quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Será que aprendemos?


 

O pandémico sobressalto de que já ninguém fala começou em Fevereiro de 2020. Primeiro foi-nos dito que o virus andava lá para a China mas dificilmente nos iria afetar – segundo a opinião que ouvi pessoalmente na tv à Doutora Graça Freitas da DGS. Em menos de um ai, porém, o mundo inteiro gemia aflito com milhares de mortos e centenas de milhares de infectados à escala global, numa assustadora descontrolada e alucinante escalada diária.
Em Espanha e na Itália então, foi pura e simplesmente aterrorizante.
Assistimos estupefactos ao encerramento de toda a actividade aérea, marítima e terrestre, de todos os serviços públicos e particulares, fomos mandados ficar fechados em casa e proibidos de circular nas vias públicas numa reviravolta total do quotidiano nas nossas vidas. Parece que foi há muito tempo, mas tão só e apenas há dois anos estávamos encerrados nos domicílios pelos desmandos natalícios que eclodiram ferozmente em fevereiro e quase provocaram a rotura do SNS.
Dificilmente serão esquecidas as dramáticas imagens de pirilampos de mais de cinquenta ambulâncias a esperar longuíssimas horas pelo atendimento à portas das urgências dos maiores hospitais do nosso País. Deu para perceber que a coisa era mesmo séria, perigosa e letal. Mas como sempre, só nos lembramos de Santa Bárbara quando ouvimos trovões. Assim que o controlo afrouxava um pouco, lá íamos aos magotes para todo o lado, descurando displicentemente a maior parte das medidas preventivas.
Não há volta a dar. Viu-se como esquecemos esses dias ruins quando o nosso clube do coração alcançou um título. Vimos, não tão descontrolado, mas também em Fátima, quando no recinto de oração se cumpriam sim senhor as regras de segurança necessárias, mas em redor do santuário ficavam aos magotes e sem qualquer controlo milhares de peregrinos. E a responsabilidade não deve ser imputada só ao governo, às autoridades ou à organização dos eventos.
Ela é um dever de todos nós.
Se em nossas casas e nas nossas famílias sabemos gerir o dia a dia por forma a que todos vivamos bem, confortáveis e protegidos, na vida em sociedade temos que fazer exatamente o mesmo. Respeitar e cumprir as regras, preocuparmo-nos uns com os outros e seguir as indicações sobejamente difundidas para que o bem-estar comum seja um dado adquirido extensivo a todos e a cada um. Se tal tivesse sido cumprido, seguramente teria havido menos fatalidades, menor necessidade de estados de emergência, menos transtornos.
Foram dois anos de solidão para milhares de idosos que se viram impedidos de contactar pessoalmente com os seus entes queridos, familiares, vizinhos ou conhecidos que partiram inesperadamente atingidos pela letal infeção, vidas suspensas, negócios e empregos afectados, enfim um mar de problemas que deveriam ter-nos alertado para a nossa frágil condição humana, para o quanto somos vulneráveis e expostos a qualquer inesperada adversidade, vinda assim, ninguém sabe muito bem de onde. Chamava-se Covid19.
Infelizmente tenho a mais profunda convicção que outras se seguirão.
Vivemos no século XXI, o mundo e a ciência evoluíram de forma extraordinária, mas a verdade que mais se evidenciou é que estes mesmos mundo e ciência foram apanhados de surpresa e deixados perplexos não só com a letalidade do novo coronavírus, como ainda com a rapidez como se propagou por todo o planeta no espaço de apenas pouquíssimas semanas. Não havia, manifestamente, forma de conter a sua propagação pandemica, nem de impedir que chegasse a todos os Continentes.
Nunca, antes, a fragilidade da nossa condição humana havia sido tão evidenciada.
No silêncio que se abateu sobre as nossas cidades, vilas e aldeias durante os longos confinamentos a que fomos submetidos, deveríamos ter aprendido alguma coisa, deveríamos ter refletido na forma como vivemos e nos nossos comportamos quer em família quer em sociedade, tirar ilações do que fazemos menos bem e deveríamos tentar fazer melhor, que não vivemos isolados mas em comunidade e por isso necessitamos todos uns dos outros.
Pela parte que me tocou e em longos passeios pelos campos da minha aldeia, refleti bastante. A solidão nunca me perturbou, muito pelo contrário, gosto mais do silêncio puro da natureza do que do ruído de falsas falas e duvidosas intenções que tantas vezes nos cercam. Patriarca do que resta da Família Coelho, herdei dos meus antepassados valores e princípios que sempre tentei seguir, só não sei se sempre os consegui cumprir, mas sei, tenho a certeza que, pelo menos, sempre me esforcei por isso.
E um dos valores mais sagrados que me foi entranhado, foi precisamente o da Família.
Habituado a ter os meus comigo em casa regularmente, o que mais me custou foi a sua constante ausência durante meses a fio. Jamais poderia imaginar que iríamos passar duas páscoas e um natal longe uns dos outros sem nos podermos abraçar e confraternizar. Do mal o menos, apenas um dos filhos foi ligeiramente atingido pela infecção tendo que fazer a obrigatória quarentena mas sem ter contagiado quer a esposa quer a filha e também sem quaisquer outras consequências em termos do seu bem-estar físico. Não passou de um sobressalto que nos causou alguma apreensão, mas apenas isso.
Cumprimos responsavelmente, de comum acordo e sem hesitarmos, todas as regras e recomendações das autoridades. Por isso me custa tanto entender porque carga d’água tantos outros não foram capazes de fazer como nós. Não por medo de morrer mas pelo respeito às autoridade e à saúde de todos, pelos mais elementares deveres cívicos e de cidadania. Esperemos que nas próximas pandemias – porque elas vão vir, sim – as coisas corram melhor e não tenhamos de regredir.
Porém, suceda o que suceder, é minha profunda convicção que a sociedade em geral continua a navegar num défice alarmante de aprendizagem.
30. 11. 2023
- Dezembro 2021