Sentado no meio do sossego que me rodeia nesta tarde de chuva que já tardava pois apesar de ainda ser inverno há cerca de um mês que do céu não caía um pingo e não fora o frio que ainda faz mais pareceria um fim de verão em vez de um fim de inverno.
Talvez quem sabe esta chuva dê uma ajuda aos poucos agricultores que pelas redondezas vão teimando e ainda semeiam alguma searita para alimento dos gados e sua principal se não única fonte de rendimentos pela via dos subsídios que há décadas recebem como incentivo, substituindo a antiga produção de grãos de celeiro que ornava de ondeantes searas os campos de todo o Alentejo.
Quem dera ter motivos para mudar o meu discurso já quase sempre pouco animador e repetitivo. Na verdade nunca fui muito de pessimismos, antes pelo contrário. Sei e sabe quem me conhece bem que fui um lutador. Prova disso são os objetivos que sem ajuda de ninguém consegui alcançar a pulso e à força de muito querer, de muita determinação, de muita luta e só Deus sabe à custa de quantas noites sem dormir. E não é por estar a ficar velho. É porque tudo o que agora me rodeia e desanima é irreversível.
Mas não consigo conformar-me.
Sempre ambicionei vir passar o resto da minha vida exatamente onde me encontro só que nunca nem pela mais ligeira hipótese podia imaginar que as coisas iam descambar desta forma e iria ficar por cá quase sozinho. Se é natural que a vida siga o seu ciclo geracional porque sempre assim foi, já não é de todo natural que esse ciclo por aqui se vá extinguindo simplesmente porque não há vida nova que venha substituir aquela que vai partindo.
Se em pouco mais de duas décadas tudo ficou assim, como será daqui a outro tanto tempo? Há dias fui com a minha companheira dar um passeio à Herdade do Pereiro e à Fadagosa dois bonitos locais da nossa infância e juventude. Aquilo que vimos, sem qualquer surpresa, é de tal modo deprimente e desolador que um de nós desabou em lágrimas. Não fui eu que chorei mas imaginei imediatamente que daqui a não muitos mais anos da Beirã só irão restar também ruínas.
É só uma questão de tempo. Oxalá me engane.
A única hipótese de nos sentirmos vivos e ver alguma vida ou movimento é sairmos daqui com alguma regularidade. Por isso lá vamos até à cidade ou vila que elegemos na hora, de vez em quando. Mas até as vilas, até a cidade, já não são as mesmas. Pouca gente nas ruas e praças. A onda de abandono alastra um pouco por toda a parte. Na cidade e nas vilas mais próximas, como na minha aldeia, há casas fechadas um pouco por todas as ruas.
Quem e como irá conseguir reverter esta situação? Ninguém!
Não consigo perceber por mais que tente. Porque é que há 50 anos sob a tão temida e amaldiçoada ditadura havia gente por toda a parte, trabalho para todas as profissões e negócios, e ainda, apesar dos baixíssimos salários, muito mais oportunidades do que existem agora na tão desejada democracia que tudo trouxe em velocidade de cruzeiro mas ainda mais velozmente tudo vai tirando, deixando milhares de pessoas desesperadas e aflitas, uma geração inteira sem grandes perspectivas de futuro e que por isso mesmo começou a emigrar em massa mais uma vez, repetindo-se o êxodo da década de 60/70 do século passado.
E o desfile imparável, infindável, de falcatruas públicas cometidas por gente que deveria ser exemplo de integridade? E a impunidade de tantas e tantas dessas falcatruas já denunciadas e provadas mas cuja culpa morre quase sempre solteira? E o compadrio, a corrupção vergonhosa, os arranjinhos em prejuízo da competência e do direito à igualdade de oportunidades? Será esta a vida, a sociedade, o futuro, que os nossos filhos e netos merecem e desejam?
Quantos pais e avós vivem inquietos com as mesmíssimas interrogações que eu vivo? Todos nós fomos educados num tempo em que havia respeito pelas regras da vida em sociedade. Para onde foram esses valores? Aposto que a maior percentagem de pessoas com a minha idade não é feliz com o estado a que as coisas chegaram. Já ninguém se sente seguro. Os empregos de repente viram desemprego. As reformas descontadas uma vida inteira encolhem ao invés de aumentarem para poderem acompanhar as subidas sempre em flecha do custo de vida. Até as poupanças de uma vida de trabalho e sacrifícios podem subitamente desaparecer de um qualquer banco que também subitamente abre falência mercê da ganância e irresponsabilidade de quem o gere.
Algum de vocês entende tanta impunidade, tanta aldrabice, tanta irresponsabilidade, tanta falta de competência para devolver segurança, tranquilidade e paz de espírito a quem ama o seu país e nele sempre viveu, a ele deu sempre o seu melhor e por fim, depois de uma vida inteira de luta, de trabalho e sacrifícios, nele queria, merecia e deveria envelhecer, rodeado de paz, de respeito e de humana dignidade?
Eu não.
Não o consigo entender, quanto mais aceitar.
José Coelho
Texto e foto