terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Talvez seja...

Cópia quase perfeita porque o pai não usava óculos
e eu não uso bigode


Muitas vezes, ao longo da minha vida, tive momentos de desânimo e vontade de baixar os braços. Não foi fácil, embora haja quem pense o contrário, mas não é para carpir dificuldades que estou a escrever estas linhas.

Bom ou mau é passado e a vida é hoje com esperança no amanhã, apesar de a nossa memória guardar, por incrível que pareça, imagens de alguns momentos que, por mais tempo que passe, nunca conseguimos esquecer. Muitas vezes dou por mim a cerrar os olhos para ir ao encontro dessas memórias, "visualizando-as" mentalmente.

É comum andar no meu quintal a plantar as minhas hortaliças e "ver" o meu velho pai e querido amigo, a ensinar-me como fazer um rego de sementeira direito, como ajeitar os dentes de alho na terra para não tombarem quando o sacho de terra os cobre.

Sei lá...

Tantas e tantas coisas lhe vi fazer e ele me explicou com aquela paciência que o caracterizavam. De tal modo que às vezes tenho a ilusão de ouvir aquela saudosa voz que tanto me ajudou sempre.

Uma das suas principais características era o amor pelos animais. Como o vi chorar desconsoladamente quando uma cabrita que trazia sempre atrás dele morreu enleada na corda que a prendia, enquanto ele veio almoçar. O carinho com que tratava a canita Toiota que o seguia para toda a parte.

Foi sem dúvida o meu ídolo, o meu principal mestre, o meu guia.

Foi por sua expressa decisão que tive que comprar esta casa e a reconstruí. Sabe Deus a pena infinita que senti por não o ter já connosco quando a reconstrução dela terminou. Tenho a certeza que ficaria feliz.

É em sua memória que aqui continuo e "copio" cada um dos seus rituais nas minhas sementeiras, no carinho pelos animais, na luta cada vez mais complicada de manter unida a família, como ele também tanto gostava.

Agora que estou a envelhecer, sinto um profundo orgulho de me parecer fisicamente cada dia mais com ele. Quando pela manhã me barbeio, o espelho devolve-me uma cópia quase fiel do seu rosto. As mesmas rugas, a mesma expressão sisuda. De tal modo que chego a comentar em voz alto: Caramba Zé Coelho estás a ficar "igualinho" ao ti António!

Talvez sejamos mesmo parecidos ou talvez sejam apenas as minhas saudades dele.

José Coelho, 04 Nov'18