segunda-feira, 31 de maio de 2021

O perigo (quase) dentro de casa

Imagem da net

Era igualzinha a esta, a víbora que na passada sexta-feira por volta das 19,30 dia 28 de Maio mordeu a minha esposa, em pleno lajeado marmoreado que separa a varanda traseira do resto do nosso quintal. Nasci nesta casa onde moro, há 69 anos, aqui fui criado mais as minhas irmãs e nunca vimos neste quintal nenhuma destas péssimas "vizinhas". 

NUNCA!

Sempre ouvimos falar nelas e na sua perigosidade, mas nunca vimos por aqui nenhuma. Já não nos basta o isolamento e o abandono a que somos votados por quem decide os nossos destinos coletivos, senão ainda nos sucedem estas barbaridades a quilómetros de tudo o que faz falta nestas situações.

Eu estava na cozinha a ajudar nas tarefas pré-jantar como sempre faço, enquanto a "patroa" foi levar o comedouro de trinca de arroz com aparas de carne à nossa Suri, a guardiã rafeira alentejana desta propriedade. De súbito ouvi um grito aflitivo:  

- Zé! Zé! Acode aqui que uma cobra pulou-me para cima e picou-me!

Corri aflito também porque percebi imediatamente que cobra que pula e ao mesmo tempo "pica" só existe por aqui uma: A venenosa víbora cornuda. Vi a cadela Suri que com certeza acudiu também aos gritos aflitivos da dona que tão bem cuida dela, tentando abocanhar a víbora ainda enrolada e sem se deixar intimidar com as tentativas de a morder também.

No momento seguinte o assunto estava resolvido. E lá estavam já, dos dois pequeninos orifícios dos dentes da velhaca, a escorrerem dois fiozinhos de sangue pelo tornozelo abaixo da agredida que nem se apercebeu de onde saiu aquela malvada em pleno acesso da varanda. Corri a espremer a mordedura o mais que pude, chamei o 112 e lá fomos logo quase em seguida para o Hospital de Portalegre.


Na urgência em Portalegre

Em Santa Maria - Lisboa


Mas... 

Tem de haver sempre um mas, quando as coisas já são más. O Hospital de Portalegre não tem lá o imprescindível antídoto que, quanto mais cedo for administrado após a picada, maior é a sua eficácia. E lá teve que ir a minha companheira para outra ambulância, já acometida das intensas náuseas que o veneno da víbora provoca, a caminho do Hospital de Santa Maria em Lisboa a 250 quilómetros de distância, para lhe ser ministrado o dito-cujo antídoto, oito horas depois de ter sido mordida. 

Pedi para a acompanhar e dar-lhe algum apoio. Não pude. "Vai só o motorista da ambulância e o enfermeiro". Regras da Covid! E lá foi, sabe Deus como, e lá ficou internada até hoje. Está neste momento a ter alta com algumas recomendações para qualquer possível sintoma que ainda possa surgir. "Se sentir febre, se isto e mais aquilo, venha imediatamente para cá". E se tudo continuar a correr bem, tem que vir à consulta no dia xis...

Moramos na terra das víboras cornudas mas a centenas de quilómetros de onde inexplicavelmente mora o antídoto para neutralizar o veneno delas. Como vamos arriscar voltar para casa? E se algo corre ainda mal? Se ela, coitada nem consegue (e nem deve) pousar o pé no chão, como vai ser pra cá e pra lá nestas andanças? Felizmente os filhotes Caçulas moram a vinte minutos de viagem do Hospital de Santa Maria. Há que aceitar a ajuda e a hospitalidade que eles disponibilizam sempre generosamente.

Duas palavras de profunda gratidão, para terminar:

A primeira, para tantíssimas pessoas que nos contactaram a dar força e a desejar rápidas melhoras assim que a notícia se espalhou. Por telefone, telemóvel, pessoalmente e pela internet. Não imaginávamos que temos tanta gente amiga. Obrigado Concelho de Marvão e tudo à volta. Apesar destes percalços que não desejo a ninguém, é aqui, convosco, o nosso lugar.

A segunda palavra de agradecimento vai para o Serviço de Urgência do Hospital de Portalegre onde fomos imediatamente e muito bem atendidos, desde o momento que lá entrámos até que a doente foi evacuada para Lisboa. No guichet, pelos profissionais de enfermagem e auxiliares, e, finalmente pelo médico de serviço que se manifestou completamente indignado por não ter ali o que mais necessitava: O antídoto. 

Disse-me apenas: - Sabe? Isto é uma guerra já antiga...

Tenham cuidado porque "vox populi, vox dei" diz que andam a largar por aí bicheza desta por toda a parte! Andam? Não sei. Mas sei que nasci, me criei e casei nesta casa e nunca em mais de sessenta anos de vida, avistei estas "pestes" e muito menos no meu quintal. Quem as acha muito engraçadas e necessárias ao equilíbrio da natureza que as leve lá para os arredores das suas casas e tome conta delas. 

Ah e tal, elas só mordem se forem incomodadas. Uma ova! A minha esposa não a viu, não lhe tocou, não podia sequer imaginar que quase dentro da sua casa estava essa porcaria. Ia a passar e só deu conta da sua presença quando ela saltou de onde estava e a mordeu no tornozelo. Teorias há muitas, mas os factos são bem mais credíveis e verdadeiros. Cuidado que elas abundam por aí.

José Coelho
31.05.2021

domingo, 30 de maio de 2021

Quando os pais envelhecem

Almoço da Tuna Sénior de Marvão - 2019

DEIXA-OS VIVER…
Deixa-os envelhecer com o mesmo amor com que eles te deixaram crescer…
Deixa-os falar e contar repetidamente as histórias com a mesma paciência e interesse que eles escutaram as tuas quando eras criança…
Deixa-os vencer, como tantas vezes eles te deixaram ganhar…
Deixa-os conviver com os seus amigos, conversar com os seus netos…
Deixa-os viver entre as coisas que os acompanharam ao longo do tempo para não sentirem que lhes arrancas pedaços das suas vidas…
Deixa-os enganarem-se, como tantas vezes tu te enganaste…
Deixa-os viver e ajuda-os a serem felizes na última parte do caminho que lhes falta percorrer, do mesmo modo que eles te deram a mão quando iniciavas o teu.

Autor(a) desconhecido(a) 

Desiderata


Por do sol na Beirã - Foto José Coelho


Vai serenamente por entre a agitação e a pressa,
lembra-te da paz que pode haver no silêncio.
Sem seres subserviente, mantém-te, tanto quanto possível, em boas relações com todos.
Diz a tua verdade calma e claramente
e escuta com atenção os outros,
mesmo que menos dotados e ignorantes.
Também eles têm a sua história.
Evita as pessoas barulhentas e agressivas,
são mortificações para o espírito.
Se te comparas com os outros,
podes tornar-te presunçoso e melancólico,
porque haverá sempre pessoas superiores e inferiores a ti.
Apraz-te com as tuas realizações tanto como com os teus planos,
põe todo o interesse na tua carreira ainda que ela seja humilde,
é um bem real nos destinos notáveis do tempo.
Usa de prudência nos teus negócios,
porque o mundo está cheio de astúcia,
mas que isso não te cegue a ponto de não veres virtude onde ela existe.
Muitas pessoas lutam por altos ideais
e em todo o lado a vida está cheia de heroísmo.
Sê fiel a ti mesmo.
Sobretudo, não simules afeição,
nem sejas cínico em relação ao amor,
porque em face da aridez e do desencanto,
ele é perene como a relva.
Toma amavelmente o conselho dos mais idosos,
renunciando com graciosidade às ideias da juventude.
Educa a fortaleza de espírito para que te salvaguarde de uma inesperada desdita.
Mas não te atormentes com fantasias. Muitos receios surgem da fadiga e da solidão.
Para além de uma disciplina salutar,
sê gentil contigo mesmo.
Tu és um filho do Universo e tal como as árvores e as estrelas,
tens o direito de o habitar.
E quer isto seja ou não claro para ti,
sem dúvida que o Universo,
é-te disto revelador.
Portanto, vive em paz com Deus,
seja qual for a ideia que Dele tiveres.
E, quaisquer que sejam as tuas lutas e aspirações
na ruidosa confusão da vida,
conserva-te em paz com a tua alma.
Com toda a sua falsidade,
escravidão e sonhos desfeitos,
o Mundo é ainda maravilhoso.
Sê cauteloso,
luta para seres feliz…


Max Ehrmann 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Coisas que escrevi noutro "sítio"

Cerejas semi-silvestres acabadas de colher pela minha companheira
Foto José Coelho

Viver numa aldeia deste Portugal profundo como a minha raiana Beirã tem muitas limitações e inconvenientes mas tem também algumas vantagens, como, por exemplo, podermos comer cerejas diretamente da cerejeira (ou outros frutos de época) sem qualquer perigo de contaminação por químicos. Quando muito, haverá a possibilidade de o fruto conter algum "marisco" hospedeiro que também precisa alimentar-se e tem direito à vida. Como dizia o meu avô Zé Lourenço, "mal do bicho que vai para a barriga d’outro".


Caminho frequentemente pelos campos em redor da aldeia e sei exactamente onde eram as hortas e onde continuam a lutar valentemente pela sua sobrevivência muitas das velhinhas árvores de fruto plantadas pela mão de gente boa que conheci e recordo com saudade. Uma dessas pessoas foi o senhor meu pai, exímio hortelão que tudo o que plantava na terra se multiplicava milagrosamente. As parreiras e oliveiras do nosso quintal foram plantadas por ele, a figueira pingo de mel foi obra do avô Faustino Coelho pai dele, que a plantou no sítio onde ainda continua, tinha eu 16 anos.


Na horta do Cancho de Ruivo há pereiras e macieiras, parreiras moscatel e figueiras de várias raças que são mais velhas "ca mim". Aproveitando a frescura que lhes proporciona a antiga fonte e o enorme tanque de granito – obra dos famosos canteiros de Gáfete que construíram também a lindíssima capela mortuária do nosso cemitério – continuam a lutar pela sua sobrevivência e a dar frutos ano após ano, mesmo parcialmente “abafadas” pelas silvas.


Pelas margens do ribeiro da Cavalinha desde a Beirã até ao Rio Sever  já não se vislumbra sequer a terra de muitas dessas antigas e férteis hortas desbravadas a pulso porque foram invadidas pelas giestas, fetos e outro mato, mas em alguns locais ainda se enxergam entre esse mato renovos de videiras semi-bravas que trepam e surgem acima do caos que as envolveu, pereiras, figueiras de várias raças, nogueiras, macieiras e romãzeiras.


Junto às “casetas” onde habitavam as famílias dos “Assentadores” que meticulosa e diariamente tinham a seu cargo a manutenção do Ramal de Cáceres como por exemplo a do Maxial que já nem telhado tem, a poucos metros de distância onde era a horta que os alimentava o ano inteiro, continuam teimosamente de pé  figueiras, cerejeiras, marmeleiros e pereiras. 


Mais admirável ainda é que continuem também a resistir às décadas de abandono, algumas das flores plantadas pelas mãos das senhoras, esposas e mães d'outrora, pois até essas continuam a desafiar o tempo e a florir ano após ano sem se deixarem vencer. As ruínas da "caseta" do Maxial que referi no parágrafo anterior continuam cercadas de roseiras de duas ou três castas diferentes, sendo uma delas a de Alexandria, que, diz quem sabe, dá a rosa mais perfumada de todas as rosas, perpetuada numa quadra de cariz popular que reza assim:


A rosa para ser rosa/ tem de ser de Alexandria/ a mulher para ser formosa/ tem de chamar-se Maria.


Em cada primavera é admirável o bucólico cenário que exibe simultaneamente a triste casa em ruínas e num contraste totalmente oposto a vida, beleza e cor de todas aquelas roseiras florindo e exalando o seu inigualável perfume em redor. Ano após ano, década após década, completamente indiferentes ao abandono a que foram condenadas.  Mas não é só no Maxial que se desenrola este milagre de vida.


No antigo canteiro na casa da minha avó Amélia junto à passagem de nível da Cavalinha as açucenas que ela plantou há mais de 40 anos continuam a nascer, a crescer e a florir em cada final de inverno. Vou lá visitá-las sempre e acaricio-as como se contivessem nelas as santas mãos que as plantaram e que eu amava tanto. A minha surpresa não tem fim por constatar como é possível uma flor aparentemente tão frágil não morrer sem ser tratada e regada debaixo dos nossos tórridos verões e no meio do matagal que cerca a casa. 


Reconheço ser uma fantasia nascida da inevitável saudade que muitas vezes me invade a alma mas aquelas flores também denominadas como "bordões de S. José" simbolizam para mim a visita que a avó Amélia vem fazer-me todos os anos. Tão resistente como perfumada e alva, foi ali plantada pelas suas carinhosas mãos e foi ela quem a regou e dela cuidou durante a sua vida. Não é por acaso que sou tão apegado àquele lugar. 


Mas...


Este “escrito” deveria ter servido para "dissertar" acerca das limitações e vantagens de vivermos longe da “civilização” mas, sem quase me dar conta, acabei por me deixar envolver na melancolia e silêncio desta tarde. Desculpem!


José Coelho

Sempre fiz, mas nem sempre foi fácil...

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Boa semana!

Triskle - Símbolo Celta que evoca  os elementos da Natureza
Água - Terra - Fogo - Ar

Antiga Benção Celta

- Que o caminho venha ao teu encontro, que o vento sopre sempre às tuas costas e a chuva caia suave sobre os teus campos.
- Que até voltarmos a encontrar-nos Deus te sustente suavemente na palma de Sua mão.
- Que vivas todo o tempo que quiseres, e que sempre vivas plenamente.
- Lembra-te sempre de esquecer as coisas que te entristeceram, mas não esqueças de te lembrar das coisas que te alegraram.
- Lembra-te sempre de esquecer os amigos que se revelaram falsos, mas nunca deixes de lembrar aqueles que permaneceram fiéis.
- Lembra sempre de esquecer os problemas que já passaram, mas não deixes de lembrar das bençãos de cada dia.
- Que o dia mais triste do teu futuro, não seja pior que o mais feliz do teu passado.
- Que o teto nunca caia sobre ti, e que os amigos debaixo dele nunca partam.
- Que sempre tenhas palavras cálidas num anoitecer frio, uma lua cheia numa noite escura, e que um caminho se abra sempre à tua porta.
- Que vivas cem anos, com um ano extra para arrepender-te.
- Que o Senhor te guarde em Suas mãos, e não aperte muito Seus dedos.
- Que teus vizinhos te respeitem, que os problemas te abandonem, os anjos te protejam, e o céu te acolha.
- E que a sorte das colinas celtas te abrace.
- Que as bençãos de São Patrício te contemplem.
- Que teus bolsos estejam pesados, e o teu coração leve.
- Que a boa sorte te persiga, e a cada dia e cada noite tenhas um muro contra o vento, um teto para a chuva, bebidas junto ao fogo, risadas que consolem aqueles a quem amas, e que teu coração se preencha com tudo o que desejas.
- Que Deus esteja contigo e te abençoe, que vejas os filhos dos teus filhos, que o infortúnio te seja breve e que te deixe cheio de bençãos.
- Que não conheças nada além da felicidade deste dia em diante.
- Que Deus te conceda muitos anos de vida. Com certeza Ele sabe que a Terra não tem anjos suficientes.
E assim seja a cada ano, para sempre.

domingo, 16 de maio de 2021

Reflexões que instruem e ajudam

Foto Pedro Coelho

A origem de muitas das nossas decepções é pensar que os outros farão por nós aquilo que nós fazemos por eles. Esperamos sempre a mesma sinceridade, o mesmo respeito e a mesma reciprocidade. No entanto, isso nem sempre acontece. Os valores que nos definem não são os mesmos que definem os outros.

 

Uma maneira simples de podermos ser mais felizes poderá residir no facto de minimizarmos as nossas expectativas. Quanto menos nós esperarmos, mais poderemos receber ou encontrar. É certamente um argumento um tanto controverso, no entanto não deixa de ter a sua lógica.

 

“Não esperes nada de ninguém, espera tudo de ti mesmo, e desse modo o teu coração irá colher menos decepções.”

 

Todos nós sabemos que no que diz respeito às nossas relações é impossível não ter expectativas. Esperamos sempre que os outros tenham comportamentos iguais aos nossos e desejamos ser amados, defendidos e valorizados como amamos, defendemos e valorizamos. Mas isso não impede que muitas vezes estas previsões falhem. Quem espera muito dos outros geralmente acaba desiludido.

 

Não é errado procurar o lado bom das pessoas. Temos o direito de tentar encontrá-lo e até mesmo de promovê-lo, mas com alguma cautela, porque a decepção é irmã das expectativas elevadas. Por isso é mais apropriado não nos deslumbrarmos antes de tempo.

 

As aparências não costumam enganar, o que muitas vezes costuma falhar são as nossas expectativas acerca dos outros.

 

Podemos esperar muito dos demais mas o certo é esperar sempre mais de nós mesmos.

 

Para ajudar a deixarmos de esperar muito das pessoas ao nosso redor, lembremo-nos do seguinte: Ninguém é perfeito. Nem sequer nós somos. Se fôssemos agradar às expectativas que os outros têm sobre nós, viveríamos stressados e infelizes. Por vezes é impossível, ninguém é um exemplo de perfeição ou de virtude absoluta. Basta respeitarmo-nos uns aos outros e exercer a reciprocidade da forma mais humilde possível.

 

Nem sempre temos que receber algo em troca. Às vezes o melhor é aceitar que os outros são como são e que nem sempre vão fazer por nós aquilo que nós estamos dispostos a fazer por eles. E, claro, existem sempre aquelas pessoas que simplesmente não valem a pena. Que não nos respeitam nem nos merecem na sua vida.

 

Nesses casos é necessário desapegarmo-nos, por mais difícil que possa ser. Para concluir, quanto menos esperarmos, mais surpresas poderemos ter. Dessa forma seremos um pouco mais livres e a nossa felicidade será menos dependente do comportamento dos outros.

 

Somos todos falíveis, somos todos seres imperfeitos que tentam viver num mundo onde, por vezes, as decepções são inevitáveis, mas no qual também habitam o amor sincero e as amizades duradouras.

 

V. Sabater

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Não aprendemos nada

Foto José Coelho

Andamos neste pandémico sobressalto desde Fevereiro de 2020. Primeiro foi-nos dito que o vírus andava lá para a China mas dificilmente iria cá chegar – ouvi-o pessoalmente na tv à Doutora Graça Freitas da DGS. Porém, em menos de um ai, o mundo inteiro gemia aflito com milhares de mortos e centenas de milhares de infetados à escala global numa assustadora, descontrolada e alucinante escalada diária. Em Espanha e na Itália então, foi pura e simplesmente indescritível.

Assistimos estupefactos ao encerramento de toda a atividade aérea, marítima e terrestre, de todos os serviços públicos e particulares, fomos mandados ficar fechados em casa e proibidos de circular nas vias públicas numa reviravolta total do quotidiano nas nossas vidas. Parece que foi há muito tempo, mas tão só e apenas há dois meses estávamos encerrados nos domicílios pelos desmandos natalícios que eclodiram ferozmente em fevereiro e quase provocaram a rotura do SNS.

Dificilmente serão esquecidas as dramáticas imagens de pirilampos de mais de cinquenta ambulâncias a esperar longuíssimas horas pelo atendimento à portas das urgências dos maiores hospitais das nossas cidades. Deu para perceber que a coisa era mesmo séria, perigosa, letal. Mas como sempre, só nos lembramos de Santa Bárbara quando ouvimos trovões. Assim que o controlo afrouxa um pouco, lá vamos aos magotes para todo o lado, descurando displicentemente a maior parte das medidas preventivas.

Não há volta a dar. Viu-se quanto nos esquecemos dos dias ruins quando o nosso clube do coração alcança um título. Vimos, não tão descontrolado mas também em Fátima ontem, quando no recinto de oração se cumpriam sim senhor as regras, mas em redor do santuário ficaram aos magotes e sem qualquer controlo outros sete mil e quinhentos peregrinos ou mais. E a responsabilidade não pode ser imputada só ao governo, às autoridades, à organização dos eventos. Ela é dever de todos nós.

Se em nossas casas, nas nossas famílias sabemos gerir o dia a dia por forma a que todos vivamos bem, confortáveis e protegidos, na vida em sociedade temos que fazer exatamente o mesmo. Respeitar e cumprir as regras, preocuparmo-nos uns com os outros e seguir as indicações sobejamente difundidas para que o bem-estar comum seja um facto adquirido, extensivo a todos e a cada um. Se tal tivesse sido cumprido, seguramente teria havido menos fatalidades, menor necessidade de estados de emergência, menos transtornos.

Mais de um ano de solidão para tantos idosos que se viram impedidos de contactar pessoalmente com os seus entes queridos, familiares, vizinhos ou conhecidos nossos que partiram inesperadamente atingidos pela letal infeção, vidas suspensas, negócios e empregos afetados, enfim um mar de problemas que deveriam ter-nos alertado para a nossa frágil condição humana, para o quanto somos vulneráveis e expostos a qualquer inesperada adversidade, vinda assim, ninguém sabe muito bem quando ou de onde, como sucedeu com a Covid19.

Vivemos no século XXI, o mundo e a ciência evoluíram extraordinariamente mas a verdade que mais se evidenciou é que este mesmo mundo e ciência foram apanhados de surpresa e ficaram perplexos não só com a letalidade do novo coronavírus, como ainda com a rapidez como se propagava por todo o planeta, no espaço de apenas pouquíssimas semanas. Não havia, manifestamente, forma de conter a sua propagação pandémica, nem de impedir que chegasse a todos os continentes como chegou. Nunca antes, repito, a fragilidade da nossa condição humana tinha sido tão evidenciada.

No silêncio que se abateu sobre as nossas cidades, vilas e aldeias durante os longos confinamentos a que fomos submetidos, deveríamos ter aprendido alguma coisa, deveríamos ter refletido na forma como vivemos e nos nossos comportamos quer em família quer em sociedade, tirar ilações do que fazemos menos bem e deveríamos tentar fazer melhor, que não vivemos isolados mas em comunidade e por isso necessitamos todos uns dos outros.

Pela parte que me tocou e em longos passeios pelos campos, refleti bastante. A solidão nunca me perturbou, muito pelo contrário, gosto mais do silêncio puro da natureza do que do ruído de falsas falas e duvidosas intenções que tantas vezes nos cercam. Patriarca desta Família Coelho, herdei dos meus antepassados valores e princípios que sempre tentei seguir, só não sei se sempre os consegui cumprir, mas sei, tenho a certeza que, pelo menos, sempre me esforcei por isso. E um dos valores que me foi entranhado, foi precisamente o da Família.

Habituado a ter em casa os meus comigo regularmente, o que mais me custou foi a sua constante ausência durante meses a fio. Jamais poderia imaginar que iríamos passar duas páscoas e um natal longe uns dos outros sem nos podermos abraçar e confraternizar. Do mal o menos, apenas um dos filhos foi ligeiramente atingido pela infeção tendo que fazer a obrigatória quarentena mas sem ter contagiado quer a esposa quer a filha e também sem quaisquer outras consequências em termos do seu bem-estar físico. Não passou de um sobressalto que nos causou alguma apreensão, mas apenas isso.

Cumprimos responsavelmente de comum acordo e sem hesitar todas as regras e recomendações das autoridades. Por isso me custa tanto entender porque carga d’água tantos outros não foram capazes de fazer como nós. Não por medo de morrer mas pelo respeito às indicações de quem geria a situação, pela nossa saúde e pela dos outros, pelos mais elementares deveres cívicos e de cidadania que a cada um de nós é exigido. Esperemos que desta vez as coisas corram melhor e não tenhamos que regredir. Porém, suceda o que suceder, é minha profunda convicção que a sociedade em geral continua a navegar num profundo défice em termos de aprendizagem.

 

José Coelho

14.05.2021