terça-feira, 19 de julho de 2016

Voltaremos a encontrar-nos, padre Luís...

Celebrou as minhas bodas de prata no ano de 2001, casou os meus filhos em 
2007 e 2009, batizou as minhas netas em 2012 e 2014 concedendo-me a grata
 distinção de se sentar ao meu lado na mesa de honra dos banquetes celebrativos

Passaram mais de dois meses desde a sua partida e ainda não assimilei completamente a perda de tão excelentíssimo amigo, confidente, conselheiro, confessor e guia espiritual. O Reverendo Padre Luís. Foram quinze anos de estreita colaboração quer pessoal quer institucional, baseada sempre na mais profunda e inquestionável confiança, coroada por uma enorme e mútua amizade fraterna.

Fez um ano na noite da festa em honra da Senhora do Carmo (há 3 dias) que notei nele os primeiros sinais preocupantes. Durante a celebração da missa solene do meio dia, vi como ficava ofegante e com manifestas dificuldades respiratórias quando de pé consagrava o Pão e o Vinho na mesa do altar, ou mesmo antes, quando sentado ouvia as leituras.

- Talvez seja do calor intenso do meio-dia de 16 de Julho numa nave repleta de gente e com todas as luzes dos altares festivamente acesas em honra da Padroeira mas que contudo geravam ainda mais calor - pensei de mim para comigo, tentando esbater a preocupação pelo que os meus olhos viam no comportamento do reverendo sacerdote.

A confirmar ainda mais os meus receios, nesse mesmo dia mas à noitinha o senhor Padre Luís trouxe consigo o senhor Cónego Tarcísio para o substituir na presidência da anual procissão solene porque ele não se sentia capaz de o fazer. Ficámos assim os dois a conversar sentados no banco em frente da porta da igreja enquanto a Senhora do Carmo percorria o habitual percurso pelas ruas da aldeia ao som do repicar dos sinos mas presidida pelo Cónego Tarcísio Alves.

Notei como continuava naquele cansaço latente, como se tivesse acabado de fazer a meia maratona. Mas mais estranho que isso foi mesmo ele ter admitido que não era capaz e pedido ajuda ao colega Tarcísio Alves alguns anos mais velho que ele. O Padre Luís era um homem corajoso, rijo e persistente. Foi a primeira vez que o vi ceder, dar o seu lugar a outro. E isso sim, denotava algo de muito preocupante e grave.

Dali em diante foi já sempre a piorarem os sintomas, chegando mesmo, numa celebração da missa, poucas semanas depois, a ter ficado pálido e trémulo, a ter que sentar-se, a vomitar em pleno altar sem conseguir retirar-se a tempo para a sacristia e evitar tamanha exposição das suas debilidades físicas perante a aflição de toda a assembleia presente na igreja. Algum tempo depois confidenciou-me que os exames que entretanto havia feito tinham detectado um tumor maligno no cólon e nódulos num pulmão e no fígado.

Conformado, corajoso, repleto de  convicta e inquestionável fé, anunciou-me que ia lutar contra a doença e tentar vencê-la. E isso fez, crente de que ia ser capaz. Continuou assim a vir domingo após domingo celebrar as missas nas suas paróquias, apesar dos catéteres e das duras sessões de quimioterapia quinzenais até ao penúltimo domingo, 20 de Dezembro de 2015, a última vez que o vi, estive e falei com ele pessoalmente. 

No último domingo do ano, dia 27 de Dezembro, com tudo preparado para a normal celebração da missa e com a igreja repleta de gente por estar agendado o 7º dia do falecimento de um conterrâneo, recebi uma chamada do já então muito debilitado Padre Luís a informar-me que não tinha forças para vir celebrar a missa, solicitando-me que fizesse eu mesmo uma Celebração da Palavra e que em seu nome pedisse desculpa aos fiéis da paróquia bem como aos familiares do defunto e remarcasse a intenção de missa para o domingo seguinte porque ele iria providenciar a vinda de outro sacerdote para esse dia.

Nunca mais o vi nem falei com ele porque não voltou mais ao nosso convívio. A degradação física foi-se acentuando cada dia mais e o Padre Luís recolheu ao seio da sua família no Cerejal - Vila Velha de Ródão onde intercalava os dias com as idas ao IPO do Porto para repetir a quimioterapia até que a equipa médica entendeu não haver muito mais a fazer por ele. 

Tentei ligar-lhe para o confortar e transmitir o meu apreço respeitoso, mas os sacerdotes que entretanto vinham à vez celebrar as missas dominicais foram sempre informando que a família do senhor padre Luís pedia para que ninguém ligasse ou o fosse visitar em virtude de ele se emocionar muito e isso agravar mais o seu já muito débil estado de saúde.

No dia 9 de Maio deparei-me de súbito com esta notícia nas redes sociais: 

"Serena e pacificamente, na companhia de alguns familiares e colegas, no Hospital de Castelo Branco, Deus chamou esta tarde para junto de Si o P. Luís Marques Ribeiro"...

Se bem aprendi o muito que me ensinou estes anos todos e apesar de ainda doer a sua inesperada e precoce ausência da minha vida, hoje já consigo escrever:
- Até um dia, Senhor Padre Luís e Reverendíssimo Amigo. Voltaremos a encontrar-nos...