Na
ribeira que secou
Bebia
o gado que eu tinha;
Quando
chegava à noitinha,
A
voz das águas chamava,
E
o rebanho que pastava
Deixava
os tojos e vinha.
Eu
próprio molhava as mágoas
Na
pureza da nascente;
Metia
as mãos docemente
Na
limpidez da frescura,
E
as caricias da corrente
Davam-me
paz e ternura.
O
gado, farto, bebia;
E
eu deixava-me correr
Naquele
suave prazer
Que
me levava consigo...
Eu
não tinha que fazer,
E
o gado tinha pescigo.
A
noite, então, vinha mansa
Cobrir
a lã das ovelhas;
Era
um telhado de telhas
Furadas
ou embutidas
De
luzes muito vermelhas
Por
todo o céu repartidas.
E
aquela viva irmandade
Do
rebanho e do zagal
Era
ali tão natural
Que
apagava dos sentidos
A
saudade do curral
Feita
de sono e balidos.
Mas
a ribeira secou.
Não
sei que praga lhe deu
Que
no leito onde correu
Há
pedras e maldição...
E
o meu rebanho morreu
De
sede e de mansidão.
Coimbra,
20 de Maio de 1943
Miguel Torga