quinta-feira, 7 de maio de 2020

Abutres...

Imagem copiada do Google

Em tempo de Covid 19 tem-se revelado, lado a lado e a par do medo, o melhor e o pior da sociedade que somos. Enquanto alguns atemorizados e cautelosos até ao exagero nem assomam o nariz à porta – na minha rua e vizinhança sucede isso – outros menos temeratos e mais oportunistas vêem na pandemia uma excelente oportunidade para dela tirarem proventos. São as duas “variedades” mais comuns de pessoas. Os supersticiosos e os xicos-espertos.

Haver cuidado e seguir as orientações das autoridades de saúde e de todas as outras que têm a missão de nos proteger e de velar pelo nosso comum bem-estar, difundidas hora a hora pelos inúmeros OCS é uma coisa, viver apavorado e calafetar até o buraco da fechadura para que o coronavírus por ali não entre, é outra. No meio termo sempre esteve a virtude. Não é por nos escondermos debaixo da cama até que a crise passe que ela se resolverá mais cedo. Há que enfrentar os medos sem deles ficarmos reféns. E a vida tem mesmo de continuar atentas todas as normas e precauções.

Preocupada mas obediente, quase dois meses de confinamento leva já a população do mundo inteiro, conforme o indicado pelos respectivos governos, à exceção daqueles – felizmente poucos – que têm presidentes iluminados que acham a Covid 19 uma mera e inofensiva gripezinha. Nós, eu e a “minha Maria”únicos habitantes desta Toca no topo da Fernando Namora da Beirã, cumprimos o isolamento social sem quaisquer vestígios de pavor ou hipocondria. Saímos três ou quatro vezes para fazermos compras imprescindíveis de géneros alimentares ou dos medicamentos que tomamos diariamente e por isso é necessário não deixar esgotar, cumprindo escrupulosamente as medidas recomendadas.

Em tempos e quotidianos jamais experimentados sabemos que não é infelizmente previsível qualquer regresso a curto prazo às nossas mais banais rotinas. O imprevisível é e será, nos tempos próximos, sem qualquer sombra de dúvida, a mais sensata expectativa para cada dia, seja para quem for. A qualquer momento tudo se pode precipitar, tudo pode mudar de forma radical e imprevisível. Faz-me lembrar os meus tempos na guerra, quando todos os dias ao levantarmos da cama pela manhã não sabíamos se nela voltaríamos a deitar-nos à noite.

Nunca, por isso mesmo, foi tão acertiva a frase que prudentemente aconselha a vivermos o melhor possível, mas um dia de cada vez.

Entretanto como de costume e para não variar, à pala da pandemia os preços foram logo a seguir inflacionando de modo generalizado em todos os produtos que adquirimos, sejam eles os géneros alimentares em geral e todos os outros nas superfícies comerciais autorizadas a funcionar, sejam mesmo os medicamentos nas farmácias. Os frascos de álcool etílico a 96 º com 250ml que normalmente eram vendidos a oitenta e seis cêntimos até em pequenos comércios locais foram em menos de uma semana subtilmente açambarcados por diversos membros de outras superfícies que indo à vez e como quem não quer a coisa, cada um comprava dez frascos para em poucas horas juntarem várias dezenas que revenderam no dia seguinte a cinco euros a unidade. Mesmo assim 475% mais caros, esgotaram em apenas dois dias.

Com toda a certeza, quem esse “estratagema” montou, ficou podre de rico. E a estas horas anda a gozar os chorudos rendimentos da revenda do álcool pelas Caraíbas, porque o Algarve não era aconselhável uma vez que também por lá anda a pandemia e se calhar até já esgotou o álcool e o gel desinfectante. Oxalá desfrutem da sua enorme esperteza e sejam muito felizes.

Aos primeiros anúncios do Covid19 as pessoas tiveram medo de morrer de fome ou por falta de papel higiénico e esvaziaram literalmente as prateleiras das superfícies comerciais. A seguir veio o pavor de morrer por falta de álcool ou daquele-gel-desinfetante-que-mata-o-virus.  Para uns, a ânsia de açambarcar tudo o que fossem capazes. Para os outros, a irresistível tentação de se aproveitarem desta terrível calamidade mais dos medos irracionais e inseguranças que a mesma semeou.  Para esse tipo de gente, o caos é a oportunidade ideal para encher os bolsos. E por isso, quanto pior, melhor.

Há aquelas duas “variedades” comuns de pessoas que nomeei no princípio deste texto. E há também na natureza umas aves de rapina enormes e muito feias – disso não têm culpa coitadas – que se alimentam dos cadáveres. Mas não o fazem por maldade. É apenas a sua muito peculiar forma de alimentação. Chamam-se abutres…

José Coelho
07.05.2020