Já não tenho paciência.
Para conversas de chacha, para ouvir falar do que não me interessa minimamente, para escutar quem não me diz nada nem nunca vai dizer, quem só está bem a falar de vidas alheias, de histórias alheias, de pecados alheios.
Já não tenho paciência.
Já não tenho paciência.
Para o preconceito que como todos é ignorante, para quem quer apenas receber coisas, açambarcar coisas, acumular coisas, cargos, poder, dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Já não tenho paciência.
Para algo que não me apaixone, para algo que não ame, que não mexa comigo, que não me arrebate, que não me faça sentir, chorar, saltar, dançar, voar.
Já não tenho paciência.
Para quem nunca admite que falha e perde e tropeça, para quem se julga iluminado, eleito, divino, imortal.
Já não tenho paciência.
Para quem está sempre feliz, sempre focado, sempre bem-sucedido, sempre a pensar bem, sempre com razão, sempre irrepreensível, sempre o maior do seu ramo, da sua casa, da sua rua.
Já não tenho paciência.
Já só quero quem falha como eu, quem cai como eu, quem se engana como eu, quem é insuficiente como eu, defeituoso como eu, quem às vezes está triste, apagado, desmotivado, até infeliz, quem um dia vai morrer como eu.
Já não tenho paciência.
Pedro Chagas Freitas.
In "A raridade das coisas banais"
Foto José Coelho