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Pedrógão,
uma vergonha coletiva
Há
um estranho desconforto que se apodera de nós perante os crescentes pormenores
de irregularidades no processo de reconstrução de Pedrógão Grande. Podemos
apontar o dedo e alegar que felizmente nunca seríamos aquilo, mas nas
trapalhadas e denúncias a que vimos assistindo está um pouco do país espelhado.
Poderes
e serviços que deviam ser garante do cumprimento da lei e da boa gestão dos
bens públicos encolhem os ombros e tentam minimizar as falhas cometidas.
Pessoas que abusaram da sua condição de vítimas justificam-se com os erros dos
outros e elaboram desculpas para transformar o puro oportunismo num direito.
Contratações e subcontratações feitas sem transparência resultam em obras sem
qualidade e sem sentido das prioridades. À distância, uma sociedade
inicialmente solidária e presente demarca-se, generaliza os abusos e admite
desconfiar de tudo.
A
tragédia de Pedrógão Grande foi única na dimensão dos estragos e na exposição
da vulnerabilidade do interior. Mas foi igualmente única na enorme mobilização
de apoios, nas demonstrações de solidariedade, na quantidade de instituições e
respostas no terreno. Se, por uma vez, fomos obrigados a olhar para as nossas
maiores fragilidades de país desequilibrado, exigia-se que com isso tivéssemos
aprendido alguma coisa. E que a tragédia de Pedrógão se transformasse em
oportunidade - dolorosa, sempre, mas ainda assim uma oportunidade.
O
que vemos, pelo contrário, é uma tragédia transformada em vergonha. Uma
vergonha apenas possível porque ao longo dos anos fomos normalizando
comportamentos abusivos nos poderes políticos, nos serviços públicos e na
intolerável tendência para procurar ou condescender os "favorzinhos".
Que ninguém desvie o olhar de Pedrógão. Do que foi e do que é urgente conseguirmos
ser.
Inês
Cardoso in JN 27.08.18