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A humilhação quinzenal
José Soeiro
08.01.2016 às 12h12 – In Expresso
Perder o emprego é
quase sempre uma desgraça. Não é apenas o rendimento que se perde, é o
quotidiano que se esfrangalha, é o isolamento que cresce e o sentimento de
utilidade que fica em causa.
Quem recebe o subsídio
passa ainda a ter de atestar, a cada quinze dias, a permanência na sua morada
oficial, apresentando-se no centro de emprego, na Junta de Freguesia ou numa
instituição que tenha protocolo com o Instituo de Emprego. Como se tivesse
cometido um crime e fosse arguido com termo de identidade e residência. O não
cumprimento, por duas vezes, da obrigação da apresentação quinzenal, resulta na
anulação da inscrição no Serviço de Emprego e na perda do direito ao subsídio
de desemprego.
Para que raio serve
esta humilhação? Por que razão o IEFP, que tem como missão apoiar os
desempregados e encaminhá-los para uma nova função compatível com as suas
competências profissionais, os trata como suspeitos?
Desde há uns anos, com
a disseminação do conceito de “empregabilidade”, introduziu-se uma lógica de
culpabilização do desempregado pela sua situação. Multiplicaram-se os
dispositivos que visam a “ativação dos beneficiários, passou a punir-se os
desempregados diminuindo o valor do subsídio ao longo do tempo, como se a
situação de desemprego não resultasse de escolhas de política económica, mas
sim de défices individuais e como se a solução para o desemprego pudesse ser
imputada exclusivamente aos próprios desempregados. Foi neste contexto que
surgiram as famosas “apresentações quinzenais”.
Dizem os seus
defensores que é um mecanismo de combate à fraude. Mas os desempregados, os
técnicos de emprego e os profissionais das Juntas sabem que é apenas um
calvário burocrático humilhante, cansativo e inútil. Até porque a justiça e o
controlo na atribuição do subsídio de desemprego já estão garantidos por uma
dezena de outras obrigações impostas na lei, cujo não cumprimento implica a
perda de subsídio: comunicar a alteração de residência e a ausência do
território nacional; aceitar o chamado “emprego conveniente” e o perverso
“trabalho socialmente necessário”; aceitar a formação profissional, o plano
pessoal de emprego, as medidas ativas de emprego; provar que se procurou
“ativamente” emprego, mostrando mails e carimbos das empresas; comparecer às
convocatórias do centro de emprego e às entidades para onde foi encaminhado por
aquele.
Em Portugal,
tristemente, a maior parte dos desempregados já não tem sequer acesso ao
subsídio de desemprego, porque teve trabalhos precários que não lhes permitem
aceder àquela prestação ou porque estão desempregados há demasiado tempo e o
subsídio já terminou. Nos centros de emprego, escasseiam as ofertas de
trabalho. Perante isto, conceber os desempregados como uma espécie de
preguiçosos, obrigados a demonstrar que procuram trabalho como quem procura
água no deserto e a fazerem prova de vida quinzenal não serve a fiscalização. É
apenas um desrespeito e uma humilhação inútil que as pessoas não merecem. Devia
acabar.