Aos 07 de Março de 2015 nasce este blogue que tal como o seu antecessor TocadosCoelhos pretende apenas ser um ponto de encontro e de entretenimento pautando-se sempre pelas regras da isenção, da boa educação e do civismo em geral. Sejam bem-vindos.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Feliz 2022
domingo, 26 de dezembro de 2021
quinta-feira, 23 de dezembro de 2021
Feliz Natal 2021, Família & Amizades
terça-feira, 21 de dezembro de 2021
sábado, 18 de dezembro de 2021
Imagens do Natal na Toca dos Coelhos
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Boas Festas...
segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
"Conto" de Natal do meu "mestre" preferido
— Consoamos aqui os três — disse, com
a pureza e a ironia de um patriarca. — A Senhora faz de quem é; o pequeno a
mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.”
“De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser – e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções são que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.
E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez reis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.
Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.
E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...
Apressou mais o passo, fez
ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama!
Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.
Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.
Vá lá! Do mal, o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.
Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.
Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel.
Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.
Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! — desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o arcanho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.
Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava?
Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida?
A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.
E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira.
— Consoamos aqui os três — disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. — A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.”
Miguel Torga
sábado, 11 de dezembro de 2021
Bom fim de semana
terça-feira, 7 de dezembro de 2021
A criança que fui chora na estrada
I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
II
Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
III
Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
Fernando Pessoa
22.09.1933
sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
Bom fim de semana
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
Contos (antigos) de Natal
sábado, 20 de novembro de 2021
Coisas que gosto de reler
Coisas de alentejanos
Pedro Ferro, in Público, 9 de Outubro de 1995
terça-feira, 16 de novembro de 2021
Várzea das Amendoeiras - Ano 1960
Na
ribeira que secou
Bebia
o gado que eu tinha;
Quando
chegava à noitinha,
A
voz das águas chamava,
E
o rebanho que pastava
Deixava
os tojos e vinha.
Eu
próprio molhava as mágoas
Na
pureza da nascente;
Metia
as mãos docemente
Na
limpidez da frescura,
E
as caricias da corrente
Davam-me
paz e ternura.
O
gado, farto, bebia;
E
eu deixava-me correr
Naquele
suave prazer
Que
me levava consigo...
Eu
não tinha que fazer,
E
o gado tinha pescigo.
A
noite, então, vinha mansa
Cobrir
a lã das ovelhas;
Era
um telhado de telhas
Furadas
ou embutidas
De
luzes muito vermelhas
Por
todo o céu repartidas.
E
aquela viva irmandade
Do
rebanho e do zagal
Era
ali tão natural
Que
apagava dos sentidos
A
saudade do curral
Feita
de sono e balidos.
Mas
a ribeira secou.
Não
sei que praga lhe deu
Que
no leito onde correu
Há
pedras e maldição...
E
o meu rebanho morreu
De
sede e de mansidão.
Coimbra,
20 de Maio de 1943
Miguel Torga
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
domingo, 7 de novembro de 2021
Prece
Senhor, que és o céu e a terra,
que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és Tu também. Onde nada está Tu habitas e onde tudo está – (o Teu templo) – eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e
alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um Pai.
Que a minha vida seja digna da
tua presença. Que o meu corpo seja digno da terra, tua cama. Que a minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o sol,
para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.
Fernando Pessoa
sexta-feira, 5 de novembro de 2021
Hoje seria o teu dia, Pai. Nunca (te) esquecerei
Pai.
A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro
quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos
olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia
devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos
os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do
quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz.
E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa
indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos
teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as
margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde;
és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria
ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as
flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu
oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na
terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o
eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para
sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que
nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas
de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me
agride. Pai. Nunca esquecerei.
José Luís Peixoto, in 'Morreste-me'
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
terça-feira, 2 de novembro de 2021
Dia de Finados 2021
segunda-feira, 1 de novembro de 2021
Coisas que leio e releio
Não é alentejano quem quer
Palavra mágica que começa no
Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal
e que à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um
homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a
tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade
da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o
temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um
dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no
Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade, Évora é o
berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de
refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras um
homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao
longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar
ao reino depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia
para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar
com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum
fica muito longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há
longe, nem distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida
não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a
tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu
entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no
mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da
Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da
esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se
caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco
da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O
problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco
da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste
quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos
portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha
percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para
Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade
mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o Rei de Castela contava com um
poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis
tinha a vantagem de contar com meia dúzia de alentejanos. Não se estranha,
assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a
mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O
que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes
causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para
desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que
Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer
os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na
mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este,
intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem
tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E
muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos,
graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao
sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam
a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos
pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os
alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso
ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si
própria não basta ser ridícula porque ridículos todos somos. É necessário ter
sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo
de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de
humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o
tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as
desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior
honra do que ser objeto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as
pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si
próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas
pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando
um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota
preferida. Num dia em que chovia muito, o revisor do comboio entrou numa
carruagem onde só havia um passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo
molhado, em virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó
amigo, porque é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está
estragada.», respondeu o alentejano. «Então porque é que não troca de lugar?»
«Eu trocar, trocava... Mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser,
deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do
mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que
qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição
e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão
bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o
pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos
subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio
pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das
manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção
poderia um homem almejar?
Vou mas éi comer a açorda que
tenho mais que fazer.
João Mário Caldeira - Professor de História