quarta-feira, 13 de março de 2024

Indigência, ou modo de vida?


Sete-Rios e a sua estação intermodal de transportes públicos é simultaneamente um ponto diário de convergência de milhares de pessoas de todas as nacionalidades que chegam e partem em direção a todos os pontos cardeais deste jardim à beira-mar plantado, tal é a diversidade na oferta de destinos.
Foi numa das minhas últimas viagens que me foi dado observar o que hoje me ocorre escrever. Passava pouco das quatro da tarde quando aportámos eu e a minha companheira ao sempre muito concorrido bar que fica do lado oposto da gare, junto da passadeira para peões.
Somos abordados quase sempre por um sem-número de indigentes das mais diversas nacionalidades que com os semblantes deliberadamente contritos para causarem mais dó, suplicam uma moeda porque…
- Ainda hoje não comi nada!
É absolutamente notória a forma como vestem e calçam roupas mais ou menos asseadas, mais ou menos desleixadas, fazendo talvez tudo aquilo parte da “encenação” para ludibriar as pessoas caridosas mais incautas ou menos atentas. De ambos os sexos, são tantos a abordar-nos assim que nos apeamos do autocarro que se torna evidente que aquilo não é na sua esmagadora maioria por indigência, mas uma forma de vida.
Até uma jovem a fingir-se grávida, sendo absolutamente perceptível que a volumosa e redondinha barriga era postiça. E de tal modo o disfarce era evidente que a minha marida confrontou-a dizendo-lhe:
- Você está tão grávida como eu...
Acomodámo-nos, entretanto, numa das mesas da esplanada, enquanto aguardávamos a hora de partida do Expresso para o regresso a casa. Imediatamente fomos abordados pela segunda ou terceira vez em poucos minutos por um dos “pedintes” a quem respondi que não tinha moedas.
Foi um modo de me ver livre dele, mas de facto não tinha mesmo.
Numa das mesas ao nosso lado duas senhoras lanchavam placidamente enquanto nos observavam também. E ao darem conta da minha recusa em doar uma moedinha ao “pobrezinho” quiçá indignadas pela minha “insensibilidade” imediatamente o chamaram:
- Psst… Psst… Ó senhor, chegue aqui!
E ele acercou-se. Convidaram-no sentar-se coisa que ele não fez, enquanto uma das senhoras se levantou e dirigiu ao balcão a comprar uma sanduiche e uma bebida para o “infeliz”. Todos estes movimentos estavam a ser observados por um dos empregados de mesa que por ali andam sempre atentos para impedir que aqueles falsos “pedintes” incomodem os seus clientes e que só dali se “evaporam” assim que alguma patrulha da PSP se acerca do bar.
A senhora no seu ato caridoso regressou e pousou sobre a mesa um prato com a sanduiche mais a lata do refrigerante. O “pedinte” retrucou logo que preferia uma moedinha enquanto pegava na sanduiche e na lata para se afastar de seguida.
Porém, ainda dentro do alcance visual de todos os presentes, antes de desaparecer pela escada abaixo em direção à gare dos comboios, atirou deliberadamente a sanduiche e a lata do refrigerante para um contentor do lixo sem sequer as ter aberto.
As caridosas senhoras exclamaram um desolado “oooohhh” enquanto o rapaz das mesas as consolava num acentuado sotaque brasileiro:
- São uns cafagestes…
Provavelmente para se confortar a si mesma, a senhora que solicitamente tanto se tinha esforçado para matar a fome daquele “desgraçado” respondeu-lhe:
- Cumpri com o meu dever e isso é que importa.
Prezo muito a minha forma de estar na vida na qual dei, dou e darei sempre, supremacia absoluta no respeito e amor ao próximo. Mas tento também não deixar que me comam por parvo.
Ah pois…

José Coelho