sexta-feira, 22 de maio de 2020

Juntos de novo...

Ponto de encontro ancestral da Família - Foto José Coelho


Nada fazia mais feliz o meu pai, o ti Pexorra. Mulher, filhas, filho, genros e nora, netas e netos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, sogros ou mesmo até alguns primos chegados ou mais afastados. Para todos havia um lugarzinho no seu coração, para todos havia sempre também um lugar na sua casa, à sua volta, à sua (nem sempre farta) mesa ou ao redor do lume naquela belíssima e espaçosa chaminé que tinha a nossa cozinha para os serões frios do inverno.


No verão, era na varanda do quintal que tinham lugar as tertúlias familiares já que o calor convidava a procurar ali o fresquinho da noite. Não muito dado a grandes conversas, mimos ou sorrisos, era o senhor meu pai quase sempre portador de um semblante sério, sisudo, a dar assim para o mal encaradito às vezes. Mas isso nunca o impediu de ter bom íntimo e de ser capaz de dar a camisa que trazia vestida a quem dela necessitasse mais do que ele.


Herdei dele, com certeza, esta apetência viral para reunir a família regularmente cá em casa. Quantos mais, melhor. Nada me dá mais prazer. Filhos, noras, netas, irmãs, cunhados, sobrinhos ou tios, algumas vezes também alguns bons amigos com as respectivas famílias, pese embora sejamos por estas bandas cada vez menos, quer da hoste familiar, quer da dos amigos, já que não vai sobrando ninguém...


Continua ainda assim a ser sempre uma enorme satisfação quando na agenda de compromissos dos poucos que ainda por aqui restamos fica marcado que "tal dia" (normalmente aos fins de semana ou feriados) vai sair um arroz de pato, uma favada com chouriço, umas sopas de cachola, um pernil assado no forno, umas migas com toucinho frito, ou apenas uma sopa caseira de couves do quintal com ossos da soã curtidos em sal à moda da nossa mãe. Normalmente estes "petiscos" são um repescar de memórias e sabores que nos ajudam a viajar no tempo para irmos ao encontro daquele em que fomos tão felizes e não sabíamos.


Com os filhos casados e cada um em sua casa longe de nós, com a debandada de duas irmãs, uma para a cidade e a outra para o estrangeiro com os filhos e os netos, restamos por aqui só eu e a minha companheira de uma quase vida inteira a morar ao "cimo da aldeia". Resta também a caçula Joaquina com o seu Zé a morarem "na parte de baixo da linha" uma vez que as duas filhas de ambos "voaram" já também do ninho na procura de uma melhor vida longe daqui.


Não é fácil conseguir reunir por isso mesmo todo o clã, o que por vezes me deixa melancólico. Mas, tal como diz a Mariza na sua canção, "o tempo não pára e a gente só repara quando já passou". Eu reparo particularmente que a última década da minha vida não passou. Voou. Literalmente. E tantas, mas tantas coisas boas e menos boas aconteceram, que, definitivamente, não sou, nem voltarei a ser nunca mais, a pessoa que fui.


Vivo agora sem projectos e os sonhos também já estão todos sonhados. Por isso vou vivendo um dia de cada vez e tentando adaptar-me a este tempo que, de tão esquisito, se torna lento e infindável. O fim de semana vai ser particularmente bom para mim. Reunir à volta de um almoço e de um jantar cá em casa seis adultos e três meninas, é muito bom mesmo. Nos tempos que correm, reunir nove alminhas em convívio, é quase reunir uma multidão. Duas dessas crianças são as minhas netinhas. A Francisca e a Mariana. Lindas como só elas. E ambas parecem gostar muito de mim. A Filipa já quase uma senhorinha é irmã de mãe da caçulinha, mas para nós é mais uma netinha de coração a quem sinceramente e de igual modo amamos... 


José Coelho - 22.05.2020 in Histórias do Cota - O sagrado culto da Família.
(Excerto do texto original que adaptei ao presente fim de semana depois de mais de dois meses confinados sem nos podermos visitar, ver ou abraçar).