segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Mais uma voz a clamar no deserto

Quem faz o que pode, a mais não é obrigado!
Foto Maria Coelho

"Que Interior é este a que cada vez menos ligam e poucos se importam? Para onde nos leva a esperança? Que país é este onde uma cidade pesa mais do que todas as outras? Dos 14 mil milhões de euros a fundo perdido do Plano de Recuperação e Resiliência apenas 5% são destinados ao Interior de Portugal. Sim, 5%. Dos 308 Municípios Nacionais, 165 são Territórios do Interior de Portugal, mais de metade, portanto, sendo que todos juntos apenas conseguirão usufruir de 5% da tal bazuca que aí vem. Tem mais força um piloto da TAP que meio milhão de pessoas do Interior. Neste Interior apenas residem cerca de 17% dos jovens portugueses, o que indica, com clareza, que ou se faz algo sério, impactante e credível, ou a morte anunciada será uma cruel realidade. Se este Interior fosse uma imensidão de Terra deserta, sem história e sem Património (cultural, ambiental, arquitectónico e humano), eu ainda compreendia, mas este Interior de Portugal é de uma dimensão patrimonial, a todos os níveis, extraordinária. Séculos e séculos de conhecimento acumulado, utilizado até hoje na cultura dos solos, na preservação do Património Cultural, na arte de fazer acontecer, na particular forma de receber e na renovação permanente da esperança em sobreviver. Deixar morrer este maravilhoso Interior é assassinar parte do que somos, é matar à pedrada a memória dos nossos antepassados, é violar a alma de quem resiste ao tempo. Não lutar por este Interior é não ser inteligente, não ser audaz, não ser capaz. Um dia, nos anais da história, serão muitas as gerações que serão apontadas como os assassinos do Interior, por nada fazerem para o salvar. Um dia, nos anais da história, todos irão perceber que jamais, partido algum, a partir da Capital do Império, se preocupou com este pedaço de Terra e este incomensurável pedaço de gente. O Interior de Portugal merece bem mais atenção do que qualquer Novo Banco ou qualquer TAP, mas sabemos bem que jamais este Interior de Portugal se atreveria a alimentar tantos sanguessugas quanto estas gamelas alimentam. De uma coisa é certa: se os Homens e Mulheres que amam o Interior de Portugal estiverem à espera que alguém da Capital do Império mexa uma palha que seja para mudar este paradigma, mais vale emigrarem para Marte. Cabe a quem ama este pedaço de Território se unir e, a uma só voz, reclamar o que é nosso por direito: igualdade no tratamento e no acesso às ferramentas de desenvolvimento social, cultural e económico. Talvez um dia, quando a água do mar subir desalmadamente, este pedaço de Terra ganhe o valor que lhe é merecido."

Texto: Paulo Costa