Casa da Família Coelho desde 1950
Foto Pedro Coelho
Quando
nasci o meu pai contava já 42 anos. Casou tarde, aos 36, pese embora a minha mãe
tivesse apenas 20. Tão mais jovem do que ele, deduzo que se terá deixado
encantar por aquele modo meigo e afável que o caracterizavam e com o qual
conquistava a amizade e o respeito de quase toda a gente que com ele lidava.
Cresci por isso a ver surgirem no seu rosto as primeiras rugas e no seu farto
cabelo os primeiros fios prateados.
Treze
anos mais tarde fui integrar a sua equipa de trabalho – por razões que já expliquei
noutras estórias – na pedreira da
Lajem do Sapato da qual ele era subempreiteiro por conta do Engº Ventura e
também ali todos os seus camaradas eram já cinquentões como ele. Foi com todos esses
mestres que aprendi o ofício de cabouqueiro e foi seguramente entre eles que colhi muitos ensinamentos que me moldaram para a
vida adulta.
Influenciado
pela sã vivência com essa boa gente, madura e de muito bom senso, habituei-me a
ver o mundo pelos prismas deles, mas, sobretudo, a estimar e respeitar os mais
velhos, aqueles a quem, por ser mais fino ou menos agressivo, toda a gente
apelida agora hipocritamente de idosos. Mas eu continuo a chamar-lhes
velhos como sempre chamei porque entendo que a velhice não é um castigo e não deve
ser maquilhada para ser mais bem aceite. Pelo contrário, é meu entender que
chegar a velho é um privilégio negado a muitos, uma bênção inestimável para quem
consegue alcançá-la.
As
rugas dos anciãos, os seus cabelos prateados e a sabedoria adquirida no decurso
das suas vidas merecem de mim o maior respeito e consideração. Admiro a sua
dignidade, paciência e conformismo, mas, sobretudo, a enorme generosidade com que
aceitam tantas vezes serem esquecidos, a nobreza com que ainda desculpam os
familiares que passam meses sem os ir visitar nos lares onde por conveniência
própria os depositam para lá passarem o resto dos seus dias. É muito comum
ouvir alguns dos gentis argumentos com que ainda desculpam tão indesculpável abandono:
-
Coitados! Não podem cá vir, também têm lá a vida deles…
Conformados,
ainda acham que coitados são aqueles que os esquecem. E continuam a
amá-los, apesar das suas injustificáveis ausências. Generosidade pura, acho eu.
E acho ainda que o abandono de uma mãe ou de um pai, de um irmão ou irmã, de
uns avós ou outros parentes próximos é uma vergonha, um desmazelo, uma
ingratidão. Uma falta de amor, de solidariedade, de respeito e de carácter.
Quantos desses familiares abandonados deram tudo quanto tinham e mais do que
muitas vezes podiam para que nada faltasse a quem agora tão levianamente os esquece.
Estou
completamente à vontade e em absoluto sossego de consciência para criticar tais
comportamentos porque acolhi em minha casa durante vários anos a minha mãe e
dela cuidei amorosamente até ao fim dos seus dias com o precioso auxílio da
minha esposa e da minha irmã mais nova depois de uma retinopatia diabética a ter
cegado por completo. Também ao meu pai em minha casa fui eu que cerrei as
pálpebras no momento da sua morte. E o pai dele, o avô Faustino, assim como a avó
Amélia, mãe da minha mãe, os dois faleceram nesta casa rodeados do
carinho e dos cuidados dos entes que amavam e os amava a eles.
Só
a avó Adelina e mãe do meu pai não tive o privilégio de conhecer porque
faleceu aos 51 anos de ataque cardíaco muito antes de me poder dar colo ou de
nos podermos conhecer e querer bem. Mas mesmo sem nunca a ter conhecido dela aprendi
a gostar pelo muito ouvir dela falar. E o querido avô José Lourenço o meu mais
antigo e mais saudoso amigo a quem devo o nome e muitas outras coisas boas, partiu
inesperadamente sem se despedir acometido de grave insuficiência
respiratória no hospital de Portalegre onde fora internado de urgência pouco
antes. Com apenas 67 anos. Quisera eu tê-los também junto de mim, acolhê-los
em minha casa para deles poder cuidar com toda a dignidade que lhes era devida…
José
Coelho in Histórias do Cota
(Adaptado)