Entretido nas minhas leituras vi, pela janela do escritório, aproximar-se a carrinha 4x4 branca de caixa aberta e pensei:
- Lá vem o mestre da obra (cá de casa).
De súbito tocaram a campainha da porta da rua e a Maria Manuela foi ver quem era.
E chamou-me:
- Zé, chega aqui que temos duas visitas.
E eu fui.
Eram o compadre Joaquim mais a sua senhora e nossa comadre. Vinham trazer-nos dois enormes baldes de belíssimas azeitonas para o nosso pote da salmoura que tinham ido colher os dois, para nós.
Fiquei aflito porque ambos têm também sérios problemas de saúde, provavelmente mais sérios ainda do que o meu e o da minha companheira. Já em anos anteriores nos haviam oferecido algumas, mas íamos ter com eles e quem as colhia éramos nós, depois de eles nos indicarem as oliveiras.
Como este ano logo na apanha das primeiras cordovis para britar, oferecidas por outro generoso amigo, fui sozinho porquanto a minha inseparável companheira está a convalescer de uma recente cirurgia e não deixei que me acompanhasse, sofri uma aparatosa queda que me aleijou com alguma gravidade. Por tal motivo já tinha desistido de ir apanhar mais, por absoluta incapacidade de o fazer.
Em jeito de consolo dizia-me a Maria Manuela:
- Deixa lá…Vamos comprando uns frascos de conserva para matarmos o desejo!
Claro que as azeitonas em conserva à venda nas superfícies comerciais carregadas de químicos, nada têm a ver com as que nós preparamos em casa escolhidas uma a uma, temperadas em potes de barro com orégãos, louro e sal e com a água pura que vamos apanhar às fontes que abundam na serra.
Provavelmente por saberem que me aleijei e por serem duas pessoas excecionais em todos os sentidos, tomaram a iniciativa que os trouxe cá. No mundo em convulsão e de coisas más que nos entram pela casa dentro todos os dias nos telejornais, encontrar pessoas assim tão generosas e de bom coração enche-nos a alma de conforto e gratidão.
Muitos de vós os conheceis. Mas outros há que nunca os viram nem sabem quem são. Por isso quero deixar aqui registado este seu gesto que para todos nós é uma lição de humildade, de generosidade e de amor pelo próximo. Não é só por esse próximo que eles vieram mimar ser eu, mas porque esse é o seu modo de estarem na vida. Não pensam só neles. Gostam de ajudar, de dividir, de serem prestáveis. E nem os problemas sérios de saúde que afligem ambos os impedem de serem assim altruístas e generosos.
Por isso mesmo o seu gesto não foi um presentinho qualquer. Para mim valeu mais que qualquer outro. Não encontro palavras suficientemente adequadas para exprimir a gratidão e admiração que sinto por ambos. Se todos conseguíssemos imitá-los, se fossemos capazes de olhar com olhos de ver, de fazer uso daquela fraternidade que os impele a cuidar dos outros, de sentirmos mais com o coração do que com a razão como eles, talvez o mundo não estivesse a caminhar para o precipício como está.
Obrigado, compadres amigos. Quando eu for grande, quero ser assim como vocês…