Algumas vezes dou por mim a pensar o quanto suspirei pela reforma, quantas vezes duvidei se algum dia iria lá
chegar. Estava tão mas tão longe de imaginar que depois de finalmente a alcançar iria a curto prazo ter saudades das funções
profissionais.
O tempo é sem dúvida, o melhor dos mestres.
Quando
somos crianças queremos ser adultos, quando somos adultos queremos conquistar o
mundo, depois quando atingimos a maturidade, queremos voltar às nossas raízes. E
começamos a pensar como vai ser delicioso ter o tempo todo só para nós, longe de
todas as ralações. Puro engano!
Alcançado o sonho, ficamos fartos dele em três
tempos.
Os
primeiros meses foram de facto um enorme deleite. Deitava-me à hora que me
apetecia sem preocupações para o dia seguinte, levantava-me quando me dava na
gana sem propositadamente olhar para o relógio numa atitude de enorme desdém,
por durante décadas todos os dias da semana ele estridentemente me haver acordado às seis da
manhã:
Ah!
Mas a vingança foi-lhe servida fria, como mandam as regras! Desde o primeiro dia de
aposentação não mais lhe liguei importância. Tomava o pequeno almoço e a seguir
ia para o quintal onde nenhuma erva tinha autorização de assomar sequer à
superfície da terra, quanto mais de crescer, porque eu andava continuamente a
vigiá-las para as arrancar no momento seguinte.
Depressa porém me dei conta do
ridículo daquele comportamento porque não se pode impedir a erva de crescer nem os maios de florir. E
aos poucos os dias começaram a ser enormes, insípidos, enfadonhos. Que chatice a reforma! Quem dera ter de levantar-me outra vez manhã cedo para ir
trabalhar como antes! Vá lá entender “a gente”. Nunca estamos satisfeitos com aquilo
que temos.
Verdade
mesmo!
No
decurso dos meus dias vou envelhecendo rodeado por este mundo estranho que jamais imaginei. Como pode a vida dar estas cambalhotas tão grandes? Recebi dos
meus pais um quotidiano totalmente distinto que não era de todo perfeito, mas onde
existia de um modo geral alguma harmonia. Nos tempos que correm sinto que estamos a deixar para os nossos filhos e netos um mundo muito mais perigoso.
Quando era criança eu sabia o que me esperava quando chegasse a adulto. Trabalhar,
trabalhar, trabalhar. No que quisesse. Padeiro ou sapateiro, cavador ou
pastor, pedreiro ou carpinteiro, ferroviário ou carteiro, operário ou o militar que acabei por ser. Que foi feito desses ofícios? Que futuro estamos a construir em substituição daquele que fomos destruindo sistematicamente? Para que
querem os jovens tantos cursos universitários se ao terminá-los ficam com o canudo
debaixo do braço e têm de emigrar ou ir trabalhar para o que mais depressa lhes
aparece e se aparece?
No outono da minha vida não tenho grandes dúvidas que nada do que eu tive espera as novas gerações num mundo tão diverso daquele que me viu nascer. E não deveria ser assim. Deveria ser muito melhor. Sei e tenho plena consciência que fui um lutador e digo-o convictamente porque consegui alcançar todos os meus objetivos sem ajuda de ninguém, guiado
apenas pelo meu querer, pela minha força anímica à custa de muito trabalho
e outros tantos sacrifícios.
Sozinho da silva. Em vez de ajudas tive quem algumas vezes tentasse tramar-me.
Mas isso são outros quinhentos.
Tenham uma boa noite...
José Coelho