É
duro (às vezes) viver em democracia! E é ainda mais duro entender a
"nossa" democracia! Só gostava de saber - porque sinceramente não sei
- se esta será a forma correcta de a interpretar. Sem me achar por
aí além muito lerdo dos sentidos nem incapacitado no entendimento da vida em
geral, confesso que cada vez entendo menos desta coisa de direitos para cá,
direitos para lá, tendo em conta que para respeitar direitos sagradamente
democráticos disto e daquilo, são lesados e escandalosamente atropelados outros
direitos tão ou mais democráticos, por terem a ver com a ética, a vida em
sociedade, a saúde, o bem-estar e a dignidade humanas. Independentemente de
todos os direitos democraticamente institucionalizados, porque é mais importante
um direito reivindicativo do que qualquer outro?
Muito
recentemente assistimos a uma greve de uma classe de profissionais que ao
exercerem esse seu direito prejudicaram milhares de cidadãos que esperavam há
meses - alguns anos até - por um exame mais complexo, por uma cirurgia ou
apenas uma consulta de determinada especialidade e que, em consequência da dita
cuja greve, foram preteridos no seu direito à saúde pelo direito reivindicativo
dos outros. Quem mora em Lisboa ou no Porto resolve com alguma facilidade esses
adiamentos. Mas quem como eu mora no cu de judas vê-se e deseja-se depois para
reprogramar tudo de novo. No tempo da outra senhora morria-se por falta do
direito à assistência médica. No tempo presente da sacrossanta democracia morre-se, se preciso for, para que
se cumpra um direito à greve.
Desde
quando é mais importante um acerto de salário mensal do que os cuidados
indispensáveis ao bem-estar de qualquer cidadão? Não entendo, pronto!
Reportando-me apenas e só aos meus problemas de saúde, sou diabético, tomo
medicação diária, tenho consultas e exames periódicos que visam monitorizar e
manter sob controlo essa enfermidade crónica que herdei da minha mãe. Também
recentemente me foi extraído um tumor da mesma família daquele que matou o meu
pai e que por isso devo ter herdado dele. Necessito pois, de
vigilância especializada periódica preventiva e permanente. Como se já não
bastasse, tenho ainda insuficiência respiratória crónica que devo ter adquirido
nas Minas da Panasqueira - silicose - nos cinco anos que lá trabalhei e durmo
há 8 anos de máscara, ligado a um ventilador, para conseguir algumas noites de
sono mais ou menos tranquilo.
Num
quadro assim, logicamente, passo quase a vida de médico para médico, de
consulta em consulta, de exame para exame. Basta o impedimento de um desses
actos médicos para baralhar todos os outros porque tudo é programado
antecipadamente com a respectiva requisição de exames. Quantos cidadãos haverá
na minha situação ou até em piores condições? E que temos nós a ver com os
direitos reivindicativos seja de quem for? Independentemente dos direitos
constitucionalmente adquiridos não serão esses assuntos matéria que deveria ser
sempre tratada sem prejuízo de terceiros, particularmente no que diz respeito
aos cuidados de saúde? Sou aposentado sem favores de ninguém e no meu registo
contributivo constam 41 - quarenta e um - anos de descontos, pagos até ao
último cêntimo, num país onde há quem aufira pensões pornográficas por meia
dúzia de anos na política.
De
bradar aos céus também a douta e recente opinião de algumas altas patentes dos
nossos quadros governativos a darem como normal o aumento incessante na idade
da aposentação para o futuro com pensões cada vez mais baixas, quando muitos
desses ditos-cujos oradores se aposentaram na flor da idade e com mais do que
uma pensão de reforma, somando vários milhares de euros mensais. A minha alma
fica parva. É preciso ter lata. A isto chama-se também, viver em democracia.
Cada tiro, cada melro.
Neste
preciso momento, milhares de portugueses andam numa correria aflitiva para
tentarem abastecer as viaturas com que pretendem rumar às suas aldeias afim de
festejarem a Páscoa em família, porque, inteligentemente conduzida pelo seu
organismo representativo, outra classe de profissionais de uma actividade crucial
para a economia nacional, resolveu pressionar o governo com as suas
reivindicações salariais, estando-se literalmente a cagar para quem possa ser
prejudicado. Cirúrgica e intencionalmente programada, o objectivo é forçar a
solução que se pretende, para que o país não pare. Estranhamente - ou talvez
não - as greves acontecem sempre às sextas-feiras ou em vésperas de feriados,
preferentemente em feriados com pontes, natais ou páscoas, que é quando mais
prejuízo causam às empresas em particular e às pessoas em geral.
Nem
uma requisição civil decretada pelo governo é minimamente obedecida. Toda a
gente tem direitos, ninguém tem deveres, ninguém cumpre, ninguém quer saber. É
aguentar, meus caros porque tudo está previsto nos direitos constitucional e
democraticamente legislados. Viver 24 anos numa ditadura não foi nada fácil,
não. Mas viver 43 em democracia também não tem sido grande coisa. No meu ver,
mudaram as moscas mas "aquilo" onde elas pousam, ficou quase, quase,
na mesma. Pelo menos em muitas vertentes, não vejo grandes diferenças. E tenho
dito.
Boa
Páscoa, se puderem...
José
Coelho
17.04.2019