quarta-feira, 17 de abril de 2019

Boa Páscoa... (com o circo do costume)


É duro (às vezes) viver em democracia! E é ainda mais duro entender a "nossa" democracia! Só gostava de saber - porque sinceramente não sei - se esta será a forma correcta de a interpretar. Sem me achar por aí além muito lerdo dos sentidos nem incapacitado no entendimento da vida em geral, confesso que cada vez entendo menos desta coisa de direitos para cá, direitos para lá, tendo em conta que para respeitar direitos sagradamente democráticos disto e daquilo, são lesados e escandalosamente atropelados outros direitos tão ou mais democráticos, por terem a ver com a ética, a vida em sociedade, a saúde, o bem-estar e a dignidade humanas. Independentemente de todos os direitos democraticamente institucionalizados, porque é mais importante um direito reivindicativo do que qualquer outro?

Muito recentemente assistimos a uma greve de uma classe de profissionais que ao exercerem esse seu direito prejudicaram milhares de cidadãos que esperavam há meses - alguns anos até - por um exame mais complexo, por uma cirurgia ou apenas uma consulta de determinada especialidade e que, em consequência da dita cuja greve, foram preteridos no seu direito à saúde pelo direito reivindicativo dos outros. Quem mora em Lisboa ou no Porto resolve com alguma facilidade esses adiamentos. Mas quem como eu mora no cu de judas vê-se e deseja-se depois para reprogramar tudo de novo. No tempo da outra senhora morria-se por falta do direito à assistência médica. No tempo presente da sacrossanta democracia morre-se, se preciso for, para que se cumpra um direito à greve.

Desde quando é mais importante um acerto de salário mensal do que os cuidados indispensáveis ao bem-estar de qualquer cidadão? Não entendo, pronto! Reportando-me apenas e só aos meus problemas de saúde, sou diabético, tomo medicação diária, tenho consultas e exames periódicos que visam monitorizar e manter sob controlo essa enfermidade crónica que herdei da minha mãe. Também recentemente me foi extraído um tumor da mesma família daquele que matou o meu pai e que por isso devo ter herdado dele. Necessito pois, de vigilância especializada periódica preventiva e permanente. Como se já não bastasse, tenho ainda insuficiência respiratória crónica que devo ter adquirido nas Minas da Panasqueira - silicose - nos cinco anos que lá trabalhei e durmo há 8 anos de máscara, ligado a um ventilador, para conseguir algumas noites de sono mais ou menos tranquilo.

Num quadro assim, logicamente, passo quase a vida de médico para médico, de consulta em consulta, de exame para exame. Basta o impedimento de um desses actos médicos para baralhar todos os outros porque tudo é programado antecipadamente com a respectiva requisição de exames. Quantos cidadãos haverá na minha situação ou até em piores condições? E que temos nós a ver com os direitos reivindicativos seja de quem for? Independentemente dos direitos constitucionalmente adquiridos não serão esses assuntos matéria que deveria ser sempre tratada sem prejuízo de terceiros, particularmente no que diz respeito aos cuidados de saúde? Sou aposentado sem favores de ninguém e no meu registo contributivo constam 41 - quarenta e um - anos de descontos, pagos até ao último cêntimo, num país onde há quem aufira pensões pornográficas por meia dúzia de anos na política.

De bradar aos céus também a douta e recente opinião de algumas altas patentes dos nossos quadros governativos a darem como normal o aumento incessante na idade da aposentação para o futuro com pensões cada vez mais baixas, quando muitos desses ditos-cujos oradores se aposentaram na flor da idade e com mais do que uma pensão de reforma, somando vários milhares de euros mensais. A minha alma fica parva. É preciso ter lata. A isto chama-se também, viver em democracia. Cada tiro, cada melro.

Neste preciso momento, milhares de portugueses andam numa correria aflitiva para tentarem abastecer as viaturas com que pretendem rumar às suas aldeias afim de festejarem a Páscoa em família, porque, inteligentemente conduzida pelo seu organismo representativo, outra classe de profissionais de uma actividade crucial para a economia nacional, resolveu pressionar o governo com as suas reivindicações salariais, estando-se literalmente a cagar para quem possa ser prejudicado. Cirúrgica e intencionalmente programada, o objectivo é forçar a solução que se pretende, para que o país não pare. Estranhamente - ou talvez não - as greves acontecem sempre às sextas-feiras ou em vésperas de feriados, preferentemente em feriados com pontes, natais ou páscoas, que é quando mais prejuízo causam às empresas em particular e às pessoas em geral.

Nem uma requisição civil decretada pelo governo é minimamente obedecida. Toda a gente tem direitos, ninguém tem deveres, ninguém cumpre, ninguém quer saber. É aguentar, meus caros porque tudo está previsto nos direitos constitucional e democraticamente legislados. Viver 24 anos numa ditadura não foi nada fácil, não. Mas viver 43 em democracia também não tem sido grande coisa. No meu ver, mudaram as moscas mas "aquilo" onde elas pousam, ficou quase, quase, na mesma. Pelo menos em muitas vertentes, não vejo grandes diferenças. E tenho dito.

Boa Páscoa, se puderem...

José Coelho
17.04.2019