sábado, 29 de agosto de 2020

Duras verdades...

Foto Maria Coelho

Colhemos o que semeamos. É verdade. O tempo é a árvore que nos dará o fruto dos nossos gestos. Esse fruto será doce ou será amargo, conforme a ternura ou o azedume que deixarmos pelo caminho que formos lavrando, e virá sempre no tempo certo. O fruto dos nossos gestos nunca vem fora de época, sabe sempre quando o devemos provar.

Quem não cuidou, não pode esperar ser cuidado. Quem não foi capaz de apoiar, não pode esperar ser amparado. Quem não teve uma palavra para quem a aguardava, não pode esperar nada a não ser silêncio. Quem não soube estar perto, não pode esperar senão distância. Quem não soube abraçar, não pode esperar senão braços cruzados. Quem não soube estar presente, não pode esperar ser visitado. O amor não é uma obrigação. Não é algo só porque sim. Quem não valorizou, não pode esperar ter valor para quem ignorou.

Quem só foi capaz de agredir, não pode esperar carinho. Quem esperava poder humilhar contando que essa humilhação fosse esquecida, enganou-se. Às vezes, sim, o tempo enfraquece a memória, mas aquilo que o coração guarda nunca se perde. Para o bem e para o mal. Os corações nunca esquecem. Quem nunca mostrou disponibilidade, quem nunca esteve para o que desse e viesse, não pode esperar receber amor de volta. O amor só regressa a quem o soube dar, o amor só regressa de livre vontade. Ninguém ama à força.

 

In lado.a.lado

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Não deveria ser assim



Algumas vezes dou por mim a pensar o quanto suspirei pela reforma, quantas vezes duvidei se algum dia iria lá chegar. Estava tão mas tão longe de imaginar que depois de finalmente a alcançar iria a curto prazo ter saudades das funções profissionais. 

O tempo é sem dúvida, o melhor dos mestres.

Quando somos crianças queremos ser adultos, quando somos adultos queremos conquistar o mundo, depois quando atingimos a maturidade, queremos voltar às nossas raízes. E começamos a pensar como vai ser delicioso ter o tempo todo só para nós, longe de todas as ralações. Puro engano! 

Alcançado o sonho, ficamos fartos dele em três tempos.

Os primeiros meses foram de facto um enorme deleite. Deitava-me à hora que me apetecia sem preocupações para o dia seguinte, levantava-me quando me dava na gana sem propositadamente olhar para o relógio numa atitude de enorme desdém, por durante décadas todos os dias da semana ele estridentemente me haver acordado às seis da manhã:

Ah! Mas a vingança foi-lhe servida fria, como mandam as regras! Desde o primeiro dia de aposentação não mais lhe liguei importância. Tomava o pequeno almoço e a seguir ia para o quintal onde nenhuma erva tinha autorização de assomar sequer à superfície da terra, quanto mais de crescer, porque eu andava continuamente a vigiá-las para as arrancar no momento seguinte. 

Depressa porém me dei conta do ridículo daquele comportamento porque não se pode impedir a erva de crescer nem os maios de florir. E aos poucos os dias começaram a ser enormes, insípidos, enfadonhos. Que chatice a reforma! Quem dera ter de levantar-me outra vez manhã cedo para ir trabalhar como antes! Vá lá entender “a gente”. Nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos.

Verdade mesmo!

No decurso dos meus dias vou envelhecendo rodeado por este mundo estranho que jamais imaginei. Como pode a vida dar estas cambalhotas tão grandes? Recebi dos meus pais um quotidiano totalmente distinto que não era de todo perfeito, mas onde existia de um modo geral alguma harmonia. Nos tempos que correm sinto que estamos a deixar para os nossos filhos e netos um mundo muito mais perigoso.

Quando era criança eu sabia o que me esperava quando chegasse a adulto. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. No que quisesse. Padeiro ou sapateiro, cavador ou pastor, pedreiro ou carpinteiro, ferroviário ou carteiro, operário ou o militar que acabei por ser. Que foi feito desses ofícios? Que futuro estamos a construir em substituição daquele que fomos destruindo sistematicamente? Para que querem os jovens tantos cursos universitários se ao terminá-los ficam com o canudo debaixo do braço e têm de emigrar ou ir trabalhar para o que mais depressa lhes aparece e se aparece?

No outono da minha vida não tenho grandes dúvidas que nada do que eu tive espera as novas gerações num mundo tão diverso daquele que me viu nascer. E não deveria ser assim. Deveria ser muito melhor. Sei e tenho plena consciência que fui um lutador e digo-o convictamente porque consegui alcançar todos os meus objetivos sem ajuda de ninguém, guiado apenas pelo meu querer, pela minha força anímica à custa de muito trabalho e outros tantos sacrifícios. 

Sozinho da silva. Em vez de ajudas tive quem algumas vezes tentasse tramar-me. 

Mas isso são outros quinhentos. 

Tenham uma boa noite...


José Coelho 

Memórias que me acompanham...

A Cavalinha dos meus avós - Foto José Coelho


Alentejo

A luz que te ilumina,

Terra da cor dos olhos de quem olha!

A paz que se adivinha

Na tua solidão

Que nenhuma mesquinha

Condição

Pode compreender e povoar!

O mistério da tua imensidão

Onde o tempo caminha

Sem chegar

 

Miguel Torga

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Indiscutível...


"No dia em que a tua família deixar de estar em primeiro lugar na tua vida... Volta atrás, porque te enganaste no caminho."

Raul Minh'alma

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Poetas que leio...



A criança que fui chora na estrada.

Deixei-a ali quando vim ser quem sou;

Mas hoje, vendo que o que sou é nada,

Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou

A vinda tem a regressão errada.

Já não sei de onde vim nem onde estou.

De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar

Um alto monte, de onde possa enfim

O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,

E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar

Em mim um pouco de quando era assim.


Fernando Pessoa