Na urgência em Portalegre
Em Santa Maria - Lisboa
Aos 07 de Março de 2015 nasce este blogue que tal como o seu antecessor TocadosCoelhos pretende apenas ser um ponto de encontro e de entretenimento pautando-se sempre pelas regras da isenção, da boa educação e do civismo em geral. Sejam bem-vindos.
Na urgência em Portalegre
Em Santa Maria - Lisboa
Autor(a) desconhecido(a)
Viver numa aldeia deste Portugal
profundo como a minha raiana Beirã tem muitas limitações e inconvenientes mas
tem também algumas vantagens, como, por exemplo, podermos comer cerejas diretamente
da cerejeira (ou outros frutos de época) sem qualquer perigo de contaminação
por químicos. Quando muito, haverá a possibilidade de o fruto conter algum
"marisco" hospedeiro que também precisa alimentar-se e tem direito à
vida. Como dizia o meu avô Zé Lourenço, "mal do bicho que vai para a
barriga d’outro".
Caminho frequentemente pelos campos em redor da aldeia e sei exactamente onde eram as hortas e onde continuam a lutar valentemente pela sua sobrevivência muitas das velhinhas árvores de fruto plantadas pela mão de gente boa que conheci e recordo com saudade. Uma dessas pessoas foi o senhor meu pai, exímio hortelão que tudo o que plantava na terra se multiplicava milagrosamente. As parreiras e oliveiras do nosso quintal foram plantadas por ele, a figueira pingo de mel foi obra do avô Faustino Coelho pai dele, que a plantou no sítio onde ainda continua, tinha eu 16 anos.
Na horta do Cancho de Ruivo há pereiras e macieiras, parreiras moscatel e figueiras de várias raças que são mais velhas "ca mim". Aproveitando a frescura que lhes proporciona a antiga fonte e o enorme tanque de granito – obra dos famosos canteiros de Gáfete que construíram também a lindíssima capela mortuária do nosso cemitério – continuam a lutar pela sua sobrevivência e a dar frutos ano após ano, mesmo parcialmente “abafadas” pelas silvas.
Pelas margens do ribeiro da Cavalinha desde a Beirã até ao Rio Sever já não se vislumbra sequer a terra de muitas dessas antigas e férteis hortas desbravadas a pulso porque foram invadidas pelas giestas, fetos e outro mato, mas em alguns locais ainda se enxergam entre esse mato renovos de videiras semi-bravas que trepam e surgem acima do caos que as envolveu, pereiras, figueiras de várias raças, nogueiras, macieiras e romãzeiras.
Junto às “casetas” onde habitavam as famílias dos “Assentadores” que meticulosa e diariamente tinham a seu cargo a manutenção do Ramal de Cáceres como por exemplo a do Maxial que já nem telhado tem, a poucos metros de distância onde era a horta que os alimentava o ano inteiro, continuam teimosamente de pé figueiras, cerejeiras, marmeleiros e pereiras.
Mais admirável ainda é que continuem também a resistir às décadas de abandono, algumas das flores plantadas pelas mãos das senhoras, esposas e mães d'outrora, pois até essas continuam a desafiar o tempo e a florir ano após ano sem se deixarem vencer. As ruínas da "caseta" do Maxial que referi no parágrafo anterior continuam cercadas de roseiras de duas ou três castas diferentes, sendo uma delas a de Alexandria, que, diz quem sabe, dá a rosa mais perfumada de todas as rosas, perpetuada numa quadra de cariz popular que reza assim:
A rosa para ser rosa/ tem de ser de Alexandria/ a mulher para ser formosa/ tem de chamar-se Maria.
Em cada primavera é admirável o bucólico cenário que exibe simultaneamente a triste casa em ruínas e num contraste totalmente oposto a vida, beleza e cor de todas aquelas roseiras florindo e exalando o seu inigualável perfume em redor. Ano após ano, década após década, completamente indiferentes ao abandono a que foram condenadas. Mas não é só no Maxial que se desenrola este milagre de vida.
No antigo canteiro na casa da minha avó Amélia junto à passagem de nível da Cavalinha as açucenas que ela plantou há mais de 40 anos continuam a nascer, a crescer e a florir em cada final de inverno. Vou lá visitá-las sempre e acaricio-as como se contivessem nelas as santas mãos que as plantaram e que eu amava tanto. A minha surpresa não tem fim por constatar como é possível uma flor aparentemente tão frágil não morrer sem ser tratada e regada debaixo dos nossos tórridos verões e no meio do matagal que cerca a casa.
Reconheço ser uma fantasia nascida da inevitável saudade que muitas vezes me invade a alma mas aquelas flores também denominadas como "bordões de S. José" simbolizam para mim a visita que a avó Amélia vem fazer-me todos os anos. Tão resistente como perfumada e alva, foi ali plantada pelas suas carinhosas mãos e foi ela quem a regou e dela cuidou durante a sua vida. Não é por acaso que sou tão apegado àquele lugar.
Mas...
Este “escrito” deveria ter servido para "dissertar" acerca das limitações e vantagens de vivermos longe da “civilização” mas, sem quase me dar conta, acabei por me deixar envolver na melancolia e silêncio desta tarde. Desculpem!
José Coelho
A origem de muitas das nossas
decepções é pensar que os outros farão por nós aquilo que nós fazemos por eles.
Esperamos sempre a mesma sinceridade, o mesmo respeito e a mesma reciprocidade.
No entanto, isso nem sempre acontece. Os valores que nos definem não são os
mesmos que definem os outros.
Uma maneira simples de
podermos ser mais felizes poderá residir no facto de minimizarmos as nossas
expectativas. Quanto menos nós esperarmos, mais poderemos receber ou encontrar.
É certamente um argumento um tanto controverso, no entanto não deixa de ter a
sua lógica.
“Não esperes nada de ninguém,
espera tudo de ti mesmo, e desse modo o teu coração irá colher menos
decepções.”
Todos nós sabemos que no que
diz respeito às nossas relações é impossível não ter expectativas. Esperamos sempre
que os outros tenham comportamentos iguais aos nossos e desejamos ser amados,
defendidos e valorizados como amamos, defendemos e valorizamos. Mas isso não
impede que muitas vezes estas previsões falhem. Quem espera muito dos outros
geralmente acaba desiludido.
Não é errado procurar o lado
bom das pessoas. Temos o direito de tentar encontrá-lo e até mesmo de promovê-lo,
mas com alguma cautela, porque a decepção é irmã das expectativas elevadas. Por
isso é mais apropriado não nos deslumbrarmos antes de tempo.
As aparências não costumam
enganar, o que muitas vezes costuma falhar são as nossas expectativas acerca dos
outros.
Podemos esperar muito dos demais
mas o certo é esperar sempre mais de nós mesmos.
Para ajudar a deixarmos de
esperar muito das pessoas ao nosso redor, lembremo-nos do seguinte: Ninguém é
perfeito. Nem sequer nós somos. Se fôssemos agradar às expectativas que os
outros têm sobre nós, viveríamos stressados e infelizes. Por vezes é
impossível, ninguém é um exemplo de perfeição ou de virtude absoluta. Basta
respeitarmo-nos uns aos outros e exercer a reciprocidade da forma mais humilde
possível.
Nem sempre temos que receber
algo em troca. Às vezes o melhor é aceitar que os outros são como são e que nem
sempre vão fazer por nós aquilo que nós estamos dispostos a fazer por eles. E,
claro, existem sempre aquelas pessoas que simplesmente não valem a pena. Que
não nos respeitam nem nos merecem na sua vida.
Nesses casos é necessário
desapegarmo-nos, por mais difícil que possa ser. Para concluir, quanto menos
esperarmos, mais surpresas poderemos ter. Dessa forma seremos um pouco mais
livres e a nossa felicidade será menos dependente do comportamento dos outros.
Somos todos falíveis, somos
todos seres imperfeitos que tentam viver num mundo onde, por vezes, as decepções
são inevitáveis, mas no qual também habitam o amor sincero e as amizades
duradouras.
V. Sabater
Andamos neste pandémico sobressalto desde Fevereiro de 2020. Primeiro
foi-nos dito que o vírus andava lá para a China mas dificilmente iria cá chegar – ouvi-o pessoalmente na tv à Doutora Graça Freitas
da DGS. Porém, em menos de um ai, o mundo inteiro gemia aflito com milhares de
mortos e centenas de milhares de infetados à escala global numa assustadora,
descontrolada e alucinante escalada diária. Em Espanha e na Itália então, foi pura
e simplesmente indescritível.
Assistimos estupefactos ao encerramento de toda a atividade
aérea, marítima e terrestre, de todos os serviços públicos e particulares, fomos
mandados ficar fechados em casa e proibidos de circular nas vias públicas numa
reviravolta total do quotidiano nas nossas vidas. Parece que foi há muito tempo,
mas tão só e apenas há dois meses estávamos encerrados nos domicílios pelos
desmandos natalícios que eclodiram ferozmente em fevereiro e quase provocaram a
rotura do SNS.
Dificilmente serão esquecidas as dramáticas imagens de pirilampos
de mais de cinquenta ambulâncias a esperar longuíssimas horas pelo atendimento à
portas das urgências dos maiores hospitais das nossas cidades. Deu para
perceber que a coisa era mesmo séria, perigosa, letal. Mas como sempre, só nos
lembramos de Santa Bárbara quando ouvimos trovões. Assim que o controlo afrouxa
um pouco, lá vamos aos magotes para todo o lado, descurando displicentemente a
maior parte das medidas preventivas.
Não há volta a dar. Viu-se quanto nos esquecemos dos dias
ruins quando o nosso clube do coração alcança um título. Vimos, não tão
descontrolado mas também em Fátima ontem, quando no recinto de oração se cumpriam
sim senhor as regras, mas em redor do santuário ficaram aos magotes e sem
qualquer controlo outros sete mil e quinhentos peregrinos ou mais. E a responsabilidade
não pode ser imputada só ao governo, às autoridades, à organização dos eventos.
Ela é dever de todos nós.
Se em nossas casas, nas nossas famílias sabemos gerir o dia a
dia por forma a que todos vivamos bem, confortáveis e protegidos, na vida em
sociedade temos que fazer exatamente o mesmo. Respeitar e cumprir as regras,
preocuparmo-nos uns com os outros e seguir as indicações sobejamente
difundidas para que o bem-estar comum seja um facto adquirido, extensivo a
todos e a cada um. Se tal tivesse sido cumprido, seguramente teria havido menos
fatalidades, menor necessidade de estados de emergência, menos transtornos.
Mais de um ano de solidão para tantos idosos que se viram
impedidos de contactar pessoalmente com os seus entes queridos, familiares, vizinhos
ou conhecidos nossos que partiram inesperadamente atingidos pela letal infeção,
vidas suspensas, negócios e empregos afetados, enfim um mar de problemas que
deveriam ter-nos alertado para a nossa frágil condição humana, para o quanto
somos vulneráveis e expostos a qualquer inesperada adversidade, vinda assim, ninguém
sabe muito bem quando ou de onde, como sucedeu com a Covid19.
Vivemos no século XXI, o mundo e a ciência evoluíram
extraordinariamente mas a verdade que mais se evidenciou é que este mesmo mundo
e ciência foram apanhados de surpresa e ficaram perplexos não só com a letalidade
do novo coronavírus, como ainda com a rapidez como se propagava por todo o
planeta, no espaço de apenas pouquíssimas semanas. Não havia, manifestamente,
forma de conter a sua propagação pandémica, nem de impedir que chegasse a todos
os continentes como chegou. Nunca antes, repito, a fragilidade da nossa
condição humana tinha sido tão evidenciada.
No silêncio que se abateu sobre as nossas cidades, vilas e
aldeias durante os longos confinamentos a que fomos submetidos, deveríamos ter
aprendido alguma coisa, deveríamos ter refletido na forma como vivemos e nos nossos
comportamos quer em família quer em sociedade, tirar ilações do que fazemos menos
bem e deveríamos tentar fazer melhor, que não vivemos isolados mas em comunidade
e por isso necessitamos todos uns dos outros.
Pela parte que me tocou e em longos passeios pelos campos,
refleti bastante. A solidão nunca me perturbou, muito pelo contrário, gosto
mais do silêncio puro da natureza do que do ruído de falsas falas e duvidosas
intenções que tantas vezes nos cercam. Patriarca desta Família Coelho, herdei
dos meus antepassados valores e princípios que sempre tentei seguir, só não sei
se sempre os consegui cumprir, mas sei, tenho a certeza que, pelo menos, sempre
me esforcei por isso. E um dos valores que me foi entranhado, foi precisamente
o da Família.
Habituado a ter em casa os meus comigo regularmente, o que
mais me custou foi a sua constante ausência durante meses a fio. Jamais poderia
imaginar que iríamos passar duas páscoas e um natal longe uns dos outros sem nos
podermos abraçar e confraternizar. Do mal o menos, apenas um dos filhos foi
ligeiramente atingido pela infeção tendo que fazer a obrigatória quarentena
mas sem ter contagiado quer a esposa quer a filha e também sem quaisquer outras
consequências em termos do seu bem-estar físico. Não passou de um sobressalto
que nos causou alguma apreensão, mas apenas isso.
Cumprimos responsavelmente de comum acordo e sem hesitar todas as regras e recomendações das autoridades. Por isso me custa tanto entender
porque carga d’água tantos outros não foram capazes de fazer como nós. Não por
medo de morrer mas pelo respeito às indicações de quem geria a situação, pela nossa saúde e pela dos outros, pelos mais
elementares deveres cívicos e de cidadania que a cada um de nós é exigido. Esperemos que desta vez as coisas corram
melhor e não tenhamos que regredir. Porém, suceda o que suceder, é minha profunda
convicção que a sociedade em geral continua a navegar num profundo défice em
termos de aprendizagem.
José Coelho
14.05.2021