António Maria Coelho
05-11-1910 // 23-01-1994
"Desde que chegara a Lisboa, eu
estava muito piegas. As lágrimas assomavam-me aos olhos por tudo e por nada
inexplicavelmente. E acho que nunca mais me curei da pieguice de que nada me
envergonho por ser coisa que herdei do Pai, o qual, muitas vezes e com a maior
facilidade, chorava. Bastava dar-lhe um beijo ou um abraço ou fazer-lhe um
carinho qualquer. Fossem os filhos ou os netos. Penso que por ser pessoa tão
bondosa, comovia-se facilmente e muitas vezes sem qualquer razão aparente.
O elegante comboio azul TER chegou por fim à estação
de Castelo de Vide, a penúltima antes da Beirã. Faltava um quarto para as onze.
A paisagem tão querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus
extasiados olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos
meus sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos do
início do verão, longe do húmido, pegajoso e interminável verde, da floresta
tropical.
Parecia ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de
Vide de um lado da linha, e, do outro, os canchais pontilhados de carvalhos,
sobreiros, oliveiras, hortas e casas brancas isoladas, aqui e além. Era
mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de
todos os entes queridos. Passámos a Ponte das Águas e mais além avistei o
Monte da Broca com a grande e sempre tão bem cuidada horta do Pai.
Ufff…
Ainda hoje me arrepio com essa
recordação!
Logo a seguir o campo da bola e o Penedo
da Rainha. E lá vinha ele quase a correr pela estrada do Pereiro antes da
cancela da passagem de nível. O meu Pai! E a porra da janela do TER que não
abria! O comboio era climatizado por isso as janelas eram de vidros fixos!
Fiz-lhe adeus. Ele viu, conheceu-me e fez-me adeus também. Depois de tanto
tempo. Depois de ter temido tantas vezes não voltar a abraçá-lo.
Poucos minutos depois, especado à porta da
nossa casa, ofegante ainda pela correria desde a horta, aguardava-me com os
olhos marejados de grossas lágrimas.
- Meu querido Pai...
- Até que enfim, filho!
Abraçá-mo-nos um ao outro a chorar parecendo duas madalenas arrependidas como se ainda temêssemos que fosse mentira num inesquecível momento de mútuo carinho que guardarei na memória o resto da minha vida..."
José Coelho
in Histórias do Cota
(excerto)