terça-feira, 7 de junho de 2016

Saudades tuas, amiguito...

Sentado no colo do Pedro na nossa varanda, a olhar para o fotógrafo, que era eu

Foste um bom amigo, camaradinha. Uma década inteira sempre ao pé de mim quando eu estava em casa. Sinto muito a tua falta companheiro. 

Sinto mesmo. 

O meu escritório ficou vazio sem te ter já lá a fazer-me companhia e a dormitar confortável na carpete, tantas horas quantas aquelas que eu ali estivesse.

Os serões no sofá também já não são a mesma coisa sem te ter aninhado no meu colo como tu tanto gostavas (e eu também) ou deitado ao meu lado com a tua cabecita sobre a minha perna a fazer-te de almofada.

Toda a nossa casa chora por ti com saudades daquelas tuas correrias doidas desde a porta do quintal até à porta da rua, genuinamente feliz, sempre que nos vias  regressar ao fim de algumas horas de ausência quando tínhamos que te deixar sozinho em casa.

Eras mais inteligente que muitos dos humanos que conheço.

Eras mais leal e genuíno que muitos dos humanos que se dizem bons amigos.

Partiste fez hoje dois meses pelas dezasseis e trinta da tarde. Porque eras já velhinho e porque estavas doente. Mas sei que sentiste e agradeceste todo o carinho e conforto com que te rodeámos, orientados sempre pela tua também grande amiga e veterinária doutora Rute, naqueles que foram os últimos dias da tua vida. 

Sei-o, porque os teus inteligentes e bonitos olhinhos negros me diziam tudo aquilo que tu me não podias dizer. 

Nunca, mas mesmo nunca te esquecerei, amiguito. Obrigado por tantíssimos e felizes momentos que vivemos juntos. Tu eras mesmo muito meu amigo mas eu também correspondi sempre à tua amizade, em igual proporção.




Resta agora olhar todos os dias para o local do canteiro onde quis que ficasses para sempre, muito pertinho de nós. 

De vez em quando vou até lá, para conversar contigo. 
Para dizer-te, quase sempre, apenas isto:
- Saudades tuas, amiguito...

sábado, 4 de junho de 2016

Bom fim de semana...


Magistral, verídico e contundente. Para ler e refletir...

Imagem copiada do Google

Europa: os medos convocam os monstros

“Num continente acossado por desemprego e pressão sobre direitos sociais, a ultra-direita apela para o discurso da “pureza racial” e do ódio ao Outro. Eleições austríacas sinalizam a ameaça”

Por Ignacio Ramonet | Tradução: Inês Castilho e Gabriela Leite

O susto foi grande. E embora ao final Norbert Hofer, o candidato da extrema direita, não tenha sido eleito presidente da República Áustria em 22 de maio (por um triz… [1]), cabe perguntar que medos sentem os austríacos para que 49,7% deles tenham optado por votar num neofascista.

“Na história das sociedades – explica o historiador francês Jean Delumeau –os medos vão mudando mas o medo permanece”. Até ao século XX, as grandes desgraças dos seres humanos eram causadas principalmente pela natureza, a fome, o frio, os terramotos, as inundações, os incêndios, a escassez de alimentos e por pandemias epidémicas como a peste, a cólera, a tuberculose, a sífilis etc. Antigamente o ser humano vivia exposto a um entorno sempre ameaçador. As tragédias espreitavam-no incessantemente…

A primeira metade do século XX esteve marcada pelo terror das grandes guerras, de 1914-1918 e de 1939-1945. A morte em escala industrial, os êxodos bíblicos, as destruições em massa, as perseguições, os campos de extermínio… Depois da Segunda Guerra Mundial e da destruição atómica de Hiroshima e Nagasaki em 1945, o mundo viveu sob a ameaça constante do apocalipse nuclear. Mas este medo foi se extinguindo pouco a pouco com o final da Guerra Fria em 1989 e após a assinatura de tratados internacionais que proíbem e limitam a proliferação nuclear.

Contudo, a existência desses tratados não eliminou os riscos. A explosão da central nuclear de Chernobyl, em particular, reavivou o terror nuclear. Mais recentemente, ocorreu o acidente de Fukushima, no Japão. A opinião pública, estupefata, descobriu que mesmo num país conhecido por sua alta tecnologia como o Japão se transgrediam princípios básicos de segurança, o que colocava em perigo a saúde e a vida de centenas de milhares de pessoas.

Os historiadores das mentalidades perguntar-se-ão algum dia sobre os medos de nossa década (2010-2020). Descobrirão que, com exceção do terrorismo jihadista que continua golpeando as sociedades ocidentais, os novos medos são mais de caráter económico e social (desemprego, precariedades, demissões em massa, despejos, novas pobrezas, imigração, desastres da Bolsa, deflação), assim como de natureza sanitária (vírus Ebola, febres hemorrágicas, gripe aviária ou H1N1, chikungunya, zika) ou ecológica (desajustes climáticos, transformações profundas do meio ambiente, megaincêndios incontrolados, contaminações, poluições do ar). Estes dizem respeito tanto ao âmbito coletivo como à esfera privada.

Nesse contexto geral, as sociedades europeias encontram-se especialmente chocadas, submetidas a abalos e traumas de grande violência. A crise financeira, o desemprego em massa, o fim da soberania nacional, o desaparecimento das fronteiras, o multiculturalismo e o desmantelamento do Estado de bem-estar social provocam, no espírito de muitos europeus, a perda de referências e de identidade.

Uma pesquisa recente, realizada nos sete principais países da União Europeia pelo Observatório Europeu de Riscos, constata que 32% dos europeus têm hoje muito mais medo de passar por dificuldades financeiras do que há cinco anos; 29% têm mais medo de cair na precariedade; e 31%, de perder o emprego. Na Espanha, a pobreza aumentou de “modo alarmante” nos últimos anos, com 13,4 milhões de pessoas – isto é, 28,6% da populaçao – em risco de exclusão social e recaída na miséria… Porque esses medos fazem viver uma experiência de rebaixamento: 50% dos europeus têm a sensação de se encontrar numa regressão social em relação a seus pais.

A crise atual bem poderia marcar o ponto final do poderio europeu no mundo. Depois da chegada maciça de migrantes vindos do Oriente Médio (Síria, Iraque) nestes últimos meses, o medo da “invasão estrangeira” aumentou. Amplia-se a sensação de estar ameaçado por forças exteriores que os governos europeus já não controlariam, como o triunfo do Islão, a explosão demográfica do Sul e as transformações socioculturais que manchariam a sua identidade. E tudo isso se produz num contexto de crise moral grave, na qual se multiplicam os casos de corrupção e em que a maioria dos que governam, muito impopulares, veem desmoronar a sua legitimidade. Em toda a Europa, esses medos e essa “podridão” são explorados pela extrema direita com fins eleitorais. Como demonstrou a vitória, em 25 de abril, da extrema direita no primeiro turno das eleições legislativas da Áustria. Onde, além disso, acontece o colapso dos grandes partidos tradicionais (o SPÖ, social democrata, e o ÖVP, democrata cristão), que haviam governado o país desde 1945.

Diante da brutalidade e do caráter repentino de tantas mudanças, as incertezas acumulam-se. A muitos, parece que o mundo se torna opaco e que a história escapa a qualquer tipo de controle. Muitos europeus sentem-se abandonados pelos seus governantes, tanto de direita como de esquerda, os quais, além disso, são descritos incessantemente pelos grandes meios de comunicação como trapaceiros, mentirosos, cínicos, ladrões e corruptos. Perdidos no centro de tal turbilhão, alguns entram em pânico e são invadidos por um sentimento de que, tal como dizia Tocqueville, “uma vez que o passado deixou de iluminar o futuro, a mente caminha entre trevas”…

Neste caldo de cultura social – composto por medos, ameaças ao emprego, desenraizamento identitário e ressentimento – voltam a aparecer os demagogos. Aqueles que, com base em argumentos nacionalistas, rejeitam o estrangeiro, o muçulmano, o judeu, o cigano ou o negro, e denunciam as novas desordens e inseguranças. Os imigrantes constituem os bodes expiatórios ideais, e os alvos mais fáceis porque simbolizam as profundas transformações sociais e representam, aos olhos dos europeus mais modestos, uma competição indesejável no mercado de trabalho.

A extrema direita sempre foi xenófoba. Pretende atenuar a crise apontando um único culpado: o estrangeiro. Essa atitude é incentivada pelas contorsões dos partidos democráticos, reduzidos a perguntarem-se sobre que dose de xenofobia podem incluir no seu próprio discurso.

Com a recente onda de atentados em Paris e Bruxelas, o medo do Islão foi ainda mais reforçado. Cabe recordar, por exemplo, que há entre 5 e 6 milhões de muçulmanos na França, o país com a comunidade islâmica mais importante da Europa. E cerca de 4 milhões de muçulmanos na Alemanha. Segundo pesquisa recente do diário francês Le Monde, 42% dos franceses consideram que os muçulmanos não estão integrados nas sociedades onde foram recebidos. 75% dos alemães estimam que não estão “em absoluto” integrados ou que “estão mal integrados”; e 68% dos franceses pensam da mesma maneira.

Há alguns meses, a chanceler alemã Angela Merkel – que em seguida acolheu em seu país mais de 800 mil imigrantes que solicitavam asilo em 2015 – afirmava que o modelo multicultural, segundo o qual conviveriam em harmonia diferentes culturas, havia “fracassado por completo”. E um panfleto islamofóbico escrito por um ex-dirigente do Banco Central alemão, Thilo Sarrazin, denunciando a falta de vontade dos imigrantes muçulmanos de integrar-se, foi um êxito retumbante nas livrarias alemãs e vendeu nada menos que 1,25 milhão de exemplares.

Um número cada vez maior de europeus falam do Islão como de um “perigo verde”, à maneira em que outrora se imaginavam os avanços da China, falando do “perigo amarelo”. A xenofobia e o racismo estão aumentando em toda a Europa. A isso, contribui, sem dúvida, o fato de que alguns muçulmanos que vivem na Europa estão longe de ser irrepreensíveis. Especialmente – em um momento em que os meios de comunicação evocam a brutalidade do Estado Islâmico, o Daesh, no Iraque e na Síria – os ativistas islâmicos, que aproveitam o clima da liberdade que reina nos países europeus para desenvolver um proselitismo ultra-fundamentalista, de sentido salafista. Pregam o doutrinamento de seus correligionários ou de jovens cristãos convertidos. Os mais extremistas participaram da recente onda terrorista na França e na Bélgica.

No âmbito político, são muitos os discursos dramáticos que despertam a preocupação e a angústia dos eleitores. Durante as campanhas eleitorais, é comum encontrar discursos que recorrem ao instinto de proteção dos indivíduos. Apela-se muito frequentemente ao medo Trata-se de uma manipulação. E, na utilização desse sentimento, o populismo de direitas converteu-se, no contexto atual de crise social, em experts. Não só na Áustria. Na França, por exemplo, não há nenhum discurso da Frente Nacional e da sua dirigente Marine Le Pen, em que não se mencione o medo. Le Pen evoca de forma constante as “ameaças” que pesariam sobre a segurança física e o bem-estar dos cidadãos. E apresenta o seu partido como um “escudo protetor” frente a esses “perigos”.

Em todos os seus documentos, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, em alemão) e seu líder Norbert Hofer insistem na persistência de um passado idealizado e uma identidade que deve ser preservada. Promovem o medo, mencionado regularmente, de um “enemigo exterior”: o Islão, contra o qual, a “nação austríaca” tem que atuar como um bloco. Denunciam o Outro, o estrangeiro, como um perigo para a coesão da comunidade nacional. Em todos os discursos populistas das direitas, se encontra esse medo do Outro que, obrigatoriamente, é o inimigo — rejeitado porque não compartilha dos valores da “Pátria eterna”.

Em seus discursos, os líderes das novas extremas direitas também atacam a União Europeia (UE). Acusam-na de todos os males, sobretudo de “por em perigo” os Estados-nação e seus povos. A UE é designada como culpada da fragmentação das nações. Ao mencionar as “trevas da Europa”, Norbert Hofer mergulha os seus ouvintes na inquietude. Porque, na cultura ocidental e cristã, as “trevas” designam, no geral, o nada e a morte. Assim sendo, o FPÖ apresenta-se como um partido “salvador”, aquele que conseguirá levar a nação austríaca à luz.

A maioria dos populistas de direita na Europa manipula hoje uma amplificação e dramatização dos perigos. Seus discursos propõem apenas ilusões. Mas em um período de dúvidas, de crise, de angústia e de novos medos, as suas palavras conseguem captar melhor um eleitorado desconcertado e aprisionado pelo pânico.


(1) Depois da recontagem de 900.000 sufrágios por correio, o candidato ecologista Alexander Van der Bellem, catedrático emérito de Economia, de 72 anos, foi eleito novo Presidente da Áustria com 53,3% dos votos, ante os 49,7% do aspirante de ultradireita, Norbert Hofer, que havia sido vencedor do primeiro turno, com 35% dos votos.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Coisas que li (ontem) ...



 -Vais ver que vai dar certo - disse a vida.
- Como sabes? - perguntou o medo.
- Eu não sei, mas acredito. E isso, é tudo.

Coisas que eu lia nos meus livros da escola...

Foto by José Coelho

O gato

O gato, à sua janela,
ao Sol, que brilha fulgindo,
vai dormindo,
vai pensando
e vai sonhando:


-«Ó minha linda casinha,
tu és minha, muito minha,
nem há outra melhor que ela ...»

- «Pelas noites de invernia,
quando o vento, num lamento
muito lento, muito longo,
muito fundo, de agonia,
ruge e muge,
e a chuva bate à janela,
nos vidros fina a tinir...,
ai com é bom,
ai como é bom dormir
ao serão, todo enroscado
ao pé do lume doirado,
fazendo ron-ron, ron-ron..."

-«Ó minha linda casinha,
tu és minha, muito minha,
nem há outra melhor que ela ...»

O gato, à sua janela,
ao Sol, que brilha fulgindo,
vai pensando,
vai dormindo
e vai sonhando:

- «Não tenho inveja a ninguém:
nem aos pássaros no ar
a voar,
nem aos cavalos saltando,
galopando,
nem as peixinhos no mar
a nadar;
não tenho inveja a ninguém,
aqui da minha janela
onde me sinto tão bem ...»

- «Ó minha linda casinha,
tu és minha, muito minha,
nem há outra melhor que ela ...» 

Afonso Lopes Vieira