelho

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Enquanto eu puder

Toca dos Coelhos - Foto José Coelho

Estar em casa sossegado é para mim duplo aconchego. Pouca gente compreende isso mas o importante é o que eu sinto e não o que os outros entendem. A tranquilidade que me rodeia é suavizada por de uma vida inteira de muitas e gratas memórias. 

É tão fácil imaginar e quase ouvir o bulício de outrora nesta casa cheia de gente boa. 

O riso sempre pronto da minha mãe, o tom grave e sereno da voz do meu pai, o crepitar do lume na lareira nas noites de inverno, o agradável aroma da sopa camponesa a ferver na sertã sobre a trempe, a chuva a tamborilar nas telhas mouriscas sobre as nossas cabeças, o vento a rugir lá fora e nós quentinhos, em redor do lume.

Já no verão, depois da ceia, era costume irmos para o fresco da rua à porta da casa acomodados em rústicos bancos de pinho e cadeirinhas de bunho numa amena cavaqueira com a vizinhança e fraternos convívios de quase família até à hora de deitar. 

Depois…

Bem, depois o tempo passou. Ordeiramente, tal como se deu na nossa chegada ao mundo e sem quase darmos tempo à tia Florinda e ao tio António Coelho de recomporem as suas poupanças – porque eles fizeram sempre questão de nos oferecerem os respetivos banquetes – primeiro casou a irmã Adelina, no ano seguinte casei eu, seguiu-se a Luz e por fim a Joaquina. 

Respeitando essa ordem de chegada, pela mesma voámos um a um do nosso acolhedor ninho para o outro que planeámos construir com quem cada um de nós elegeu.

Mas nunca dele e dos nossos queridos patriarcas nos afastámos muito. Aqui regressávamos amiúde, aqui nos juntávamos regularmente, tendo eles de providenciar outra cozinha mais ampla no quintal que em conjunto os ajudámos a construir, além da enorme mesa das refeições para em boa união e fraternos convívios, nos podermos todos acomodar. 

Porque saímos quatro e passámos a regressar oito, depois nove, dez, onze, e por aí fora...

Naturalmente foram chegando os nossos filhos que os avós adoravam e carinhosamente aconchegavam como nos tinham aconchegado a nós, quiçá até mais do que a nós. Os seus primeiros risos, os seus primeiros passos, o balbuciar das suas primeiras palavras tudo se repetiu sob o humilde teto desta casinha tão pequenina em tamanho mas tão grande em afetos.

Mais tarde fui eleito seu novo proprietário por exclusivo empenho do meu pai que decidiu que seria para mim. Jamais, em tempo algum eu o havia imaginado porque nunca havia sequer pensado que eles algum dia iriam morrer. 

Inconscientemente acreditamos que são eternos e nunca nos irão faltar.

Andava a visitar uma casa afim de a adquirir no bairro novo à entrada da Beirã quando, percebendo-se disso e qual general a transmitir as suas ordens, ele me sentenciou:

- Não procures casa para comprar porque eu quero que "esta" seja para ti.

Foi exatamente assim. Sem nunca termos falado em tal coisa. Ele já tinha até calculado o valor que eu teria de pagar a cada uma das minhas irmãs, descontada a parte que me caberia a mim. Apenas uma condição. Ele e a sua Florinda viveriam nesta casa conosco enquanto fossem vivos. 

Longe de ser um problema, tê-los comigo foi uma bênção.

Assim e sem nunca ter imaginado tal “negócio”, aceitei. Ou melhor, obedeci! As minhas irmãs e cunhados acataram sem o menor reparo e discordância a vontade do patriarca. Naquele tempo o respeito era ainda uma prática corrente e comum. Em menos de um ai tratou-se da papelada, acertou-se o pagamento e a casa mudou o nome do seu proprietário António Coelho para o de José Coelho.

E nela passaram a habitar três ramos da mesma árvore. A matriarca Avó Amélia mãe da senhora minha mãe que rodeada de amor e carinho aqui viveu os últimos 10 dos 93 anos com que nos deixou. Os patriarcas António Coelho e Florinda Lourenço, coproprietários perpétuos, e nós seus novos proprietários. 

Tive naturalmente de ampliar o espaço de modo a ficarmos convenientemente instalados mas no projeto da ampliação fiz questão de as quatro divisões da casa-mãe ficarem intactas, integradas na que cresceu para os lados e para cima.

Desse modo as paredes que me viram nascer continuaram ali no seu lugar. E as pedras que o meu pai moldou pela força dos seus braços ficaram onde ele projetou que ficassem. Entre elas nos deixou e lhe cerrei as pálpebras ainda mornas numa triste madrugada de janeiro de 1994. No quarto que foi sempre o seu, na sua cama, na casa que construiu e nunca deixou de lhe pertencer.

Por essa e por muitas outras razões nutro pela Toca dos Coelhos e tudo em seu redor um carinho e reverência comparáveis ao de um devoto quando chega ao santuário da divindade da sua devoção. Enquanto eu puder aqui se manterão guardadas todas as memórias dos meus pais, dos meus avós, das minhas irmãs, dos meus filhos e agora também já das minhas queridas netinhas…

 

José Coelho

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Lume. Companhia. Aconchego e... Gratas memórias.



Oração pelos amigos

Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste. Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê. Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir. Que sabem tudo de nós, perguntando pouco. Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes. Obrigado, Senhor, por essas e esses, sem os quais, caminhar pela vida não seria o mesmo. Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto. Que nos incitam à coragem só com a sua presença. Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina. Que nos dão a ver um outro lado das coisas, um lado fantástico, diga-se.
Obrigado pelos amigos incondicionais. Que discordam de nós permanecendo connosco. Que esperam o tempo que for preciso. Que perdoam antes das desculpas. Essas e esses são os irmãos que escolhemos. Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria. Os que trazem, até nós, o imprevisível do teu coração, Senhor.
Cardeal José Tolentino de Mendonça

Vídeo José Coelho
- 07. 01. 2025

Servir (apenas) por espírito de Missão

Aos sete anos já era acólito do Revº Padre Joaquim Caetano. 
*Foto gentilmente cedida pelo casal Teresa e Joaquim Nicau*

Dizia a minha Mãe que muito pequeno ainda eu desatava a correr pela rua abaixo assim que ouvia tocar o sino da igreja. 

Começou cedo, pelos vistos, o meu fascínio pelo divino. De tal modo que dura até hoje. Curiosamente - nada acontece por acaso - assim que entrei para a escola e comecei a frequentar a catequese em 1958, o Senhor Padre Caetano escolheu-me logo para seu acólito. E eu fui, feliz da vida. E com ele andei e com ele muito aprendi até fazer a quarta classe porque logo a seguir o meu pai pôs-me de pastor no tio José Maroco e acabou-se a "boa vida". 

Não terminou ali porém a minha profunda ligação à Senhora do Carmo e ao Senhor do Sacrário que lá habitam desde 16 de Julho de 1953. Pelo contrário. A missão de acólito foi apenas o início de uma caminhada que dura desde então e seguramente me acompanhará até ao fim dos meus dias. Assim Deus queira, mas se não quiser faça-se a Sua vontade e não a minha.

Fui crescendo. Ia quando podia à igreja. Depois fui para a guerra, onde, como nunca antes na minha vida, me senti abençoado pela proteção divina, todos os dias que lá passei. E voltei para casa. E fui para as Minas da Panasqueira, serviço não tão arriscado quanto a guerra mas perigoso também. Entrei para a GNR em Janeiro de 1979. O meu "mestre" na mina, o Zé Maria de Castelo de Vide e mineiro do qual eu era o ajudante, morreu esmagado debaixo de um liso do teto de uma galeria que desabou, poucos meses depois.



Coincidências. Ou talvez não.

Profissional da GNR em Castelo de Vide, depois em Nisa, nunca deixei de procurar a luz e a paz da Casa de Deus sempre que me era possível, porque me fazia recorrentemente falta. Assim andei até 1993, ano em que regressei definitivamente à Beirã. A paróquia era então presidida pelo Padre Emílio. Uma noite, ao acaso, viemos os dois em amena conversa, desde o café até ao adro da igreja. Desalentado com a fraca participação da comunidade, tinha vontade de se ir embora, de procurar outro rebanho que dele mais necessitasse.

Esta inimaginável conversa - eu mal o conhecia ainda - mudou a sua atitude como pastor e a minha como ovelha do seu rebanho. Animei-o como pude. Pedi-lhe que não desistisse ainda e ofereci-me para ajudar no que precisasse. Assim, sem grandes discursos, mas decidido a contribuir com o meu esforço. E ele acreditou em mim. Perguntou-me a sua empregada mais tarde o que tinha acontecido porque ele chegara a casa nessa noite muito animado.

Cumprindo a minha palavra entrei para o coro da paróquia e levei comigo a minha companheira, incentivando outras pessoas a juntarem-se a nós. E começámos a preparar as celebrações semanalmente com reuniões e ensaios. A sua empregada Goreti que nos ensaiava e ensinava com sabedoria e esmero, meteu-me no ambão como salmista, desfazendo, um por um, todos os meus medos e "ses". Com essas mudanças e a participação devidamente orientada de toda a comunidade, as celebrações começaram a ter uma maior dinâmica e as coisas melhoraram bastante. 



Mas o Padre Emílio queria mesmo partir para outras paragens e um dia foi-se embora, levando com ele a Goreti, obviamente. E nós ficámos sozinhos, entregues a nós próprios. Corria o ano de 1999.

Nomeados pelo Senhor Bispo D. Augusto César, vieram o Padre Tarcísio mais o Padre Luís e convidaram-me para tomar a meu cargo as contas da paróquia assim como orientar o coro e as leituras nas celebrações. Tive receio de não estar à altura e disse-lho frontalmente porque tinha plena consciência dos meus limitados conhecimentos para tamanha responsabilidade. Prometeram ajudar-me e cumpriram. Enviaram-me para a Casa Diocesana de Mem Soares a frequentar uma série de cursos de preparação para leigos, quase todos os fins de semana dos meses e anos que se seguiram. 

***

Em 2004 fui frequentar o 76º Cursilho de Cristandade - Homens, no Seminário de Alcains.

***

Em 2005 frequentei o Curso de Ministro Extraordinário da Comunhão e da Palavra na ausência do Presbítero, na Casa Diocesana de Mem Soares, mandatado pelo Senhor Bispo D. Augusto César e sucessivamente renovado pelo Senhor Bispo D. Antonino Dias até 31-12-2022. Com as limitações causadas pela pandemia Covid foram suspensas todas essas atividades e até as celebrações religiosas como todos estamos recordados.


***

De Outubro de 2005 a Junho de 2007 todos os sábados desses três anos letivos frequentei o Curso de Aprofundamento da Fé (CAF) no Seminário de Portalegre. Neste curso percebi a pequenez dos meus conhecimentos e senti no fundo do coração que da Igreja pouco mais conhecia até ali, do que rezar o pai-nosso. Foi profundamente enriquecedor e gratificante.

"Um curso para aprofundar a fé

Abr 3, 2006 - 14:44

No dia 21 de Janeiro, terminou o primeiro semestre do Curso de Aprofundamento da Fé (CAF), promovido pelo Centro de Cultura Católica da diocese de Portalegre-Castelo Branco, o qual funciona em três pólos. No segundo semestre passará a funcionar na Casa de Santa Maria e Portalegre (Seminário diocesano). Foram leccionados dois módulos (o módulo 1 e o 2): A revelação de Deus feita Palavra (Introdução ao Antigo Testamento) e A fé celebrada em comunidade (Introdução à Liturgia). Os professores dos três centros estiveram reunidos naquele mesmo dia com o director do CAF e com o Bispo local, D. José Sanches Alves, na Casa Diocesana, para uma breve avaliação. Num total de 177 alunos, inscritos nos três pólos, constatou-se que o módulo 1 foi frequentado por 171 alunos (69, 33 e 69, respectivamente) e o módulo 2, por 148 (59, 34 e 55, respectivamente). A partir da apreciação dos alunos, foram particularmente sublinhados estes pontos: a utilidade da iniciativa, quer ao nível de conhecimentos adquiridos, quer ao nível do proveito pessoal para a vivência da fé, quer ao nível da relação entre os professores e os alunos e destes entre si; o cuidado e a preparação dos professores; novas inquietações e motivação para aprofundar aspectos das matérias estudadas. Por sua vez, os professores relevaram, entre outros, os aspectos seguintes: o número, a motivação e a perseverança dos alunos inscritos; o espírito de equipa dos professores, à volta do responsável de cada módulo; a validade dos encontros para a programação do trabalho seguinte; a vantagem dos resumos entregues aos alunos; a decisão de bastantes alunos quererem apresentar um pequeno trabalho sobre a matéria dada (duas dezenas já entregaram o seu). Dada a facilidade que as novas tecnologias oferecem, os responsáveis por cada módulo disponibilizaram os apontamentos finais aos interessados. Na manhã daquele sábado, D. José Alves passou pelos três centros, não só para ouvir dos próprios a apreciação que faziam, mas também para estimular a todos a perseverarem na caminhada. O segundo semestre terá início no dia 18 de Fevereiro próximo. Dado que os módulos são independentes, os alunos interessados, mesmo que não tenham frequentado os dois primeiros, poderão inscrever-se no módulo 3 (Deus ao encontro do homem) e/ou no módulo 4 (Jesus Cristo, Deus no meio de nós), se ainda o não fizeram. Secretariado Diocesano das Comunicações Sociais."

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De 24 a 28 de Julho de 2006 acompanhei o Senhor Padre Tarcísio a Fátima para com ele participar no XXXII ENCONTRO NACIONAL DE PASTORAL LITÚRGICA.



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Passaram-se entretanto 31 anos e por cá continuo ainda a orientar o coro, a colaborar com o Revº Pároco ativamente nas celebrações e a gerir as contas da Paróquia porque mais ninguém quer assumir esse compromisso. Desde o já distante ano 1999 todos os Janeiros têm sido apresentadas e publicamente afixadas as contas com cada cêntimo de receita ou de despesa respeitantes a cada ano findo, bem como os respetivos saldos. E o processo documental sempre colocado à disposição de quem o queira livremente consultar. Muito se fez, muito haverá ainda por fazer. Deixo-vos algumas imagens como testemunho e só não vou enumerar o saldo bancário pelo irrevogável dever de sigilo.

















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E a terminar, só mais uma breve nota

Na frequência de todos os cursos e atividades pastorais referidos bem como na colaboração com as Paróquias e Comunidades que me solicitaram apoio ao longo de todos estes anos, fui sempre voluntariamente e a expensas minhas. Paguei todos os encargos do meu bolso com deslocações, alimentação e livros recomendados para consultas, continuo a elaborar e imprimir depois em casa muitos documentos sem nunca solicitar ou querer recompensa alguma, porque assim o entendo.


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Porque quem corre por gosto, não cansa! 

Diz o povo e com razão...


José Coelho