Ponto de encontro ancestral da Família - Foto José Coelho
Nada
fazia mais feliz o meu pai, o ti Pexorra. Mulher, filhas, filho, genros e nora,
netas e netos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, sogros ou mesmo até
alguns primos chegados ou mais afastados. Para todos havia um lugarzinho no seu
coração, para todos havia sempre também um lugar na sua casa, à sua volta, à
sua (nem sempre farta) mesa ou ao redor do lume naquela belíssima e espaçosa
chaminé que tinha a nossa cozinha para os serões frios do inverno.
No
verão, era na varanda do quintal que tinham lugar as tertúlias familiares já
que o calor convidava a procurar ali o fresquinho da noite. Não muito dado a
grandes conversas, mimos ou sorrisos, era o senhor meu pai quase sempre
portador de um semblante sério, sisudo, a dar assim para o mal encaradito às
vezes. Mas isso nunca o impediu de ter bom íntimo e de ser capaz de dar a
camisa que trazia vestida a quem dela necessitasse mais do que ele.
Herdei
dele, com certeza, esta apetência viral para reunir a família regularmente cá
em casa. Quantos mais, melhor. Nada me dá mais prazer. Filhos, noras, netas,
irmãs, cunhados, sobrinhos ou tios, algumas vezes também alguns bons amigos com
as respectivas famílias, pese embora sejamos por estas bandas cada vez menos,
quer da hoste familiar, quer da dos amigos, já que não vai sobrando ninguém...
Continua
ainda assim a ser sempre uma enorme satisfação quando na agenda de compromissos
dos poucos que ainda por aqui restamos fica marcado que "tal dia"
(normalmente aos fins de semana ou feriados) vai sair um arroz de pato, uma
favada com chouriço, umas sopas de cachola, um pernil assado no forno, umas
migas com toucinho frito, ou apenas uma sopa caseira de couves do quintal com
ossos da soã curtidos em sal à moda da nossa mãe. Normalmente estes
"petiscos" são um repescar de memórias e sabores que nos ajudam a
viajar no tempo para irmos ao encontro daquele em que fomos tão felizes e não
sabíamos.
Com
os filhos casados e cada um em sua casa longe de nós, com a debandada de duas
irmãs, uma para a cidade e a outra para o estrangeiro com os filhos e os netos,
restamos por aqui só eu e a minha companheira de uma quase vida inteira a morar
ao "cimo da aldeia". Resta também a caçula Joaquina com o seu Zé a
morarem "na parte de baixo da linha" uma vez que as duas filhas de
ambos "voaram" já também do ninho na procura de uma melhor vida longe
daqui.
Não
é fácil conseguir reunir por isso mesmo todo o clã, o que por vezes me deixa
melancólico. Mas, tal como diz a Mariza na sua canção, "o tempo não pára e
a gente só repara quando já passou". Eu reparo particularmente que a
última década da minha vida não passou. Voou. Literalmente. E tantas, mas
tantas coisas boas e menos boas aconteceram, que, definitivamente, não sou, nem
voltarei a ser nunca mais, a pessoa que fui.
Vivo
agora sem projectos e os sonhos também já estão todos sonhados. Por isso vou
vivendo um dia de cada vez e tentando adaptar-me a este tempo que, de tão
esquisito, se torna lento e infindável. O fim de semana vai ser particularmente
bom para mim. Reunir à volta de um almoço e de um jantar cá em casa seis
adultos e três meninas, é muito bom mesmo. Nos tempos que correm, reunir nove
alminhas em convívio, é quase reunir uma multidão. Duas dessas crianças são as
minhas netinhas. A Francisca e a Mariana. Lindas como só elas. E ambas parecem
gostar muito de mim. A Filipa já quase uma senhorinha é irmã de mãe da
caçulinha, mas para nós é mais uma netinha de coração a quem sinceramente e de
igual modo amamos...
José
Coelho - 22.05.2020 in Histórias do Cota - O sagrado culto da Família.
(Excerto
do texto original que adaptei ao presente fim de semana depois de mais de dois
meses confinados sem nos podermos visitar, ver ou abraçar).